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Romanos 7:13–25 é uma das passagens mais discutidas e controversas na Bíblia. Se Agostinho mudou de idéia sobre o seu significado, temos, então, um precedente para irmos de um lado para o outro, em nossa própria interpretação. Reconheço que eu dificilmente posso dar a última palavra sobre um texto que tem sido debatido por milhares de anos.

Não podemos determinar o que estes versos realmente dizem, e concluir: “Desventurado interpretador que sou. Quem me livrará deste dilema interpretativo?”

Embora não possa argumentar sobre todas as questões que surgem nestes versos com um simples artigo, vou defender porque eu acredito que Paulo está falando de sua experiência pré-cristã. Também é importante ver que Paulo descreve sua vida pré-cristã retrospectivamente. Em outras palavras: Ao mesmo tempo em que Paulo, como um cristão, olha para sua vida antes de Cristo, ele também reconhece que ainda não era um crente.

Quatro Razões em Defesa de Uma Experiência Pré-Cristã

1. A estrutura da passagem.

Quando olhamos para Romanos 7 como um todo, encontramos uma estrutura clara. Isto está descrito nos versos 5 e 6:

Porque, quando vivíamos segundo a carne, as paixões pecaminosas postas em realce pela lei operavam em nossos membros, a fim de frutificarem para a morte. Agora, porém, libertados da lei, estamos mortos para aquilo a que estávamos sujeitos, de modo que servimos em novidade de espírito e não na caducidade da letra.

O versículo 5 retrata uma experiência pré-cristã, descrevendo um tempo, “quando vivíamos segundo a carne”, e explica que a carne produzia “morte”. O verso 6 refere-se aos cristãos em quatro condições: “Mas agora”, “libertados”, “mortos” (para a nossa velha vida), e “Espírito”. Praticamente todos os comentaristas concordam que o versículo 5 refere-se aos incrédulos e o versículo 6, aos crentes. Mas aqui está o ponto-chave: Romanos 7:7–25 explica o versículo 5, e Romanos 8:1–17, o versículo 6. Nos versículos 7–25, vemos como o pecado, através da lei, traz a morte aos que vivem na carne, e em Romanos 8:1–17, vemos como o Espírito dá vida àqueles que pertencem a Jesus Cristo. Romanos 7:5,6 prediz o que Paulo está prestes a dizer, em termos extraordinariamente claros.

2. O Espírito Santo.

Se sacudirmos o caleidoscópio, seremos capazes de olhar para a passagem a partir de uma outra perspectiva, complementar. O Espírito Santo não é mencionado em Romanos 7:7–25. Mas Paulo se refere ao Espírito 15 vezes em Romanos 8:1–17, sugerindo que a pessoa descrita em Romanos 7:7–25 é aquela que não tem o Espírito em sua vida.

A essência do que significa ser cristão é ser habitado pelo Espírito (Rm 8:9). Vemos tanto em Romanos 7:14 quanto no 7:18 que a pessoa descrita é da “carne,” que ainda está no velho Adão, que não é um regenerado.

3. A Pergunta Feita em Romanos 7:13.

O argumento de Paulo avança pelas perguntas que ele faz. Nós já vimos que Romanos 7:5,6 dá estrutura e prevê a questão subseqüente. Mas observe a questão colocada em Romanos 7:7: “Que diremos, pois? É a lei pecado?” A questão surge por causa da redação de Romanos 7:5, já que Paulo havia dito que as nossas paixões pecaminosas foram incentivadas pela lei e produziram morte.

Portanto, a questão em Romanos 7:7 surge naturalmente: Se paixões pecaminosas foram provocadas pela lei, é a lei pecado? Paulo rejeita categoricamente tal opção, argumentando que a lei é santa e boa (Rm 7:12). Mas o pecado usou a lei como um ponto de partida em nossas vidas para ocasionar nossa morte espiritual.

Paulo passa a fazer outra pergunta em Romanos 7:13: “Acaso o bom se me tornou em morte?” “Bom” aqui é claramente a lei. Mas observe a pergunta: A lei, que é boa, causou a minha morte? A resposta é dada em Romanos 7:13b-25. Mas este é um argumento poderoso para apoiar uma experiência pré-cristã, já que Paulo explica como o pecado usou a lei para ocasionar a nossa morte. A fluidez do argumento se encaixa perfeitamente com o que Paulo diz sobre os incrédulos em Romanos 7:5: enquanto estávamos fora de Cristo, a lei operava em nossos membros para nos separar de Deus, para nos matar.

4. A Completa Derrota Descrita em Romanos 7:13–25.

Muitos cristãos, ao longo da história, têm se identificado com o desespero e a incapacidade do “eu” em Romanos 7:13–25. Nós lemos estes versos e pensamos: Essa é a minha história; essa é a minha experiência. A intuição está certa, mas a interpretação está errada. Como cristãos, estamos profundamente conscientes da nossa contínua pecaminosidade e de que não correspondemos à vontade de Deus em muitas coisas. Como diz Tiago: “Porque todos tropeçamos em muitas coisas” (Tg 3:2; cf. 2:10). Está claro aqui que a palavra “tropeçar” significa pecado. Portanto, Tiago não diz que pecamos ocasionalmente, mas que todos tropeçamos e pecamos em muitas coisas.

Todo cristão que segue ao Senhor reconhece a contínua batalha com o pecado, que nos afligirá até o dia da redenção (Gl 5:16–18). Nós já estamos salvos, mas ainda não somos o que queremos ou o que precisamos ser. Devemos continuar confessando nossos pecados diariamente, assim como Jesus nos ensinou na oração do Pai Nosso (Mt 6:12). O pecado continuará a nos atormentar em pensamentos, palavras e ações, até o nosso último dia.

Ainda assim, não é disso que Romanos 7:13–25 está falando. Sim, nós continuamos a lutar contra o pecado. Sim, nós falhamos todos os dias. Mas Romanos 7:13–25 está falando de uma completa derrota. Como Paulo diz no versículo 14: “Eu sou carnal, vendido à escravidão do pecado”. Em outras palavras, ele está descrevendo a prisão total e completa do pecado.

Vemos a mesma coisa novamente no versículo 23: “Mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros”. Paulo não está falando apenas da luta contra o pecado, com fracassos contínuos; ele descreve uma derrota completa e miserável, estando totalmente escravizado ao pecado. O “eu” é um prisioneiro do pecado. Paulo diz mais de uma vez nesta passagem que ele queria obedecer, mas não conseguia; a obediência não aconteceu e nem poderia – já que ele não era um regenerado.

A derrota completa, descrita em Romanos 7, contradiz o que Paulo descreve como experiência cristã em Romanos 6 e 8. Paulo declara em Romanos 6 que não somos mais escravos do pecado (6:6), que fomos libertados do pecado que nos escravizava quando éramos incrédulos (6:16–19).

Sim, nós ainda pecamos, mas não somos mais escravos do pecado. Como Romanos 8:2 declara: “Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte”. Esta libertação do pecado não está de acordo com a pessoa descrita em Romanos 7:13–25, uma vez que essa pessoa ainda está escravizada ao pecado. Como cristãos, nós desfrutamos, nesta vida, da vitória substancial, significativa e visível (embora não perfeita) sobre o pecado. Embora falhemos todos os dias, somos essencialmente moldados pela graça de Deus.

Duas Objeções

Uma série de discordâncias vem à tona contra o que eu disse. Vejamos duas delas brevemente. Em primeiro lugar, como é que uma referência aos incrédulos se encaixa em Romanos 7:22 (“No tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus”)? Tal prazer e anseio pela lei de Deus não mostra que está-se considerando um crente? Não necessariamente. Muitos judeus piedosos amavam a lei de Deus e ainda assim não conheciam a Deus. O próprio Paulo testemunhou que os judeus tinham um “zelo por Deus”, embora não com entendimento (Rm 10:2). Pode haver zelo e prazer na lei (veja os fariseus) mesmo não sendo verdadeiramente salvo.

Segundo, Paulo muda dos verbos no passado, em Romanos 7:7–11 para verbos no presente, nos versículos 14–25. Isso não prova que está-se considerando os cristãos ali? Não necessariamente. Estudiosos reconhecem que verbos no presente não necessariamente designam o tempo atual. A natureza temporal de uma ação deve ser discernida a partir de seu contexto, uma vez que verbos no presente, mesmo no indicativo, podem ser usados em referência ao passado ou mesmo ao futuro.

O tempo verbal não indica um momento atual, em Romanos 7:7–25. Pelo contrário, o uso do tempo presente aqui se encaixa com o estado ou condição da pessoa. Paulo está enfatizando o cativeiro, a subjugação e a impotência de alguém sob a lei. Seu uso do tempo verbal presente não indica um tempo passado, mas destaca, de forma significativa, a escravidão da vida sob a lei.

Palavra Final

Se eu estiver certo na maneira como interpreto esta passagem, então a diferença entre mim e aqueles que veem isto como uma experiência cristã não é grande. Afinal, nós concordamos que os cristãos falham de várias maneiras e que lutam diariamente contra o pecado.

A razão por que diferimos é que vejo Romanos 7:13–25 como descrevendo uma derrota completa, e esta não é a nossa história, como cristãos, já que o Espírito Santo também nos capacita a viver de maneira diferente.

Traduzido por Alessa Mesquita do Couto

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