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Por algum motivo, há uma crença generalizada por aí (internet, livros populares) de que o cânone do Novo Testamento foi decidido no Concílio de Niceia em 325 d. C. — sob a influência conspiratória de Constantino. O fato desta alegação ter sido feita no livro O Código Da Vinci, de Dan Brown, mostra realmente o quão generalizado está este conceito. Brown não inventou esta crença; ele simplesmente a usou em seu livro.

No entanto, o problema com esta crença é que ela é claramente falsa. O Concílio de Niceia não teve nada a ver com a formação do cânone do Novo Testamento (Constantino também nāo teve nada a ver com isto). A questāo central em Niceia era a forma como os cristãos deveriam articular suas crenças sobre a divindade de Jesus. Como resultado, nasceu o credo Niceno.

Quando as pessoas descobrem que o Concílio de Niceia não decidiu o cânone, a pergunta seguinte geralmente é, “Entāo, qual concílio decidiu o cânone?”. Certamente não seria possível ter um cânone sem algum tipo de ato oficial e com a autoridade da igreja para oficializá-lo. Certamente um cânone existe porque algum grupo de homens votou nele em algum lugar. Certo?

Esta linha de raciocínio revela uma suposição fundamental sobre o cânone do Novo Testamento que precisa ser corrigida, ou seja, que foi (ou teria que ser) decidido por um concílio da igreja. O fato é que quando olhamos para a história da igreja primitiva tal concílio nāo existiu. Claro, houve concílios regionais da igreja que fizeram declarações sobre o cânone (Laodiceia, Hipona, Cartago). No entanto, aqueles concílios regionais não “escolheram” simplesmente livros que por acaso eles gostavam, mas homologaram livros que criam ser documentos fundamentais para a fé cristã. Em outras palavras, aqueles concílios declararam como as coisas haviam sido e não como gostariam que fossem.

Consequentemente, aqueles concílios não criaram, autorizaram ou determinaram o cânone. Eles simplesmente fizeram parte do processo de reconhecimento de um cânone que já existia.

Isto realça um fato importante sobre o cânone do Novo Testamento que todo cristão deveria saber. A forma do nosso cânone do Novo Testamento não foi determinada por votaçāo ou por um concílio, mas por um amplo e antigo consenso. Aqui podemos concordar com Bart Ehrman: “O cânone do Novo Testamento foi ratificado por consenso generalizado e não por proclamação oficial” [1].

Esta realidade histórica é um bom lembrete de que o cânone não é um simples arcabouço construído pelo homem. Não resultou de um jogo de poder mediado por elites culturais ricas em alguma sala enfumaçada. Foi o resultado de muitos anos do povo de Deus estudar, usar e responder a estes livros.

O mesmo se aplica ao cânone do Antigo Testamento. O próprio Jesus usou e citou os escritos do Antigo Testamento sem qualquer indicação de que havia incerteza sobre quais livros o compunham. Na verdade, ele considerava que seus ouvintes tinham obrigaçāo de conhecer aqueles livros. Mas, em tudo isso, não houve um concílio da igreja sobre o Antigo Testamento que os escolhesse oficialmente (nem mesmo Jamnia). Eles também sāo resultado de um consenso antigo e generalizado.

No final das contas, podemos certamente reconhecer que seres humanos desempenharam um papel no processo canônico. Mas, não o papel que tão comumente lhes é atribuído. Nāo foram pessoas que determinaram o cânone; elas responderam a ele. Neste sentido, podemos dizer que o cânone realmente escolheu a si mesmo.

[1] Lost Christianities [Cristandades Perdidas], 231.

Este artigo apareceu originalmente aqui em michaeljkruger.com.
Título original em inglês: Ten Basic Facts about the NT Canon that Every Christian Should Memorize: #8: “The NT Canon Was Not Decided at Nicea—Nor Any Other.

Traduzido por: Raul Flores
Revisado por: Carlos Dourado

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