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De repente, a decisão tomada por várias igrejas em todo o país, de cancelarem os seus cultos no domingo, tornou-se o motivo da mais nova guerrilha nas redes sociais.

Aqui em São Luís não temos nenhum caso confirmado do coronavírus. Portanto, teremos nossa programação normal no dia do Senhor. Aguardamos ver como a situação se desenrolará nas próximas semanas, a fim de tomarmos decisões sobre isso. Em conversa com o conselho da igreja, caso a situação em São Luís se complique, tomaremos algumas decisões, que começarão por modificar a programação, não cancelá-la (ao menos inicialmente).

Apesar disso, eu entendo que a decisão tomada por muitos conselhos em diversas cidades do país não foi uma decisão fácil de ser tomada. Na verdade, creio que na atual situação não existem decisões fáceis.

Não dá pra comparar o surto de uma enfermidade com a perseguição sofrida por cristãos ao longo da história. Nesta situação os cristãos testemunharam da sua fé diante dos seus executores. Reunir-se colocava a sua vida em risco, é verdade. Não obstante, na situação vivida atualmente há o risco de servir de vetor para que outras pessoas sejam contaminadas, incluindo aquelas que certamente mais sofrerão com o vírus.

Eu não tenho preocupação em ser contaminado. Eu me preocupo muito é com a possibilidade de ser contaminado e servir de vetor para que outras pessoas o sejam, incluindo meus filhos e esposa.

Nosso Catecismo Maior de Westminster, na resposta à pergunta 135, afirma que é nosso dever, em obediência ao sexto mandamento: “todo cuidado e todos os esforços legítimos para preservar a nossa vida e a de outros”. Assim, não creio que a decisão de cancelar o culto no domingo seja motivada por falta de fé, mas, sim, por amor ao próximo.

Também não creio que seja falta de devoção ou temor a Deus. Ontem li um artigo muito interessante, escrito por um rabino chamado Moshe Daniel Levine, no qual ele nos alerta para não agirmos como o “tolo piedoso” em dias de coronavírus. De acordo com ele, o judaísmo nunca foi uma tradição religiosa que privilegiou a observância religiosa meticulosa em detrimento do cuidado pessoal com a saúde. Ele cita documentos como a Mishná, onde é dito que o “tolo piedoso é capaz de destruir o mundo”. Já o Talmude, de acordo com ele, descreve como um homem se recusou a salvar uma mulher que estava se afogando, porque ela estava vestida de forma imodesta. Ele salienta ainda que o “tolo piedoso” se manifesta sempre que algum “mitzvá” ou mandamento lida com a potencial perda de uma vida. Ele diz o seguinte: “De fato, se alguém cumpre um mitzvá a um custo médico potencial para si mesmo ou para os outros, na verdade deixa de ser um mitzvá”. Ele diz mais: “Somos obrigados a violar o Shabbat se houver uma chance de a vida de uma pessoa estar em risco. Se uma pessoa está doente, torna-se um mitzvá que ela coma no Yom Kippur e um pecado que ela continue a jejuar”. Se uma pessoa assim continuar a jejuar e vier a morrer, isso será visto como se ela tivesse tirado a sua própria vida.

É interessante ainda como ele menciona algo que também é visto em nosso meio cristão: “Com uma frequência alarmante, eu tenho visto postagens nas mídias sociais afirmando que Hashem [O Nome, um termo para o Senhor] governa o mundo e, portanto, os eventos e cultos judaicos devem continuar normalmente. Esta é uma descrição perfeita do tolo piedoso”.

Dessa forma, embora sejamos cristãos, e não judeus, podemos perceber que os princípios acima não estão em desacordo com a nossa ética cristã. No caso das igrejas que estão cancelando seus cultos no domingo, devemos ser mais lentos em emitir qualquer palavra de julgamento a respeito dessa decisão. Será melhor, daqui a algum tempo, olhar para trás e dizer que esses irmãos foram excessivamente escrupulosos, do que, em virtude da falta de cuidado e preocupação com os outros, olhar para trás e pensarmos em alguém que perdeu a sua vida por causa da nossa preocupação com o culto.

Não sejamos imprudentes, egoístas ou tolamente piedosos. Sejamos caridosos uns para com os outros. Sejamos caridosos em relação aos pastores e conselhos que se veem diante de uma decisão complicada. Sejamos caridosos em relação àqueles que podem vir a sofrer por causa de nossos escrúpulos.

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