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Trending topics da última semana: O grupo de humor “Porta dos Fundos” envolvido em mais uma peça de escárnio à fé cristã. Vem cá, alguma novidade? Nenhuma, eles já estão no ramo desde 2013.  Pela grande repercussão, as opiniões estão pululando pelas redes sociais e são as mais variadas, geralmente muito bem fundamentadas, então, por que daríamos a nossa? Somos gaúchos e dizem que todo gaúcho é metido, logo, lá vai, começando pela famigerada produção:

O objetivo central da produção do “Porta dos Fundos”, segundo os produtores, é transmitir a mensagem de que “Deus está em cada de um de nós[1]”, pensamento que também não é novidade, já que o Gregório Duvivier é adepto de uma corrente filosófica humanista deísta, aonde crê-se que o homem é deus sobre si mesmo.

O filme, em um contexto de humor/sarcasmo, afirma que a primeira tentação de Jesus (Jesus Cristo, a segunda pessoa da Trindade, Deus filho, para todos os cristãos) seria uma “saída do armário”, no qual se descobre homossexual, além de fazer alusão à existência de relações sexuais entre o Deus soberano (a primeira pessoa da Trindade, Deus pai, para todos os cristãos) e Maria (Santíssima Virgem, Nossa Senhora ou simplesmente Virgem Maria, para os católicos). No filme, também encontraremos alguns relatos do Antigo Testamento como fruto de uma “zoeira” que Deus quis pregar nos homens. O especial de Natal também conta com as figuras de Buda, Jah e Maa Durga[2] –  todos se queixando sobre a missão da divindade que receberam.

Sim, tivemos a ingrata necessidade de assistir esta péssima obra cinematográfica para fins deste artigo, e, sim, o sentimento foi de ofensa. Não foi nada bom assistirmos contínuos escárnios àquele que para nós é o que temos de mais sagrado: Jesus Cristo, o filho do Deus altíssimo; o cordeiro imaculado que carregou todos os nossos pecados naquele madeiro e pagou a nossa conta, riscando toda cédula de condenação que existia contra nós. A primeira indagação que nos vem a cabeça: eles podem fazer isto? O que podemos fazer perante um conflito entre nossa fé e em um filme que zomba de, no mínimo, 4 (quatro) religiões diferentes, e, especialmente do que nos é mais sagrado? A liberdade de expressão garante o direito de blasfêmia e ofensa?

Como já explicamos em outros momentos, o que vai resolver o choque entre duas liberdades fundamentais é a dignidade da pessoa humana, da qual todos os direitos fundamentais e liberdades derivam. O conteúdo protagonizado pelos humoristas ataca a dignidade de milhares de fiéis, por meio de cenas que tem o único objetivo de ofender a [nossa] fé, ao dessacralizar tudo aquele que cremos.

Esquecem que a crença e todos os elementos que a constitui, como, por exemplo, a Bíblia, o nascimento virginal de Jesus, a dupla natureza de Cristo (Homem e Deus) e a Santa Ceia (Eucaristia para os católicos), são sagrados por essência e por esta razão são objeto de adoração – claro que com variações de acordo com a lente teológica – e alvo da fé de bilhões de pessoas pelo mundo. É no sagrado que o ser humano deposita sua mais derradeira esperança e, é também pela fé, que ele encontra sentido à vida, na maioria das vezes. É, por meio da crença, que o ser humano consegue respostas as perguntas mais difíceis da humanidade, desde o tempo das cavernas: quem somos, de onde viemos, por que estamos aqui e para onde vamos?

A confiança em Jesus Cristo e a esperança na vida eterna nasce e se instala no mais íntimo de cada um de nós, gerando sentido e dignidade à nossa vida. Funde-se com nossa esperança, indo além de qualquer medida humana, pois o adorador adora com todo o seu ser e, invariavelmente, sem limites. “Ofender e denegrir o sagrado é um ataque ao mais íntimo do homem. Aqui vale a expressão: “Ao que lhe é mais sagrado”. Atacar sua fé no sagrado é solapar a sua dignidade de ser humano. Esta é a última barreira, o último muro para a bestialidade. Aqui deixamos de ser humanos, para nos tornarmos animais”[3].

Todavia, ignorando qualquer muro que nos separa da bestialidade, com o claríssimo intuito de “causar”, dessacralizam nossas crenças e ofendem nossos sentimentos, tudo sob a couraça da liberdade de expressão, como se esta não existisse para servir-nos. Usam a liberdade para nos machucar naquilo que é mais importante e mais sagrado. Preciso lembrar que, para alguns o filme em questão não passa de um conteúdo ruim, mas para outros vai muito além, a prova? Está aí, “dê” um Google.

O simples fato de usar a arte com o único propósito de ofensa já configura uma afronta ao sentimento religioso: fazer uso da liberdade para ofender a coletividade, é sinônimo de contrariar a fé de alguém por meio de uma ação vexatória, algo equivalente ao que é proibido no Decreto 119-A, em seu artigo 2º: “a todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos actos particulares ou publicos, que interessem o exercicio deste decreto.” O que é sagrado para o fiel é protegido contra qualquer ataque ou achincalhamento. O fiel não pode e não deve ser exposto ao ridículo e muito menos vilipendiado em suas crenças. Em prol do bem comum, o sentimento religioso que influencia nossa percepção de dignidade, está protegido pelo Decreto 119A, que foi recebido pela Constituição da República Federativa do Brasil.

Claro que a liberdade de expressão possui o seu valor no pilar da dignidade da pessoa humana, assim como as outras liberdades fundamentais também têm relevância a partir da dignidade. A dignidade da pessoa humana é a régua que mede se uma liberdade deixou de ser liberdade para se tornar objeto de opressão. Vamos à medição:

  1. Humoristas fazem um filme zombando de Cristo, Maria, Deus, Bíblia Sagrada e outras religiões;
  2. O conteúdo das falas e das cenas são tão fortes que milhões de pessoas invadem as redes sociais para protestar;
  3. As falas e cenas não são direcionadas às Instituições enquanto organização, nem contra lideranças, ao contrário são direcionadas as divindades cristãs,  dessacralizando as crenças mais sagradas dos fiéis em questão;
  4. Qual é o núcleo da fé dos cristãos? Jesus Cristo – Deus e Homem, ao mesmo tempo.

No 1, os humoristas fazendo uso da liberdade de expressão, atacam o núcleo da fé de milhões de cristãos brasileiros que, no 2, protestam e demonstram que efetivamente foram atingidos no que possuem de mais sagrado em suas vidas; no 3, percebe-se que o filme ataca exatamente o âmago da fé cristã, e, no 4 temos a solução: liberdade de expressão passa por cima da liberdade religiosa e do Estado Laico para atingir a dignidade das pessoas. Assim, temos um caso em que a liberdade de expressão não cumpriu seu objetivo principal que é servir a dignidade humana, muito antes pelo contrário a atacou.

A verdade é que “não há liberdade que, ao colidir com a dignidade humana, resista, porque é a dignidade da pessoa humana que possui o condão de tornar um axioma em liberdade. Não se trata de pesar qual a liberdade é mais importante ou maior, se a de expressão ou religiosa. As duas liberdades, como todas as demais, existem para servir. Servir ao preceito fundamental da Dignidade da Pessoa Humana, para que seja exercida por todos e em sua plenitude. Aquela que não a serve, ou pior, a ofende, não está cumprindo seu propósito, em claro desvirtuamento. A dignidade da pessoa humana é base de todos os direitos, funda-se no próprio direito natural[4]”.

“A partir de la dignidad de la persona humana; en el bien entendido de que la dignidad, como ya he dicho otras veces, no es una simple predicación adjetiva de superioridad, sino el estatuto ontológico de la persona humana. Hablar de derechos inherentes a la dignidad de la persona humana equivale a hablar de derechos fundados en la naturaleza humana, esto es, de derechos naturales (…) Cada derecho humano surge de la dignidad de la persona, al entrar la persona en contacto con cada relación social según las circunstancias y las situaciones multiformes de la vida en sociedad. En cada una de ellas la dignidad humana se presenta con unas cosas debidas a ella y unas exigencias, que hacen surgir los concretos y particulares derechos humanos[5]”.

Na perspectiva do Direito Religioso há uma afronta ao sentimento religioso, portanto, é um ato passível de processo judicial, tanto na esfera cível quanto na esfera criminal, como já foi feito em 2017 pelo Centro Dom Bosco, contra a produtora Porta dos Fundos. O teor do processo gira em torno dos vídeos satíricos “Ele está no meio de nós” e “Céu Católico”, que configuram atos de vilipêndio de culto e ataque à liberdade religiosa[6].

Ainda, outro fator precisamos considerar: como avaliar a participação da Netflix? Resposta: assim como você avalia o filme “O Irlândes”, o seriado “The Crown” ou o documentário que fala sobre a história de Johnny Cash, narrando sua visita à Casa Branca em 1979. Trata-se de uma plataforma de streaming, que vai de filmes infantis até conteúdo impróprio para menores de 18 anos. O que queremos dizer com isso é que existem muitos estantes, carregados de opções. Nessas opções, haverá espaço para aquilo que não gostamos, o que não significa que a liberdade artística é um carro sem freio: a dignidade da pessoa humana é o limite. Entretanto, a solução da problemática precisa ser direcionada às pessoas corretas. A realidade da última semana mostrou que estamos dispostos a atacar a lógica do livre mercado – e isso significa dar um tiro no próprio pé.

No tempo em que a televisão aberta fornece conteúdo predominantemente ideológico, a solução que encontramos está nas plataformas alternativas. A mentalidade do livre mercado é essa: ampla concorrência + menos burocracia = mais opções, bons produtos por um preço acessível. Esse ponto não pode ser sacrificado em prol da cruzada pelos bons costumes.

O que queremos dizer é que o verdadeiro boicote, ao nosso ver, deve ser direcionado ao grupo que investe tempo e formação artística para zombar da fé dos outros, e não contra a liberdade de escolha do assinante. A mesma Netflix que disponibilizou sua plataforma para tal aberração cinematográfica e ainda é coprodutora, é a mesma Netflix que abriu espaço para séries esplendorosas como The Crown, também como coprodutora, que trata sobre a política, rivalidades e relacionamentos da rainha Elizabeth II, inclusive com a participação do saudoso Bill Graham. Trata-se de saber aonde empreender nossa indignação de forma coerente, e efetiva. Nós somos os donos do controle, basta não assistirmos aqueles programas que atentem contra nossa fé. Aliás, esses programas só se mantêm no streaming se tiverem views, sem views são retirados, esta é a maravilhosa lógica de mercado.

A escolha de cancelar a assinatura não está errada. Também é uma opção, isto se você considerar perder ótimos conteúdos em razão de algum conteúdo ruim. Seria como, você nunca mais entrar na Livraria Saraiva, porque existem obras que são contra nossa fé lá, por mais que, algumas delas tenham sido publicadas pela própria Saraiva. Ou, você deixar de ser associado à uma biblioteca, porque nela existem obras de Marx, publicada pela própria biblioteca. Ah, biblioteca esta que também possuem obras sobre Jesus Cristo, por ela publicada.

O problema, de verdade, está na tentativa do convencimento para que todos cancelem suas assinaturas porque no Netflix existem conteúdos que não me agradam ou, vai lá, até mesmo me ofendam, mas e os demais conteúdos? Claro que a ofensa  pode ter sido tão grande (estamos aqui falando de algo pessoal e íntimo: fé) que me leve a cancelar, mas aí impor que outros sigam meu exemplo? Parece-nos que tal imposição é um ato equivalente à metodologia comunista de consumo, aonde alguém vai ditar o que devemos comprar.

Portanto, vale lembrar de uma lição básica na pauta do cristianismo e livre mercado: “A ênfase da Bíblia no valor da liberdade humana (Êx 20:2; Is 61:1; Gl 5:1) também favorece um sistema de livre mercado que permite às pessoas escolher onde trabalhar, o que comprar, como administrar uma empresa e como gastar seu dinheiro. Uma economia controlada pelo governo toma essas decisões pelas pessoas.”[7]

Sempre que alguém solapar o sagrado, é necessário a sociedade civil se interpor, contrariar, não aceitar. Estamos falando de dignidade humana, estamos falando de vida. Sem dignidade não há vida plena, apenas um suspiro dela. Todos os meios que tivermos para tentar barrar ataques à dignidade devem ser usados: boicote, justiça etc. Por isso que os crimes contra a honra e contra o sentimento religioso são tutelados penalmente em qualquer lugar do mundo.

Lembrando que o alvo das nossas críticas e até mesmo processos deve ser o grupo de humoristas, os produtores, inclusive a Netflix, mas enquanto produtora do conteúdo específico. Em outras palavras, posso processar a Netflix por ofensa ao meu sentimento religioso, recomendar boicote do programa em questão e, continuar assistindo “The Crown”. Seria como, processar a Biblioteca que publicou uma cartilha contra minha fé, mas continuar pegando emprestado seus bons livros, enquanto eles existam ou, deixar de assinar um jornal, porque tem UM ou DOIS colunistas que possuem um visão de mundo contrária a minha e CINCO favoráveis.

Quanto ao Porta dos Fundos, fico com a afirmação de Mario Ferreira dos Santos: “A blasfêmia e o sacrilégio são uma ofensa à dignidade humana e revelam a baixeza da alma de quem os pratica[8]

 

Nota do Editor: Este artigo foi publicado originalmente no Voltemos ao Evangelho.


[1] Cena do Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo – no momento 38:31.

[2] Trata-se de uma deusa do Hinduísmo.

[3] VIEIRA, Thiago Rafael; REGINA, Jean Marques. Direito Religioso: questões práticas e teóricas. 2ª. Ed., Porto Alegre : Concórdia, 2019, p. 106-107.

[4] VIEIRA, Thiago Rafael; REGINA, Jean Marques. Direito Religioso: questões práticas e teóricas. 2ª. Ed., Porto Alegre : Concórdia, 2019, p. 107.

[5] HERVADA, Javier. Los Eclesiasticitas ante un espectador – tempvs otii secvdvm. España: Navarra Gráfica Ediciones, 2002, p.113.

[6] Centro católico pede indenização de R$1 para cada visualização de vídeo do ‘Porta’. Disponível em: < https://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/centro-catolico-pede-indenizacao-de-r-1-para-cada-visualizacao-de-video-do-porta.html?fbclid=IwAR0fpchKOrrEZOs7GktPzb_8rhNGimxCR9w2fZ4PK4AEFtTlA7N4QqnwUKA >

[7] GRUDEM, Wayne. Economia e política na cosmovisão cristã: contribuições para uma teologia evangélica. São Paulo: Vida Nova, 2016. p. 51.

[8] SANTOS, Mário Ferreira. A Invasão Vertical dos Bárbaros. São Paulo: É Realizações. 2012, p. 69

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