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“Deus nos dá aquilo que devemos ter.”

Com estas palavras, Marcie Smith, sentada no consultório de seu obstetra com uma nova vida crescendo em seu útero, pediu ao consultor de genética que respeitasse sua decisão contra a triagem pré-natal. Aos 45 anos de idade, Smith sabia que havia um alto risco de estar carregando um bebê com síndrome de Down. Ela conhecia as probabilidades. Mas ela já havia passado por uma experiência de falso-positivo numa gravidez anterior e não queria reviver o estresse de outro resultado impreciso. Deus criou este pequeno ser humano, pensou ela. Se ele realmente quiser que este bebê venha a este mundo, ele permitirá que isto aconteça.

Sua confiança não convenceu seus médicos. Após relacionar a infinidade de anormalidades cromossômicas que poderiam afligir o bebê, o obstetra de Smith sugeriu um aborto. O consultor de genética abandonou o tato e a acusou de ser “irresponsável” por levar a gravidez a termo sem rastreio genético. Smith, impulsionada por sua fé na bondade soberana de Deus, permaneceu resoluta. Mas saiu da consulta às lágrimas, sua alegria inicial com a inesperada gravidez dando lugar à angústia.

Por que os Médicos Fazem Triagem

Ninguém deveria ter de suportar o assédio moral que Smith sofreu no consultório do seu médico. No entanto, mesmo nas consultas médicas mais afáveis, muitas mulheres sentem ansiedade semelhante em relação a questões de triagem genética pré-natal. O American College of Obstetrics and Gynecology (ACOG) [Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia] recomenda que obstetras ofereçam esses testes a todas as mulheres no início da gravidez, mas as conversas sobre seus riscos e benefícios variam. Embora, à primeira vista, a triagem pareça ser útil, sem um aconselhamento compassivo e aprofundado, estes testes podem entristecer mulheres que ainda estão se regozijando com a notícia de que terão um bebê.

A triagem pré-natal visa detectar possíveis síndrome de Down, Edwards e Patau (trissomias 21, 18 e 13, respectivamente) em um bebê em desenvolvimento e também pode avaliar defeitos do tubo neural tal como a espinha bífida. Os testes tradicionais medem traços de biomarcadores na corrente sanguínea, embora nos últimos anos a avaliação do “DNA livre de células” da placenta também tenha se tornado mais popular por potencialmente ser mais preciso. É importante ressaltar que esses testes de triagem não diagnosticam. Há resultados falso-positivos e falso-negativos, e qualquer resultado positivo requer confirmação com um teste invasivo, tal como a amniocentese ou a coleta de vilosidades coriônicas.

O objetivo da triagem pré-natal é ajudar as famílias a se prepararem, prática e emocionalmente, para doenças terminais ou incapacidades de um bebê nascituro. As anormalidades nas trissomias 13 e 18 são tão graves e generalizadas que a maioria dessas crianças morre no útero. Dos bebês que sobrevivem até o parto, a maioria sucumbe aos seus defeitos congênitos no primeiro ano de vida, embora estudos demonstrem que até 13% dos que são tratados intensamente podem viver até os 10 anos de idade. O prognóstico da síndrome de Down é muito melhor, com uma expectativa média de vida de cerca de 60 anos. No entanto, a possibilidade de aborto espontâneo ou da criança nascer morta ainda existe, afetando até 30 por cento dos bebês com síndrome de Down após a amniocentese.

Em muitos casos, a ameaça de uma deficiência genética leva as famílias a interromperem a gravidez. Uma estudo retrospectivo sistemático sugere que, entre 1995 e 2011, 67% dos bebês com síndrome de Down foram abortados após o diagnóstico. Para os cristãos, tal abordagem está fora de questão. Assombrosa e maravilhosamente feitos por Deus, todos somos portadores de Sua imagem (Gn 1.26), somos conhecidos e amados por Ele antes mesmo de sairmos do útero e nos depararmos com as luzes do hospital (Sl. 139.13–16). Jamais devemos conscientemente acabar com a vida de uma criança criada por Deus e para Deus, não importa quão misericordiosa seja nossa intenção (Ex. 20.13). Portanto, para os crentes, fazer a triagem pré-natal só possibilita que haja tempo para preparar o coração para uma possível perda de gravidez ou para planejar os desafios rigorosos de cuidar de uma criança deficiente. Em pequenos hospitais rurais ou locais com poucos recursos, a detecção precoce de uma anomalia genética poderá facilitar a transferência de atendimento para um hospital melhor equipado para lidar com possíveis doenças graves em um bebê. Ela permite que as famílias reúnam seus recursos e busquem apoio com antecedência e, em espírito de oração, considerem o caminho a seguir. E a se lamentarem. E, se for o caso, pesquisar opções de cuidados paliativos para o bebê.

Potencial de Erro

No entanto, mesmo com esses benefícios, há uma advertência importante. Os testes de triagem pré-natal têm precisão variável, com resultados falso-positivos (resultados que sugerem defeitos em um bebê saudável), ocorrendo em até 10% dos casos. Dada essa baixa especificidade, o ACOG enfatiza que as famílias nunca devem tomar decisões baseadas apenas na triagem pré-natal. Recomendam que mulheres com exame positivo passem por estudos confirmatórios. Mas mesmo esses testes secundários, embora mais precisos, ainda são propensos a erros e trazem risco de lesões e de perda do feto.

A realidade das margens de erro convenceram a Erin Wallace, uma enfermeira e mãe de quatro filhos, a renunciar à triagem pré-natal nas vezes em que engravidou. Ela tinha a mente aberta a este conceito, até que, no curso de enfermagem, testemunhou o tumulto emocional de um casal, quando a esposa deu à luz a um bebê com síndrome de Down, apesar de uma amniocentese negativa. Ela relatou: “Ver essa família se dar ao trabalho de fazer uma amniocentese, que traz riscos e ainda assim passar pelo estresse de um resultado falso, me impressionou demais”. “O aborto não era uma opção, e portanto, eu sabia que os resultados não teriam feito diferença na minha gravidez, exceto talvez para me deixar ansiosa. E Deus diz que não devemos ficar ansiosos por nada.”

A lição de tais episódios é que os testes de triagem pré-natal são opcionais e não obrigatórios, e devem ser feitos somente após uma avaliação cuidadosa de suas implicações. O ACOG enfatiza que “a escolha sobre realizar testes de rastreamento ou diagnóstico de aneuploidia depende dos objetivos e valores da mulher e seu desejo de ter informações precisas” e que “após o aconselhamento, os pacientes podem recusar a triagem ou testes de diagnóstico por qualquer motivo” ( ênfase minha). Estes testes não são vitais para cuidar do bebê, já que um ultrassom feito às 20 semanas de gravidez geralmente revela defeitos anatômicos perigosos. Portanto, os testes de triagem pré-natal são apenas uma opção, uma oportunidade para se preparar para desafios que possam estar por vir. Mesmo assim, no entanto, o rastreamento só ajuda quando é visto de forma realista, sobriamente reconhecendo seu potencial de erro.

Pergunta a Ser Feita

Para Marcie Smith, a escolha era clara. “Mesmo que ele tivesse essas anomalias cromossômicas que me apresentaram, isso não teria importância”, lembra ela, recordando-se da angústia que sofreu em relação ao filho, que acabou nascendo saudável. “Nem todo mundo é igual. Deus tenciona que amemos as pessoas com deficiências. Isto nos ensina a ter mais bondade, paciência e alegria.”

Portanto, talvez, a pergunta mais importante a ser feita, ao ponderarmos os benefícios de triagem pré-natal, seja se o resultado nos ajudará a melhor cuidar dos pequenos que Deus confia a nosso cuidado, o que é um chamado tão singular e individualizado quanto a união causada por Deus entre uma mãe e um filho.

 

Traduzido por: Felipe Barnabé

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