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Em 10 de maio de 2018, o famoso botânico Dr. David Goodall tirou a própria vida ao som da nona sinfonia de Beethoven. Aos 104 anos de idade, ele estava abatido e exausto, cansado das restrições que sua idade avançada impunha à vida. Após viajar da Austrália para a Suíça, despediu-se da família e em seguida respondeu às perguntas da imprensa. Quando se julgou pronto, ele auto-administrou uma dose letal de barbitúrico preparada por um médico licenciado.

As manchetes chamaram este caso inquietante de “suicídio auxiliado por médico” (SAM) e poucos argumentariam com este rótulo. Embora sua idade impressionante significasse que a morte estava próxima, o Dr. Goodall não morreu de doença, mas de uma infusão acionada com o apertar de um botão, e com profissionais médicos a postos.

Uma Palavra Mais Agradável Para a Morte

Nos poucos estados dos EUA em que é legal, a auto-administração de medicamentos para acelerar a morte é chamada de “ajuda médica no processo de morte”. Ao contrário do caso suíço do Dr. Goodall, tais mortes exigem prova de doença terminal. Mas a linguagem mais suave tem implicações profundas. Não só normaliza uma prática imoral, como também turva as já confusas águas da assistência médica para aqueles que batalham com decisões difíceis no final da vida.

A escolha dos termos é deliberada. Em 2008, a Associação Americana de Saúde Pública publicou uma declaração em que distinguia o termo “suicídio” da “escolha por um doente terminal mentalmente competente para procurar medicações que provoquem uma morte pacífica e digna”.

Os defensores do SAM argumentam que o rótulo de “suicídio” é ofensivo e estigmatizado para aqueles que consideram “a dignidade em uma saída já iminente deste mundo”. Eles afirmam que a doença terminal, e não o suicídio, mata pessoas que solicitam assistência médica para acabar com a vida.

Infelizmente, estudos confirmam que a terminologia mais suave influencia a opinião pública. Desde 2002, 51 a 68% dos entrevistados da pesquisa Gallup manifestaram apoio ao suicídio auxiliado por médico. Quando a questão excluiu a palavra “suicídio”, o percentual a favor aumenta consistentemente em até 15 pontos. E percentuais de até 69% dos que são a favor se identificam como frequentadores de igreja.

Quando um ajuste na semântica altera o nível de apoio para uma questão de vida ou morte, necessitamos prestar atenção.

Instrumento da Morte

A linguagem suavizada não muda o fato de que, nos casos de morte auxiliada por médico, a morte é artificial — e intencionalmente — acelerada. Isto é verdade mesmo quando uma doença terminal está como pano de fundo e até mesmo quando o propósito da morte é aliviar o sofrimento.

A angústia aflige aqueles com doença terminal, e nós ministramos aos nossos vizinhos moribundos com ternura (Mt 22.39; Jo 13.34-35). Mas quando uma infusão de barbitúrico inunda as veias de uma pessoa que está morrendo, esta dose letal de droga e não a doença, é o instrumento da morte.

A Associaçāo Médica Americana, que se opõe ao SAM, reconhece esta distinção e mantém a terminologia “suicídio auxiliado por médico” em seu código de ética. Além disso, as Escrituras nos apontam para a santidade da vida mortal, e para o nosso imperativo como portadores da imagem de Deus de proteger a vida e de comprometer cada um de nossos dias para a sua glória (Gn 1.26; Ex 20.13; 1 Co 10.31; Rm 14.8; At 17.25).

O suicídio auxiliado por um médico viola nosso chamado para amar a Deus e ao próximo, e não podemos apagar seus perigos com uma mudança de frase.

A Morte por Qualquer Outro Nome

Por anos como cirurgiã de cuidados intensivos, eu “auxiliei a morrer”. Quando a medicina não podia curar e a morte se aproximava, eu titulava gotas de morfina para melhorar a dor e a falta de ar. Segurava as mãos de moribundos, alguns corados de infecção, outros frios, como se suas almas já estivessem se afastando rapidamente.

Poucos equacionariam estes cuidados com intervenções para acelerar a morte. No entanto, para o leigo, a terminologia mutilada do SAM agrava a confusão em torno dos cuidados de final de vida, especialmente em relação a ações para mitigar e aos cuidados paliativos.

Cuidados paliativos auxiliam as pessoas com doenças que ameaçam suas vidas e, por definição, não pretendem apressar a morte. Seus benefícios para pacientes e familiares são numerosos e incluem uma melhor qualidade de vida, menor transtorno de estresse pós-traumático entre os entes queridos e, em alguns casos, melhora a sobrevida.

No entanto, o estigma já faz com que muitos se distanciem dos cuidados paliativos, e a vaga frase “ajuda médica em morrer” ameaça piorar esta tendência. Defensores do SAM são rápidos em alegar que a prática melhorou os cuidados paliativos no Oregon, mas uma revisão cuidadosa dos resultados de pesquisa refuta este argumento.

O Dr. Warren Fong, presidente da Associação Médica de Oncologia do Sul da Califórnia, escreveu: “Há realmente um grande equívoco sobre o que é um centro de cuidados paliativos, e todo este debate sobre o suicídio agravou este equívoco. Quando as pessoas vão a um centro de cuidados paliativos, elas [erroneamente] pensam: ‘Desisti, estou decepcionando minha família. Estou cometendo suicídio’”.

A Sociedade Canadense de Médicos de Cuidados Paliativos identificou preocupações semelhantes:

“Médicos de cuidados paliativos fornecem assistência médica no processo de morte todos os dias. Os termos ‘assistência no processo de morte’, ‘morte auxiliada por médicos’ e ‘morte auxiliada’ são imprecisos e ambíguos e, portanto, potencialmente prejudiciais. O conceito essencial é o de acelerar ou precipitar a morte. Se os pacientes creem que ajudar no processo de morte é o mesmo que apressar a morte, então os cuidados paliativos se tornam uma opção ameaçadora.”

Ajuda Verdadeira Para os Que Estão Morrendo

Acima de tudo, a suavização da linguagem sobre o SAM ignora o problema perturbador que compele os doentes terminais a acelerarem a morte. A razão mais comum pela qual as pessoas buscam o SAM não é a dor intratável, mas a perda de independência.

A autonomia diminuída, a incapacidade de se engajar em atividades valorizadas e a perda de dignidade superam em muito a dor como um motivador para o fim da vida. Talvez, ao invés de ofuscar a questão com palavras inócuas, devêssemos nos concentrar em nossa negligência com os enfermos.

Como crentes, somos chamados a cuidar dos que sofrem de doença grave (Mt 25.36-40). Além do mais, podemos relembrar uns aos outros sobre a renovação prometida por Cristo: uma renovação que perdura mesmo quando nossos corpos se contorcem e entortam, e quando a doença incapacitante esvai a esperança (1 Pe 1.3).

O amor cristão exige que vejamos o suicídio auxiliado pelo médico pelo que é — e por aquilo que não é. Requer que cuidemos dos doentes terminais e reafirmemos sua dignidade como portadores da imagem de Deus. Devemos nos amar uns aos outros tão bem que uma morte imposta, independentemente do nome, nunca pareça ser a resposta correta.

Traduzido por Pedro Henrique Aquino.

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