As opiniões expressas são exclusivamente do autor e não representam a posição de todos os membros da Coalizão pelo Evangelho.
Há tempos se questiona se Israel ainda seria o Povo de Deus, tal como é chamado no Antigo Testamento e em partes do Novo Testamento. Embora eu reconheça que há cristãos que não veem o povo judeu como Povo de Deus após a crucificação de Cristo, é importante que conheçamos que este posicionamento é pontual e não uniforme em toda a história da Igreja.
Especialmente nestes dias de guerra entre Israel e Hamas, há alguns que têm escrito nas redes sociais que, “espiritualmente”, Israel não é mais o Povo de Deus. Teológica e historicamente isso está errado e desconectado da tradição cristã, inclusive reformada e puritana (sem mencionar alguns da Igreja Antiga e Medieval), além de desconectado da própria Escritura.
Antes de Israel existir, já existia Aliança e Povo de Deus (lembre-se de Abel, Sete, Enos, Enoque, Noé etc.). Este Povo pode ser chamado de a “Igreja de Deus”, “Assembleia de Deus”, os “Reunidos por Deus” (do grego ἐκκλησία: ekklēsia). Já havia “Igreja” antes de haver Israel. Já havia Povo de Deus antes de haver Israel.
Porém, quando Deus fez Aliança com Abraão, o pai da fé e da nação judaica, fez aliança com ele e seus descendentes de que, deles viria o Messias, o descendente de Eva que esmagaria a cabeça da serpente (Gn 3.15). Nesta Aliança, Deus prometeu dar uma Terra (aquela mesma que você conhece), um Trono (que seria eterno – e se cumpre em Jesus), e um Trato (nunca lhes abandonaria, apesar de sua infidelidade).
Neste sentido, Israel é o Povo de Deus (nação). Não confunda com o Povo de Deus (eleitos), porque até mesmo dentro do Povo de Deus (nação) nem todos são eleitos:
Romanos 9.2-7: Sinto grande tristeza e tenho incessante dor no coração. Porque eu mesmo desejaria ser amaldiçoado, separado de Cristo, por amor de meus irmãos, meus compatriotas segundo a carne. São israelitas. A eles pertence a adoção, assim como a glória, as alianças, a promulgação da Lei, o culto e as promessas. Deles são os patriarcas, e também deles descende o Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito para sempre. Amém! E não pensemos que a palavra de Deus falhou. Porque nem todos os de Israel são, de fato, israelitas, nem por serem descendentes de Abraão são todos filhos.
Portanto, nem todos os israelitas são “Filhos de Abraão”, “Eleitos”, “Filhos de Deus”, no sentido espiritual. Porém, a despeito disso, Deus fez uma Aliança com o pai desta nação que envolve uma Terra, um Trono e um Trato. Sim, trato! Independente da obediência ou não do povo.
Ademais, todos nós, gentios, estranhos, estrangeiros, fazíamos parte de uma “Oliveira Brava” (não salva, sem Aliança), e fomos arrancados dela para sermos enxertados na “Oliveira Boa” (em cuja raiz está a Aliança). Todos nós, gentios, fomos enxertados no Povo de Deus (eleitos), e em Israel (por isso somos também agora chamados de o “Israel de Deus”, Gálatas 6.16). Não há dois pactos, duas alianças, dois povos. Nunca houve! Há um só povo, uma só Aliança, uma só Igreja, uma só ekklēsia, do qual inclusive muitos israelitas hoje (convertidos) fazem parte. Porém, mesmo os israelitas não salvos não deixam de ser cuidados por Deus. Existem promessas de Deus para com este povo étnico.
Além disso, há uma expectativa escatológica quanto à salvação de Israel étnico, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Veja o que disse o profeta Zacarias:
Zacarias 12.10-13.1: E sobre a casa de Davi e sobre os moradores de Jerusalém derramarei o espírito da graça e de súplicas. Olharão para aquele a quem traspassaram. Prantearão por ele como quem pranteia por um filho único e chorarão por ele como se chora amargamente pelo primogênito. Naquele dia, o pranto em Jerusalém será tão grande como o pranto de Hadade-Rimom, no vale de Megido. A terra pranteará, cada família à parte: a família da casa de Davi à parte, e suas mulheres à parte; a família da casa de Natã à parte, e suas mulheres à parte; a família da casa de Levi à parte, e suas mulheres à parte; a família dos simeítas à parte, e suas mulheres à parte. Todas as outras famílias prantearão, cada família à parte, e suas mulheres à parte. — Naquele dia, haverá uma fonte aberta para a casa de Davi e para os moradores de Jerusalém, para remover o pecado e a impureza.
Zacarias, usado por Deus, afirma que, no futuro, os judeus traspassariam o Messias, o Filho. E que, depois disso, se arrependeriam, pranteariam, chorariam amargamente. Isso ainda não aconteceu como ele disse que acontecerá, ou seja, que a “casa de Davi” e “os moradores de Jerusalém”, ou seja, os israelitas, se arrependerem amargamente de terem crucificado o Filho de Deus e o reconhecerem como o Messias. Porém, está profetizado que, um dia, o farão.
Além de Zacarias, veja o que o apóstolo Paulo escreveu sobre o futuro de Israel, de seus compatriotas:
Romanos 11.1-2,5-6,17-20,25-29: Então eu pergunto: Será que Deus rejeitou o seu povo? De modo nenhum! Porque eu também sou israelita, da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim. Deus não rejeitou o seu povo, a quem de antemão conheceu.” … “Assim também nos dias de hoje sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça. E, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça.” … “Se, porém, alguns dos ramos foram quebrados, e você, sendo oliveira brava, foi enxertado no meio deles e se tornou participante da raiz e da seiva da oliveira, não se glorie contra os ramos. Mas, se você se gloriar, lembre que não é você que sustenta a raiz, mas é a raiz que sustenta você. Então você dirá: “Alguns ramos foram quebrados, para que eu fosse enxertado.” Correto! Eles foram quebrados por causa da incredulidade, mas você continua firme mediante a fé. Não fique orgulhoso, mas tema.” … “Porque não quero, irmãos, que vocês ignorem este mistério, para que não fiquem pensando que são sábios: veio um endurecimento em parte a Israel, até que tenha entrado a plenitude dos gentios. E, assim, todo o Israel será salvo, como está escrito: “O Libertador virá de Sião e afastará de Jacó as impiedades. Esta é a minha aliança com eles, quando eu tirar os seus pecados.” Quanto ao evangelho, eles são inimigos por causa de vocês; mas quanto à eleição, amados por causa dos patriarcas; porque os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis.
Veja, apesar de nem todos os israelitas hoje serem salvos, “nos dias de hoje sobrevive um remanescente segundo a eleição”. Além disso, note que “veio um endurecimento em parte a Israel, até que tenha entrado a plenitude dos gentios”. Note: “até que!”. O que vem após isso? “Assim, todo o Israel será salvo”, “O Libertador virá de Sião e afastará de Jacó as impiedades”.
Portanto, ainda há algo de Deus com este povo étnico. Duas coisas: 1. A promessa de que eles serão cuidados; 2. A promessa de que, antes da segunda vinda do Messias, serão salvos.
De modo especial, antes do retorno oficial dos judeus para sua terra e da criação do atual Estado de Israel em 1948, já havia uma expectativa do cumprimento futuro de duas coisas: 1. O retorno de Israel para sua terra e, 2. A conversão deste povo. Isto foi profetizado por Ezequiel. Veja:
Ezequiel 36:22–28: Portanto, diga à casa de Israel: Assim diz o SENHOR Deus: “Não é por causa de vocês que eu faço isto, ó casa de Israel, mas pelo meu santo nome, que vocês profanaram entre as nações para onde foram. Revelarei a santidade do meu grande nome, que foi profanado entre as nações, o qual vocês profanaram no meio delas. As nações saberão que eu sou o SENHOR, diz o SENHOR Deus, quando eu manifestar a minha santidade diante delas por meio de vocês. Eu os tirarei do meio das nações, eu os congregarei de todos os países e os trarei de volta para a sua própria terra. Então aspergirei água pura sobre vocês, e vocês ficarão purificados. Eu os purificarei de todas as suas impurezas e de todos os seus ídolos. Eu lhes darei um coração novo e porei dentro de vocês um espírito novo. Tirarei de vocês o coração de pedra e lhes darei um coração de carne. Porei dentro de vocês o meu Espírito e farei com que andem nos meus estatutos, guardem e observem os meus juízos. Vocês habitarão na terra que eu dei aos seus pais. Vocês serão o meu povo, e eu serei o seu Deus.
E, antes que você diga que isto se cumpriu no retorno da Babilônia, note que o Senhor diz que os traria de “entre as nações”, “do meio das nações”, “de todos os países”, e não “da Babilônia”. A única ocasião em que Israel se afastou de sua terra para todos os países foi após a destruição do Templo em 70 d.C. e, definitivamente, em agosto de 135 d.C. com a condenação e morte da última tentativa de resistência com o zelote judeu Bar Koshba.
Após 135 d.C., Israel foi para “todas as nações”, de onde voltaram oficialmente somente em 1948 d.C., há 75 anos atrás. Portanto, a primeira profecia de Ezequiel se cumpriu a menos de 100 anos. Na mesma profecia está escrito que, após isso, “eu os purificarei de todas as suas impurezas e de todos os seus ídolos. Eu lhes darei um coração novo e porei dentro de vocês um espírito novo. Tirarei de vocês o coração de pedra e lhes darei um coração de carne.”. Isso ainda não aconteceu, mas é questão de tempo. Acontecerá antes da segunda vinda de Jesus de Nazaré, filho de Maria, judeu descendente da tribo de Judá.
Que Deus abençoe Israel. Que Deus dê paz a Israel. Que o Senhor traga salvação a Israel e a seus inimigos. Que venha logo o dia em que todo Israel possa dizer: ברוך הבא בשם יהוה, baruch haba b’shem Adonai, “bendito O que vem em nome do Senhor”, Salmo 118.26.
Per Christum dilectum meum,
Wilson Porte Jr, conselheiro do TGC Brasil, professor de hebraico, Antigo e Novo Testamento no Seminário Martin Bucer, doutorando no Puritan Reformed Theological Seminary, e pastor da Igreja Batista Liberdade de Araraquara-SP.