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Talvez o mestre da hipérbole no século XX tenha sido o aclamado autor e jornalista G. K. Chesterton. Ele é famoso pela afirmação de que “O mundo moderno se dividiu em conservadores e progressistas. O negócio dos progressistas é continuar cometendo erros. O negócio dos conservadores é impedir que os erros sejam corrigidos”. Chesterton conseguiu criticar humoristicamente ao mesmo tempo, tanto progressistas quanto conservadores.

A hipérbole e o exagero podem ser dispositivos retóricos eficientes, que atraem nossa atenção e nos fazem ver o que não víamos antes, mas também podem ser usados maliciosamente, para enganar. Estou ficando cada vez mais preocupado que nossas interações hiperbólicas–em pessoa e especialmente online–estejam nos dessensibilizando a um real perigo espiritual.

Como Jesus Usou a Hipérbole

Jesus usou a hipérbole de maneira eficaz quando advertiu sobre os perigos do pecado sexual, nos instruindo a lidar inflexivelmente com este pecado.

Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não vá todo o teu corpo para o inferno. (Mt 5.29-30)

Arrancar o olho e cortar a mão são claramente hipérbole, mas são um grito de alerta, nos mostrando que paparicar o pecado sexual pode ser fatal.

Jesus usou a hipérbole para nos despertar de nossa letargia, mas nós também podemos usar a hipérbole para justificar o pecado. Dez dos 12 homens que espiaram a terra de Israel antes de entrarem na terra de Canaã exageraram o perigo que avistaram para defender sua falta de fé.

Deram um relato negativo aos israelitas sobre a terra que observaram: “A terra pelo meio da qual passamos a espiar é terra que devora os seus moradores; e todo o povo que vimos nela são homens de grande estatura. Também vimos ali gigantes (os filhos de Anaque são descendentes de gigantes), e éramos, aos nossos próprios olhos, como gafanhotos e assim também o éramos aos seus olhos.” (Nm 13.32-33)

Não conseguiremos vencer a batalha, murmuraram eles, visto que somos meros gafanhotos e a terra está cheia de gigantes! Eles exageraram sua fraqueza, culpando o Senhor por fazer deles vítimas.

A Retórica Acalorada Funciona

Vivemos em uma época com grande cacofonia de vozes, na qual exageramos para sermos ouvidos. Assim, somos tentados a alardear nossas preocupações usando hipérbole. Nós atraímos a atenção dos outros com a retórica, através do exagero e, por vezes, o bom e o justo são difamados.

Veja como os oponentes de Moisés e Arão os atacaram: “e se ajuntaram contra Moisés e contra Arão e lhes disseram: Basta! Pois que toda a congregação é santa, cada um deles é santo, e o SENHOR está no meio deles; por que, pois, vos exaltais sobre a congregação do SENHOR?” (Nm 16.3)

Podemos imaginar que tais palavras atiçaram a justa indignação das pessoas. “Pois é, quem Moisés e Arão pensam que são? Como podem achar que são melhores que nós? Que presunção a deles em nos dar ordens”. Mas sabemos que estes ataques não tinham fundamento. Os adversários de Moisés e Arão usaram a retórica para agitar o povo contra eles, mas, na realidade, Moisés era verdadeiramente humilde (Nm 12.3). Ele e Arão não estavam exaltando a si mesmos, mas fazendo a vontade do Senhor.

A hipérbole de uma pessoa pode ser a verdade de outra, mas me recordo de diversos exemplos de hipérbole que encontrei ao longo dos anos. Por exemplo, qualquer importância dada às obras pode ser desconsiderada como “nova perspectiva”, qualquer preocupação com a santidade genuína é chamada de fundamentalismo, qualquer referência ao racismo é rotulada de Teoria Crítica de Raça, qualquer restriçāo a mulheres no ministério é atribuída ao patriarcado.

Dessensibilizados e Sonolentos

Certamente falsos ensinamentos são um perigo constante, e Paulo nos advertiu que falsos mestres surgirão até mesmo entre presbíteros e pastores (At 20.29-31). Sendo assim, a crítica, o uso de retórica para crítica direta, pode ser apropriado e oportuno. Lembramos da dura crítica de Jesus aos fariseus e escribas em Mateus 23 e da forte acusação contra falsos mestres em 2Pe 2 e em Judas.

Não podemos cair no erro de ir para o outro extremo, de nos abstermos da crítica aos outros por conta dos jogos retóricos de alguns. Precisamos de discernimento e de uma devoção inabalável às escrituras e à fé ortodoxa para que aqueles que delas se desviam sejam expostos.

No entanto, podemos abusar da hipérbole e do exagero, traçando linhas divisoras onde nenhuma divisão deveria ter sido traçada, ou acusando pessoas de falsos ensinamentos quando estas são verdadeiramente ortodoxas. É tentador dizer que algo é o problema mais grave dos nossos dias, mas como poderíamos avaliar tal afirmação?

Devemos estar atentos especialmente contra questionar a ortodoxia dos outros. Claro, alguns são falsos mestres, mas se chamamos alguém de não-ortodoxo ou de falso mestre, é necessário que estejamos absolutamente corretos. Podemos nos tornar culpados de falso testemunho sobre outra pessoa, de difamar alguém que não se afastou do evangelho.

Hoje a tentação é de usar a retórica e a hipérbole para aumentar o número de “likes” e de chamar atenção para um problema. Ao fazermos isto, exageramos o assunto e deixamos as pessoas mais agitadas do que deveriam. Podemos até começar a sentir que nossa retórica acalorada deve estar correta pois tantos concordam com nossa opinião.

Na atmosfera polarizada em que vivemos, o crédito que recebemos pode nos motivar a sermos ainda mais hiperbólicos, pois fazer parte da controvérsia pode ser emocionante e estimulante. O tédio dos dias comuns pode ser superado ao nos sentirmos empolgados por uma nova controvérsia.

Necessitamos estar sempre vigilantes pela verdade do evangelho. Mas, na realidade, a retórica acalorada e os teclados flamejantes podem nos deixar entorpecidos quando uma heresia real aparece. As flechas hiperbólicas que voam com tanta frequência e de forma tão descuidada podem nos levar a dizer àqueles que expõem suas preocupações, “Lá vamos nós de novo. Outra acusação sem fundamento vindo daqueles que estão sempre atiçando fogueiras”.

E então, quando surgem os falsos mestres, nossa energia pode estar exaurida e nosso discernimento enfraquecido a ponto de não conseguirmos enxergar o perigo. A hipérbole e o exagero são dispositivos retóricos excelentes, mas quando usados de maneira imprudente, podem promover divisões e difamação.

No Dia Final

Com certeza, necessitamos continuar a ficar entusiasmados pela verdade e a usar a retórica e a hipérbole quando for apropriado.

No entanto, necessitamos também diminuir a temperatura para que não ataquemos aos outros com retóricas e hipérboles que nos envergonharão no dia final.

Traduzido por Caroline Ferraz.

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