×
Procurar

Quando pensamos em liberdade religiosa o que nos vem a cabeça? Alguns podem pensar que se trata de um movimento ecumênico para reunir religiosos de diferentes credos em torno daquilo que os unem, em uma espécie de autopromoção e autodefesa. Ou seja, uma confraria ou associação para defesa da “classe”.

Com a ideia do ecumenismo, vem a reboque o pensamento de que liberdade religiosa é “coisa para crente” ou para “fanático”, afinal de contas à liberdade religiosa tem como objetivo, segundo quem pensa assim, a permissão do governo para que façam seus cultos, ritos, etc. Pois então, se você pensa assim: “tela azul” de erro do Windows pra você! Liberdade religiosa não tem absolutamente nada a ver com ecumenismo e muito menos em ser um assunto exclusivo para crentes e/ou religiosos. Não mesmo!

A liberdade religiosa, somada da liberdade de crença, são as pedras angulares onde se assentam todas as demais liberdades, essenciais para a democracia. São as primeiras e mais importantes liberdades do ser humano. Mas, afinal de contas, por que separar liberdade de crença de liberdade religiosa? A liberdade de crença e a liberdade de pensamento são liberdades de ação íntima, praticamente absolutas, que correm em paralelo e são distintas entre si, como nos ensina Javier Hervada: “Cada uma delas possui sua própria configuração e, embora não deixem de se relacionar, cada uma é um direito tipificado e delimitado como autônomo [i]”. Por que praticamente absolutas? Pelo simples fato de que o Estado não pode ou, pelo menos não deve, interferir no que cremos e pensamos ou nos dizer em que crer ou pensar, por mais que países como a China tentem fazer isto.

Enquanto a liberdade de pensamento é aquela da qual as ideias e convicções nascem, onde as ideologias e filosofias são primeiramente testadas, a liberdade de crença é aquela que garante o nosso relacionamento com Deus e a comunicação que temos com Ele. No pensamento nutrimos nossas convicções, na crença amadurecemos nosso relacionamento com Deus. Ambas são internas e se processam no nível da nossa consciência e do nosso subconsciente. Todavia a liberdade de pensamento ampara nosso ideário, a de crença ampara aquilo que nos é mais sagrado: nossa relação com a divindade. Daí decorre a precedência da liberdade de crença sobre a liberdade de pensamento. Mas, e a liberdade religiosa?

A liberdade religiosa é o efeito e o resultado da liberdade de crença. É a conduta, ato comitivo ou omissivo do agente no mundo dos fatos. As flores de nosso relacionamento com Deus, que são engendradas livremente em nosso interior, desabrocham para o mundo quando falamos da importância e da beleza deste relacionamento para que outros possam também experimenta-lo, ou a defendemos daqueles que discordam e duvidam ou, ainda, quando simplesmente levamos nossa vida na comunidade política por meio de palavras, gestos e atos revestidos da relação com Deus. A estas flores damos o nome de liberdade de expressão de crença e proselitismo. As flores resultam em frutos que amadurecem por meio do calor da comunhão daqueles que compartilham o mesmo relacionamento com Deus e o transbordam na conjugação de atos em adoração pública por meio do culto e da organização cívica. Ou seja, as liberdades de culto e de organização.

Vejam, a liberdade religiosa se traduz nas liberdades de expressão, proselitismo, culto e organização, todas decorrentes da crença que nasce no coração do homem. Assim se explica a separação em Liberdade de Crença e Liberdade Religiosa.

A crença nos move, inclusive a não crença, porque os valores negativos precisam dos positivos para subsistir. São os valores morais e éticos ou, a negação deles, que formam o roteiro que decoramos e representamos em nossas “atuações” como “atores” nas comunidades em que pertencemos (família, escola, trabalho, cidade, nação). E, se nestas comunidades podemos desempenhar nossos papéis, é porque temos as liberdades de ir e vir, econômica, acadêmica, profissional, de imprensa, mas todas, só podem ser usufruídas porque primeiro nos foi garantida a liberdade de crença, exteriorizada nas dimensões da liberdade religiosa. Por quê? Porque são nossas crenças que nos movem.

Ao nos mover nossas crenças nos orientam ao relacionamento. É um ciclo sem fim. Remetendo ao cristianismo que formou o ocidente, a Trindade, que sempre existiu em três e três em um, relacionam-se entre si, desde sempre, e, assim somos chamados a se relacionar com Deus, depois, somos chamados para relacionar-se com nossos irmãos e, por fim, com todos de nossa comunidade. Ser pessoa é ser relacional e ser relacional é o que aprendemos com nossos credos. Se a democracia precisa de participação política de todos nas coisas da cidade como ensinavam Aristóteles, Tocqueville, Bobbio e Dahl e, se participação política significa engajamento social de forma diária na perseguição do bem comum, é a crença e sua mais ampla liberdade o sol que aquece nossa democracia.

Impeça que os raios da liberdade de crença alcancem nossa nação que, em breve ela se transformará em um Saturno. Lindo pelos seus anéis, mas morto pela ausência do calor humano despertado pelo amor de Deus, que aquece nossa alma.

* * * * *

[i] Hervada, Javier. Los Eclesiasticitas ante un espectador — tempvs otii secvdvm (España: Navarra, 2002), p. 111.

CARREGAR MAIS
Loading