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Os livros didáticos de ciência básica descrevem nosso sistema imunológico como um batalhão. Aprendemos que por menor que seja a abertura em nossas defesas, as células brancas do sangue são impulsionadas através da corrente sanguínea para nos proteger dos invasores. Tais ilustrações retratam o sistema imunológico como sofisticado e até mesmo heroico, em seu compromisso com o nosso bem-estar.

Uma inspeção mais detalhada revela que o funcionamento desse arsenal é muito mais complexo, às vezes até macabro. Os glóbulos brancos, que buscamos estimular tomando vitamina C, podem sitiar nossos próprios corpos, causando doenças auto-imunes tal como o hipotireoidismo, o lúpus e o diabetes. Os glóbulos brancos devoram gordura e se plantam nos vasos sanguíneos para nos deixar prontos para ataques cardíacos. Em uma infecção grave, o sistema imunológico inunda o organismo com substâncias químicas que comprometem o fluxo sanguíneo para nossos órgãos. Tais exemplos revelam que, em circunstâncias específicas, nosso sistema imunológico é mais um adversário do que um aliado.

Em seu livro “Natural Causes: An Epidemic of Wellness, the Certainty of Dying and Killing Ourselves to Live Longer” [Causas Naturais: Uma Epidemia de Bem-estar, a Certeza de Morrer, e Matando-se para Viver uma Vida Longa], a ativista política Barbara Ehrenreich, Ph.D. em imunologia, argumenta que tal rebeldia celular expõe a insensatez da mania americana de bem-estar. Sua premissa é fascinante e relevante. Como justificar a resistência frenética contra nossa própria mortalidade, quando nossos corpos estão destinados a se auto-destruírem? Infelizmente, o livro de Ehrenreich é mais propenso a ofender e confundir do que desafiar e inspirar. Apesar de sua formação, logo nas primeiras páginas, Ehrenreich se distancia da investigação científica em favor do menosprezo. O resultado é um texto que destrói, sem refinamento, e oferece pouco daquilo que é honroso ou amável (1Co 10.23; Fp 4.8).

Ehrenreich, uma defensora explícita do aborto, considera a vida “uma interrupção da não-existência pessoal” (xv). Não se deve esperar temas cristãos em seu trabalho. No entanto, muitos livros seculares oferecem verdades valiosas escritas com requinte e objetividade. Atul Gawande, no livro “Being Mortal”[Sendo Mortais], um comentário meticuloso sobre os cuidados para com os idosos e enfermos nos Estados Unidos, é um destes excelentes meios.

Natural Causes, por outro lado, se lê como um discurso retórico. Em capítulos repletos de hipérboles, Ehrenreich demoniza os profissionais de saúde, a medicina alternativa, os gurus de fitness, o Vale do Silício e o falecido Steve Jobs, para citar alguns tópicos. Ela condena todo o estabelecimento médico como corrupto, com seus praticantes promovendo “procedimentos desnecessários em prol dos lucros ou simplesmente para satisfazer os egos dos médicos (e, na pior das hipóteses, por impulsos sexuais)” (41). Os mamogramas, ela descreve como “um tipo de sadismo refinado”, e as colonoscopias são “procedimentos pervertidos”, similares a “um verdadeiro ataque sexual” (7). Em uma animosidade bizarra sobre a “propaganda pró-menstrual”, ela critica os “ricos e letrados” por normalizar a menstruação (129). A campanha anti-tabagismo, segundo Ehrenreich, é uma “guerra à classe trabalhadora” (101). Mesmo aqueles que compartilham das convicções políticas de Ehrenreich irão estranhar quando ela demonstra satisfação pela desgraça alheia, tal como mortes prematuras de figuras públicas que defenderam a longevidade (91-94). Seguidamente nas páginas de Natural Causes, surgem expressões disparatadas e ilógicas de desprezo.

Evidência Insignificante

Apesar de sua veemência, Ehrenreich oferece provas insignificantes para justificar seu arrazoado. Ela escreve como tendo autoridade, mas suas afirmações são baseadas em manchetes de jornais e em textos pessoais de blog, ao invés de em pesquisas sérias e revisadas por intelectuais da área. Uma exceção é o capítulo detalhando o sistema imunológico, no qual ela revisa a literatura científica com cuidado. Este é o capítulo mais forte, com dados suficientemente convincentes que requerem pouco comentário editorial. No entanto, na maior parte do livro ela repetidamente apresenta opiniões como se fossem fatos.

A irresponsabilidade de Ehrenreich é especialmente inquietante quando ela se aventura por território teológico. Seu desdém pelo monoteísmo é claro. Ela declara que “a ciência empurrou [Deus] para um canto e, finalmente, o tornou irrelevante” (200). Ela confunde o cristianismo com o gnosticismo, postulando uma divisão não-bíblica entre a mente e o corpo (72). Ela apóia sua alegação de que “não se pode nem mesmo encontrar o conceito de ‘alma imortal’ na Bíblia” (183), não com análise exegética, mas com um único editorial online escrito em 1999.

Enquanto isso, ao longo do livro, sua própria teologia apresenta rachaduras, incapaz de sustentar o fardo de seus argumentos. Ela tem dificuldade para tentar extrair significado da ideologia niilista e ateísta que apregoa e se agarra em contribuições do animismo e de cogumelos mágicos (204-205). Após 200 páginas gastas denegrindo a religião, a medicina, e todos os esforços para preservar a saúde, ela oferece uma segurança sem entusiasmo de que a morte “não é um salto aterrorizante para o abismo, mas é como adotar uma continuidade da vida” (208).

Considerando sua descrição gráfica e completa da morte nas páginas anteriores, tal como a liquefação do cérebro e o corpo se transformando “em uma poça fétida ou, o que pode parecer pior, bocados no sistema digestivo de um rato”, essa conclusão oferece escasso consolo.

Sabedoria Acidental

A abordagem inflamatória de Ehrenreich é lamentável, porque seu tópico levanta questões intrigantes. A cultura americana busca a juventude e a saúde, com os modismos das dietas nas capas de revistas e os produtos antienvelhecimento não utilizados entulhando as prateleiras. À primeira vista, essas preocupações podem parecer honradas: como portadores da imagem de Deus, gerimos sua criação, inclusive o corpo que ele nos deu (Gn 1.26-28; 1Co 6.19-20). Mas quando é que a busca pelo bem-estar desliza para a idolatria? Quando é que nossa confiança em tratamentos médicos agressivos cruzam o limite da gerência sadia para a negação da nossa própria mortalidade?

As tendências insurgentes do sistema imunológico nos fazem lembrar que o bem-estar corporal não alcança a salvação. O salário do pecado é a morte (Rm 5.12; 6.23), e seus efeitos maléficos se infiltram em nosso DNA, propagando-se através de proteínas e membranas celulares. A morte chega a cada um de nós, seja através dos glóbulos brancos descontrolados, ou por um trágico acidente. Na frase mais útil de seu livro, Ehrenreich comenta: “Se há alguma lição aqui, tem a ver com a humildade. Apesar de toda a nossa alardeada inteligência e ‘complexidade’, nós não somos os únicos autores de nossos destinos ou de qualquer outra coisa ”(161).

Ehrenreich não teve intenção na sabedoria inerente à sua conclusão. Ela alude a células inconscientes como autoras do nosso destino, alude a partículas irracionais que emperram nossos sistemas, à medida que somo jogados bruscamente ao esquecimento. Mas quando consideramos as deficiências de nossos próprios corpos terrestres, como cristãos, podemos nos voltar para o Autor da vida e encontrar esperança. Podemos considerar as complexidades de processos além do nosso controle, admitindo nossas limitações, e nos regozijarmos. Porque mesmo à medida em que nosso corpo se arruína, através da graça salvadora, Cristo restaura nosso ser danificado. Ele segura cuidadosamente em suas mãos as células erráticas, os tumores que se espalham, e a amargura em nossos corações, à medida em que renova todas as coisas (Fp 3.20-21; Ap 21.5).

 

Traduzido por Tiago

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