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Pode ser desanimador, para não mencionar assustador, quando nossa cultura rejeita aspectos do cristianismo como sendo estranhos ou ofensivos. Quando cristãos se sentem isolados e sozinhos, é útil lembrar que esta experiência não é novidade para o povo de Deus.

Os cristãos têm sido vistos como desajustados culturais desde o princípio, e as razões para tal avaliação pouco mudaram nos últimos dois milênios.

No segundo século, quatro características do cristianismo se destacavam para os romanos como peculiares ou até mesmo ofensivas: a adoração, as doutrinas, o comportamento e os escritos. Ficará logo evidente que estas quatro características ainda hoje atraem os desprezadores.

1. A Adoração Cristã

Um aspecto fundamental do culto cristão primitivo era sua exclusividade. Somente Jesus deveria ser adorado. Quaisquer que fossem as outras lealdades religiosas que alguém tivesse antes de vir a Cristo, elas tinham que ser abandonadas e a devoção total ser dada a Jesus, o Rei.

Pode-se pensar que o estado romano não deveria se importar com as práticas de adoração privadas. No entanto, se importava porque o governo romano não via a religião como privada.

Para ser um bom cidadão, havia o dever de homenagear os deuses romanos que mantinham o império prosperando e florescendo. Recusar-se a adorar os deuses não era apenas socialmente descortês (os cristãos eram vistos como carolas), mas corria-se o risco de invocar o desprazer dos deuses.

Portanto, a recusa dos cristãos em participar do culto romano mais amplo fazia com que eles fossem vistos como imprudentes e insensíveis ao bem-estar de seus semelhantes. De fato, eles eram chamados de “detestadores da humanidade” (Tácito, Anais 15.44). Como resultado, frequentemente sofriam perseguições severas.

2. As Doutrinas Cristãs

Além da perseguição política, os primeiros cristãos sofriam perseguição intelectual significativa. As doutrinas cristãs — especialmente a ideia da encarnação — eram consideradas ridículas, tolas e indignas das elites intelectuais romanas.

Para os romanos, a ideia de adorar uma pessoa crucificada era o cúmulo da insanidade. A crucificação era um símbolo de vergonha e rejeição — por que se seguiria alguém que sofreu tal indignidade?

Consequentemente, pessoas tais como Luciano, Galeno, Fronto e Celso ofereceram críticas contundentes à “nova” religião, zombando de seus ensinamentos, bem como de seu fundador crucificado.

Se você acha que o nível de ridicularização intelectual que os cristãos sofrem hoje em dia é algo novo, reconsidere isto.

3. O Comportamento Cristão

Não era apenas o que os cristãos criam que os tornava incomuns; era também como eles se comportavam. Os cristãos se destacavam de sua cultura por causa de sua ética sexual diferenciada.

No tempo em que não era incomum para os cidadãos romanos terem múltiplos parceiros sexuais e envolverem-se com prostitutas de templos, os cristãos se recusavam a participar de tais práticas.

Por exemplo, Tertuliano se esforçou ao máximo para defender a legitimidade do cristianismo, mostrando como os cristãos eram generosos e compartilhavam seus recursos. Mas então ele diz: “Unidos em mente e alma, não hesitamos em compartilhar nossos bens terrenos uns com os outros. Todas as coisas são comuns entre nós, exceto nossas esposas” (Apologia 39).

Por que ele escreveu isto? Porque no mundo greco-romano não era incomum as pessoas compartilharem seus cônjuges. Outros exemplos do compromisso cristão com a pureza sexual podem ser encontrados na Epístola a Diogneto (5.7), na Apologia de Aristides (15), e na Apologia de Minucio Félix (31).

4. Os Escritos Cristãos

Os cristãos também eram vistos como peculiares por seus contemporâneos romanos por causa do papel diferencial que as Escrituras desempenhavam em sua vida religiosa. Embora uma religião centrada nas escrituras nos pareça completamente normal nos dias modernos, ela era incomum no segundo século. No mundo antigo, as religiões não eram tipicamente associadas tão diretamente a textos escritos.

Isso confundia os romanos. O que exatamente era o cristianismo? Era uma religião? Não se parecia com nenhuma religião com a qual estavam acostumados. De fato, a natureza “literária” do cristianismo fazia com que parecesse mais como uma filosofia. Como resultado, muitos críticos do cristianismo o incluíam com outras escolas filosóficas.

Fidelidade às Diferenças Características

Havia muitas coisas sobre o cristianismo que o tornavam estranho — a adoração exclusiva, as doutrinas controversas, estranhas inclinações morais e um grande foco nos livros.

E estes não são aspectos marginais do cristianismo; são partes centrais da identidade cristã.

Desta maneira, somos relembrados de que temos muito em comum com a igreja do século II. Portanto, há muita razāo para termos esperança. Aquela igreja fraca, incipiente e perseguida não apenas sobreviveu, mas acabou se espalhando pelo império e pelo mundo inteiro.

Isto não aconteceu porque os primeiros cristãos abandonaram estas diferenças características. Aconteceu precisamente pelo motivo oposto: eles permaneceram fiéis a elas.

Se nós, na igreja moderna, permanecermos fiéis a elas, poderemos compartilhar da mesma esperança.

Nota dos editores: Para mais informações sobre o século II, veja o novo livro de Michael Kruger, “Christianity at the Crossroads: How the Second Century Shaped the Future of the Church” [O Cristianismo na Encruzilhada: Como o Século II Moldou o Futuro da Igreja] (SPCK, 2017).

Traduzido por Raul Flores

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