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Tenho uma confissão humilhante a fazer.

Apesar de toda minha paixão pelo Evangelho de Jesus Cristo, a qual tem sido precisa e fiel ao máximo de minha capacidade, o Evangelho que tanto tenho amado tem sido, na realidade, um evangelho truncado e incompleto.

Os que me conhecem, sabem que investi minha vida e meu ministério em ensinar, pregar e a escrever sobre o Evangelho. Tenho ensinado que o Evangelho não apenas trata do perdão de nosso passado e da nossa esperança futura, mas também de tudo aquilo que enfrentamos hoje. Tenho proclamado e escrito repetidas vezes sobre o “agora” do Evangelho — isto é, os benefícios aqui e agora da vida, morte e ressurreição de Jesus.

Esforcei-me para manter o Evangelho como a lente através da qual vemos e entendemos tudo com o que estamos lidando entre o “já” de nossa conversão e o “ainda não” de nosso retorno ao lar. E tenho labutado para ajudar as pessoas a ver como o Evangelho define o dia-a-dia de como elas se veem, como veem e se relacionam com os outros, como tomam decisões e como vivem nos lugares onde Deus as colocou.

Mas, ao dedicar tempo para examinar a cruz de Jesus Cristo novamente, tenho sido confrontado com uma área significativa de cegueira pessoal. Fico triste por ter demorado tanto para ver isto, ao mesmo tempo em que fico cheio de alegria porque meu paciente e fiel Salvador não desistiu de mim, mas continuou trabalhando para abrir meus olhos, enternecer meu coração e dar equilíbrio à minha proclamação evangélica.

Você deve estar pensando agora: “Paul, compreendo suas palavras até agora, mas não faço ideia do que você está falando!”

Deixe-me explicar, compartilhando primeiro o último capítulo e, em seguida, elucidando o que isso significa.

Evangelho da Justiça

Pela Graça de Deus, fui profundamente convencido de que não podemos celebrar o Evangelho da Graça de Deus sem sermos ao mesmo tempo, um embaixador comprometido do Evangelho de sua justiça.

Desde o momento de sua primeira respiração, Jesus marchou em direção à cruz, pois Deus não queria comprometer sua justiça para nos proporcionar seu perdão. Na cruz do perdão, mesmo proferindo palavras de perdão ao ser submetido à tortura, Deus não cerrou seus olhos para as incalculáveis​​violações de suas justas exigências pela humanidade, a fim de estender a nós sua Graça acolhedora e de perdão.

Jesus não disse ao Pai: “Você sabe que convivi com estas pessoas — elas tem boas intenções, mas elas simplesmente não entendem quem você é, quem elas são e o que é a vida. Por que simplesmente não fechamos os olhos para toda a sua rebeldia, egoísmo, orgulho, idolatria e desumanidade, e agimos como se tudo estivesse bem e os recebemos em nossa família?”

É claro que Deus nunca teria participado de tal negociação, porque ele é um Deus perfeitamente santo! E se ele tivesse, não teria havido necessidade do sacrifício de Jesus na cruz, na qual pagou a pena, concedeu o perdão e produziu aceitação.

Reflitam comigo por um momento. A Graça nunca é permissiva. A Graça nunca chama o errado de certo. Se o errado não fosse errado, não haveria necessidade de Graça. O perdão sempre pressupõe alguma ofensa à lei moral.

Não é necessário perdoar uma criança por ser imatura, porque a imaturidade é uma parte normal do desenvolvimento e não um pecado. Não é necessário perdoar uma pessoa idosa por esquecer-se, porque o esquecimento é uma condição da velhice e não um pecado. Não é necessário pedir perdão por ser fraco, porque a fraqueza não é um pecado, mas uma indicação de sua humanidade.

Mas quando alguém chega até você para confessar algo errado feito contra você, você não deve dizer: “Tudo bem, não se preocupe com isso”. O pecado nunca está bem. A pessoa precisa ouvir você dizer: “Eu te perdoo”, porque comunicar o perdão não compromete o padrão justo de Deus e ajudará a trazer alívio para a consciência conturbada desta pessoa.

Se não há ruptura dos justos requisitos de Deus, não há necessidade de perdão. É vital reconhecer e lembrar que a cruz não apenas disponibiliza o perdão de Deus, mas também preserva sua justiça. Na cruz de Jesus Cristo, a Graça e a justiça se beijam. Isto significa que não podemos celebrar e proclamar a mensagem da Graça de Deus ao mesmo tempo em que fazemos o que Deus nunca faria — cerrar nossos olhos à injustiça ao nosso redor. Não podemos nos sentir confortáveis ​​em fazer exegese de sua misericórdia para todas as pessoas sem sermos defensores de sua justiça para todas as pessoas.

Equilibrando o Evangelho

Pela Graça paciente de Deus, estou agora convencido de que não posso ser uma voz a favor da Graça sem ser uma voz a favor da justiça. Tristemente, tenho pregado Graça e ficado em silêncio perante a injustiça. A cruz proíbe-me de fechar os olhos a qualquer forma de injustiça, seja ela pessoal, corporativa, governamental, eclesiástica ou sistêmica.

Não deve haver uma comunidade que seja uma defensora mais presente, ativa e vocal da justiça do que a comunidade que prega o Evangelho da cruz de Jesus Cristo. Mas como podemos defender aqueles com quem não temos relacionamento funcional? Como podemos nos unir quando deixamos a cor da pele, a subcultura ou a liderança e os estilos de adoração nos separarem? Como podemos defender a justiça quando deixamos o preconceito nos separar? Como podemos entender o sofrimento de outros com quem nunca estamos, nunca vemos e nunca ouvimos? Como podemos defender a justiça quando, por causa de preconceito, há pessoas a quem ministraríamos, mas sob cuja liderança não serviríamos, pela simples razāo de serem de outra raça? Como podemos defender a família quando somos uma família espiritual partida e dividida?

Vejam bem, o perdão é caro, mas a justiça também o é. É correto dizer que o perdão de Deus levou Jesus à cruz, mas também devemos dizer que a justiça de Deus o levou para lá também. É vital que esse par valioso seja mantido unido e nunca permitamos que sejam separados em nossos corações ou em nossa vida diária. O perdão sem a justiça sagrada de Deus não faz sentido e, portanto, é um perdão não-bíblico e de má qualidade. E a justiça quando não é colorida pelo perdão logo degenerará em um legalismo esmagador, ódio funcional e várias formas de vingança.

Deixe-me dar um pequeno contexto sobre como Deus abriu meus olhos e convenceu meu coração. Há cerca de cinco anos, Luella e eu começamos a frequentar a Epiphany Fellowship Church [Igreja Comunitária Epifania], em Philadelphia, EUA. A Epiphany é uma congregação multicultural, mas em grande parte afro-americana. Fomos abençoados pelo ministério do Dr. Eric Mason e dos jovens negros que ele discipulou. A cada domingo, recebemos o Evangelho de Jesus Cristo por todos os lados.

Mas há uma outra coisa pela qual somos gratos. À medida em que ficamos conhecendo e começamos a amar nossos irmãos e irmãs negros, nossos olhos se abriram e nossos corações ficaram quebrantados pelas coisas com as quais eles regularmente têm que lidar, com as quais nunca teremos que lidar apenas por causa da cor de nossa pele. Um querido e jovem irmão me confessou que tinha tido medo de mim porque havia sido criado com medo de todos os homens brancos mais velhos. Escutei inúmeras histórias de preconceito nas escolas e em locais de trabalho, juntamente com histórias de partir o coração de encontros excessivos, abusivos e degradantes com a polícia.

Não tenho nenhum cargo na Epiphany, nem exerço qualquer autoridade. Estamos lá para mergulhar no Evangelho e para servir como pudermos, mas ficamos tão agradecidos a Deus, que com sua paciente Graça, nos levou à Epiphany para abrir nossos olhos, nos convencer de culpa e enriquecer nossos corações e nos motivar a viver o Evangelho de maneiras a que não nos havíamos entregue antes.

Nesta última semana fiquei motivado a escrever esta confissão, porque tenho certeza de que não estou sozinho. Não é apenas que nossos bairros e escolas sejam racialmente segregados; nossas igrejas também o são. Não é apenas que havemos deixado de falar e agir, mas deixamos de falar e agir porque desobedecemos o mandado de amar uns aos outros com o mesmo tipo de amor sacrificial que Deus derramou sobre nós. Ficamos em silêncio enquanto outros são tratados de maneiras que não queremos ser tratados e suportam o que nunca desejaríamos suportar. Temos nos sentido confortáveis ​​em falar sobre o sacrifício de Cristo por nós, mas não temos estado dispostos a fazer sacrifícios cruciais por aqueles que são diferentes de nós.

Haverá um dia em que a perfeita justiça de Deus finalmente aparecerá, e toda forma de injustiça será jogada na pilha de cinzas de sua misericórdia. Mas aquele dia ainda não chegou. Portanto, até que chegue aquele dia, somos escolhidos e chamados a ser seus embaixadores, não apenas de seu perdão, mas igualmente da justiça, a qual ele não estava disposto a abandonar para nos proporcionar sua Graça.

Eis o plano de Deus para seus filhos embaixadores: Entre o “já” e o “ainda não”, Deus torna visível a sua justiça invisível ao enviar pessoas de justiça para defender a justiça para as pessoas que carecem de justiça, assim como ele torna visível sua Graça invisível, ao enviar pessoas da graça para dar graça às pessoas que carecem de Graça.

Lamento ter sido um embaixador ativo e vocal da Graça, mas não da justiça. No entanto, sou grato pelo ministério perspicaz e persuasivo do Espírito Santo, e grato pela Graça perdoadora de Deus ao começar a fazer escolhas de vida para me posicionar para agir melhor.

Você tem se sentido confortável com a segregação da comunidade cristã ou com seu preconceito pessoal sutil? Em que áreas o está chamando Deus para a confissão, para o arrependimento e para novas maneiras de viver?

É tão maravilhoso e libertador saber que não necessitamos ficar de cabeça baixa de vergonha ou ficar paralisados ​​de tristeza, porque Jesus suportou nossa vergonha e sofreu nossa sentença. E aquele que nos perdoa está agora mesmo conosco para nos capacitar a viver de uma nova maneira. Ele não é tão indiferente e indelicado para alguma vez nos chamar a uma tarefa sem ir conosco e nos fornecer tudo o que necessitamos.

Minha prece é que Deus nos conceda o desejo e a capacidade de falar e agir tão fielmente por esta santa justiça como temos feito sobre sua Graça perdoadora, até o dia em que o inimigo final estiver sob os pés de nosso Salvador, e nossa defesa e ação não sejam mais necessárias.

Traduzido por Rafael Salazar.

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