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Poucas coisas são piores para a alma do cristão—e mais amplamente, para o testemunho cristão—do que a busca por aceitação cultural. Conscientemente buscar credibilidade entre os “descolados” e o aplauso da elite cosmopolita é quase sempre, um passo em direção a concessões teológicas e à atrofia espiritual.

Escrevi sobre esse assunto diversas vezes nos últimos 15 anos, mas este é um problema que insiste em reaparecer. Por quê? Porque nossa carne pecaminosa é obstinadamente atraída pelo ídolo da respeitabilidade.

Independente da cultura em que um cristão esteja inserido, somos tentados a ser integrantes ao invés de forasteiros, reconhecidos ao invés de ignorados, respeitados ao invés de ridicularizados, peças imprescindíveis ao invés de peões impotentes.

Onde Isso Acontece

Na cultura ocidental contemporânea, a tentação é ainda mais evidente em áreas onde o rótulo de “cristão evangélico” há tempos é difamado e associado com todo tipo de estigma (como “seita”, “vulgar”, “sentimentalizado”, “subcultura”, “preconceituoso”, “retrógrado”, “ultrapassado”, “anti-intelectual”, e muitas outras). Já observei e já passei por isso nestas três esferas:

Artes

O mundo das artes, cultura e entretenimento é nitidamente cético no que diz respeito a artistas evangélicos, os quais possuem reputação de baixa qualidade, de ficarem pregando aos outros e que tendem a ser intrusos de pouca relevância. Além disso, esse ambiente é altamente secularizado e moralmente transgressivo e tende a achar a moralidade cristã repugnante.  Como resultado, os cristãos que buscam o sucesso nessa esfera enfrentam uma batalha árdua e são tentados a esconder, diminuir ou trair aspectos de sua fé que possam ser obstáculos à respeitabilidade.

Meio Acadêmico

Estudei no Wheaton College, que possui o apelido de “Harvard das Universidades Cristãs”. Esse identificador é uma piada interna entre alunos e ex-alunos, em parte porque fala de uma realidade aspiracional constrangedora. Universidades cristãs como Wheaton de fato buscam perder a reputação de uma mentalidade evangélica escandalosamente ruim; querem ser vistas mais como Harvard e menos como um “Instituto Bíblico” de periferia.

Há também pressões de natureza prática, tais como: credenciamentos, pré-requisitos das associações atléticas, a competição agressiva por um número cada vez menor de possíveis alunos e professores buscando financiamento para pesquisas e aprovação entre colegas de suas respectivas disciplinas. Frequentemente leva ou a um constrangimento institucional sobre princípios da ortodoxia cristã rejeitados pela cultura ou mesmo à sua negação. Isto cria as condições para que a missão institucional fique à deriva.

Mídia

No cenário contemporâneo da mídia (incluindo a imprensa, televisão, internet e redes sociais), o sucesso vem a quem é parcial, não a quem é objetivo. Quanto mais focamos nos tópicos preferidos de nossa “tribo” e quanto mais afirmamos (sem desafiar) as perspectivas de nossa audiência, mais seremos recompensados com cliques, avaliações positivas, assinantes e melhora na hierarquia das páginas. Ninguém obtém uma imensa quantidade de seguidores fazendo uso de nuance e direcionando críticas a ambos os lados. Nenhum comentarista ganhará notoriedade se constantemente contestar categorias partidárias.

Pelo contrário, os lucros e o destaque nas plataformas resultam de prestar serviço aos fãs: dizer à sua audiência o que eles querem ouvir. Esta é uma maneira de buscar respeitabilidade que atormenta muitos de nós nas redes sociais da atualidade. O pico de dopamina que vem da afirmação é, na maioria das vezes, irresistível. Porém, conquistar uma audiência no ambiente atual das redes sociais frequentemente ocorre às custas da integridade.

“Não Sou Como Aqueles Evangélicos”

Um dos sinais que indicam sermos cristãos com um apetite pouco saudável por respeitabilidade é se constantemente atacamos aqueles outros cristãos como uma maneira de aumentar nossa credibilidade.

É como a artista cristã que descreve sua visão estética como “anti-Thomas Kinkade” ou como o cineasta cristão que no preâmbulo de sua apresentação destaca o quão ciente está da notória baixa qualidade do gênero religioso.

Ou como a professora universitária cristã em uma conferência acadêmica secular que sente a necessidade de se desculpar e se desassociar dos “malucos evangélicos apoiadores do Trump” responsáveis pela má reputação de sua universidade.

Ou como o cristão apresentador de podcast, comentarista ou influencer do TikTok que ao invés de falar sobre a beleza de Jesus passa a maior parte do tempo falando sobre a depravação de muitos de seus seguidores—como se ataques aos piores elementos da nossa fé fizessem nossa expressão do cristianismo mais palatável e respeitável.

Essa abordagem é espiritualmente corrosiva e gera divisão dentro da igreja, planta ressentimento em nosso coração contra nossos irmãos cristãos, além de ser uma estratégia fútil.

A credibilidade que ganhamos junto às elites culturais com nossos ataques “àqueles evangélicos” será imediatamente perdida quando perceberem que realmente cremos no que a bíblia diz sobre a sexualidade ou a exclusividade de Cristo (entre outras coisas). Talvez esse seja um dos principais motivos de a busca pela “respeitabilidade” ser insensatez. Ainda que digamos e façamos a coisa certa, se cremos em algumas coisas erradas, a respeitabilidade será fugaz e o acesso à elite nos será negado.

Como Resistir à Tentação da Respeitabilidade

Como podem os cristãos resistir à tentação da busca por respeitabilidade? Aqui estão quatro sugestões.

1. Busque a excelência, não a respeitabilidade.

Os cristãos necessitam reconhecer a importante diferença entre a excelência e a respeitabilidade. A excelência está dentro do nosso controle. A respeitabilidade não. Independente da esfera vocacional em que estejamos, devemos buscar a excelência—para a glória de Deus, não para a aprovação de homens.

Os cristãos necessitam ser artistas melhores porque a arte excelente glorifica a Deus. Necessitamos ser acadêmicos e cientistas de primeira categoria porque a excelência na academia e na ciência glorifica a Deus. Se a excelência resultar em elogios e em uma ascensão no status cultural, tudo bem. Mas isso deve ser um subproduto, não o incentivo.

Não nos deixemos enganar: a aprovação cultural varia constantemente. Se hoje estamos dentro, amanhã estaremos de fora. Cristãos em qualquer atividade necessitam aceitar essa realidade e continuar a buscar a excelência. Crentes que vem trabalhando no anonimato por décadas, frustrados por sua perseverança não ter resultado no respeito que creem merecer, devem continuar a buscar a excelência independente disso.

A busca pela respeitabilidade é insustentável para aqueles que estão exaustos com os rigores e pré-requisitos da excelência. Por outro lado, a busca pela glória de Deus é uma motivação que pode nos sustentar em meio aos altos e baixos do trabalho e da vida.

2. Busque a verdade, não o que é “correto” dizer.

Antigamente, as universidades eram os bastiões mais confiáveis no mundo, no que diz respeito à busca da verdade. Essa realidade já não é mais a mesma, em parte porque entre acadêmicos a busca da verdade se tornou uma prioridade menos importante do que a busca por estabilidade de emprego e respeitabilidade acadêmica.

Em muitos campus, o conhecimento dos códigos de discurso (que determinam o que pode ou não ser dito) substituíram o pensamento livre e o debate aberto, resultando em uma cultura em que o discurso e as pesquisas buscam fazer transparecer que pensamos “corretamente” e não que queremos abrir novos caminhos em busca da verdade.

Os cristãos necessitam resistir à tentação de valorizar o dizer as coisas “certas” em vez de dizer a verdade. A coisa “certa” pode criar oportunidades e convites entre a elite, mas a verdade é o nosso chamado.

Particularmente para os cristãos na política, o pragmatismo de buscar credibilidade em nossa “tribo” (dizer o que for necessário para ganhar status nos corredores do poder ou entre os eleitores) é predominante, trágico e nocivo. Independentemente do que se pode ganhar em respeitabilidade e status seguindo sempre a linha do partido, muito mais se perde quando cristãos na política se negam a falar verdades bíblicas que sejam inconvenientes ou custosas.

3. Seja desrespeitado pelos motivos certos.

Nenhum dos pontos anteriores é desculpa para que cristãos sejam mal-educados ou combativos, ou para que descaracterizemos os argumentos de visões opostas ou iniciemos qualquer tática de retórica de má fé, tão comuns no discurso online. Ainda que não estejamos buscando respeitabilidade necessitamos falar respeitosamente.

No mundo atual, infelizmente muitos de nós somos desrespeitados não por sermos seguidores fiéis de Jesus, mas por sermos rudes e desrespeitosos. Uma coisa é aceitar pacificamente que a respeitabilidade cultural é fugaz. Outra coisa é deliberadamente provocar descrentes e dar a eles mais motivos para nos desrespeitarem. Embora sejamos exilados culturais, mesmo assim necessitamos viver de maneira honrosa entre os pagãos—não para sermos convidados para festas pagãs, mas porque a Palavra de Deus assim o ordena (1Pe 2.12)

4. Cultive o amor pelos irmãos.

Quase toda busca por respeitabilidade pressupõe uma sinalização de desassociação daqueles outros cristãos (sejam quais forem os cristãos que mancham nossa reputação). Para enfrentar esta tendência, necessitamos cultivar ativamente em nossos corações o amor por nossos irmãos em Cristo—particularmente aqueles de quem nos ressentimos porque nos dão uma má reputação.

Isso é difícil. Tenho dificuldade com isso. E a julgar pelo conflito constante e venenoso entre os cristãos nas redes sociais, a maioria dos crentes também tem dificuldades com isso. Mas nós cristãos necessitamos adestrar nossos corações para amar como Cristo ama, e ele ama o seu povo. Se Jesus não se envergonha do povo que ele comprou com o seu sangue (Hb 2.11-12), deveríamos nos envergonhar deles? Se Jesus não se sente constrangido em recebê-los “no meio da congregação”, deveríamos nos sentir constrangidos?

Quando Jesus orienta seus discípulos a não se surpreenderem com o ódio do mundo (João 15.18–19), é interessante que imediatamente antes disso vem o seu mandamento de que eles “amem uns aos outros” (v. 12, 17). Jesus sabe que o amor e a unidade entre os cristãos fortalecem uma fé resiliente frente ao desrespeito cultural.

Melhor do que a Respeitabilidade

Talvez possamos protestar: Sem respeitabilidade, como os cristãos subirão às altas posições de importantes esferas culturais? Não é necessário que cristãos alcancem influência nos mais altos níveis de governo, arte e mídia? E se essa ascensão requer algumas concessões a curto prazo, não valeria a pena pelo ganho a longo prazo?

Não. O objetivo final de todo cristão—em todo lugar, tempo e situação vocacional—é glorificar a Deus, crescer em graça e em conhecimento de Jesus Cristo (2Pe 3.18), e andar “de modo digno da vocação a que fostes chamados” (Ef 4.1).

Quando andamos dessa maneira, nossa influência no sentido mundano pode ser limitada. Mas a influência que tivermos será mais potente, carregada do aroma de Cristo, em vez das fragrâncias efêmeras do mundo.

Estaremos sujeitos a muitas perdas ao vivermos dessa maneira fiel, com nossa integridade intacta: perda de poder, respeitabilidade, influência, fama e dinheiro, para dar alguns exemplos. Mas, como Paulo nos lembra, tudo o que perdemos é um mero “refugo” comparado com o ganho imensurável de conhecer a Cristo e ser achado nele (Fp 3.8–9).

A respeitabilidade mundana é algo frágil, débil e passageiro. É refugo. O amor do nosso Salvador é imutável e eterno. Uma recompensa infinitamente melhor.

Traduzido por Caroline Ferraz.

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