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Para alguns eruditos críticos, o fato mais importante sobre o cristianismo primitivo era sua diversidade teológica radical. Tais estudiosos dizem que os primeiros cristãos não conseguiam concordar sobre muita coisa. Dizem que o que havia nos primeiros séculos era uma variedade de facções cristãs, todas reivindicando serem originais e todas se dizendo apostólicas.

Claro, um grupo em particular — o grupo que hoje chamamos de “cristãos ortodoxos” — ganhou aquelas guerras teológicas. Mas por que, argumentam, devemos pensar que este grupo é mais válido do que os grupos que perderam? E se outro grupo, tal como os cristãos gnósticos, tivesse vencido? Então, aquilo que hoje chamamos de cristianismo seria radicalmente diferente.

De acordo com estes críticos, então, no segundo e terceiro séculos, não havia na realidade uma coisa chamada “cristianismo”. Em vez disso, havia “cristianismos” no plural, os quais estavam envolvidos em uma batalha pela supremacia teológica.

Ehrmanianismo

Esta linha de pensamento remonta ao livro de Walter Bauer de 1934, “Orthodoxy and Heresy in Earliest Christianity” [Ortodoxia e Heresia no Cristianismo Primitivo], mas seu mais fervoroso defensor hoje é Bart Ehrman. Ehrman descreve de maneira precisa esta visão do cristianismo primitivo:

“A ampla diversidade no cristianismo primitivo pode ser vista, acima de tudo, pelas crenças teológicas adotadas por pessoas que se consideravam seguidores de Jesus. No segundo e terceiro séculos havia, é claro, cristãos que criam em um só Deus. Mas havia outros que insistiam que havia dois. Alguns diziam que havia 30. Outros alegavam que havia 365”.

Ehrman apresenta então uma lista de muitas das crenças conflitantes mantidas pelos primeiros cristãos — uma lista que, sem dúvida, iria (e certamente é destinada a) chocar e sobrecarregar o leitor médio.

Terminologia Enganosa

No entanto, o que se pode dizer em resposta a tais alegações? Teria sido o cristianismo primitivo tão diverso quanto afirma Ehrman? Será que não havia um padrão confiável pelo qual os cristãos do segundo século pudessem distinguir entre crenças verdadeiras e falsas?

Muito pode ser dito em resposta a estas perguntas. (Eu já o fiz diversas vezes, especialmente em “The Heresy of Orthodoxy” [A Heresia da Ortodoxia].)

Mas neste curto artigo simplesmente quero fazer uma observação e responder a algo digno de nota sobre a metodologia de Ehrman. Observe, ao descrever grupos que criam em dois, 30 ou 365 deuses, ele se refere àqueles grupos como “cristãos”.

E por quê? Porque tais pessoas “se consideravam seguidoras de Jesus”. Mas o uso desta terminologia é um pouco falacioso. Claro, tais pessoas reivindicavam o nome de Jesus. Não há dúvida sobre isto. Mas carece de credibilidade que “cristã” seja uma denominação precisa e correta de sua teologia.

Os Primeiros Cristãos Eram Monoteístas

A realidade é que os cristãos não criam em dois, 30 ou 365 deuses. Os cristãos eram comprometidos não só com o Antigo Testamento, mas também com um sistema monoteísta. A evidência histórica para isso é esmagadora.

Os grupos que criam em, digamos, 365 deuses eram na verdade gnósticos. Ehrman provavelmente está se referindo em particular a Basílides. — e tais deuses não eram realmente “deuses” na maneira como pensamos agora, mas algo mais parecido com anjos criadores.

E a teologia dos gnósticos era tão distante dos limites que não é possível dar-lhe o rótulo de “cristianismo” com alguma credibilidade histórica ou teológica.

No entanto, não é difícil ver por que os estudiosos insistem em usar rótulos como “cristianismo” para descrever tais grupos. Eles o fazem porque isto cria a impressão de que havia uma diversidade maior do que a que havia realmente.

Quanto mais se usar o rótulo de “cristianismo” indiscriminadamente, mais parecerá que os cristãos primitivos podiam crer em qualquer coisa, e que eles assim criam. Neste ínterim, a palavra “cristianismo” fica despojada de qualquer significado.

Um Truque de Mágica Semântico

Portanto, o que se vê na declaração de Ehrman, é pequeno truque semântico. Sim, é defensável sob a alegação de que “tais pessoas se consideravam cristãs e quem sou eu para dizer o contrário?” Mas, ao mesmo tempo, permanece substancialmente enganoso e, no final das contas, inútil.

Para usar um exemplo moderno, considere o grupo religioso de Óvnis “Heaven’s Gate” [Porta do Céu], liderado por Marshall Applewhite. Este grupo cria que após a morte seriam transportados para uma nave alienígena que seguia o cometa Hale-Bopp — uma crença que levou 39 deles a cometer suicídio em massa em 1997. Eles também afirmavam seguir a Jesus e que estavam cumprindo as profecias do Apocalipse.

E se um repórter de jornal acompanhando estes eventos declarasse no noticiário noturno: “Os cristãos creem em Óvnis e também creem que deveriam cometer suicídio para se juntar a uma espaçonave alienígena seguindo o cometa Hale-Bopp”?

Se fosse questionado sobre tal declaração, o repórter poderia dizer: “Bem, este grupo afirma ser cristão!” Mas penso que todos nós sabemos que tal argumento seria inadequado. Nenhum jornalista íntegro falaria de maneira tão enganosa sabendo que, historicamente falando, isto não representa a fé cristã de nenhuma maneira reconhecível.

No final das contas, nem todos que afirmam serem seguidores do cristianismo devem ser considerados seguidores do cristianismo. Se este princípio básico fosse aplicado ao nosso estudo do segundo século de maneira equilibrada e justa, penso que grande parte da retórica sobre a diversidade teológica radical teria de ser modificada.

Traduzido por Abner Arrais

Nota dos editores: Este artigo foi publicado na Canon Fodder.

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