Há uma razāo pela qual filmes, e histórias geralmente, são estruturados como são. O conflito aumenta, os obstáculos se intensificam, a espiral descendente acelera até o protagonista chegar ao fundo. Aparentemente, não há saída. Sem esperança. Mas então, a “virada”.
Geralmente acontece no terceiro ato do filme, às vezes nos momentos finais. A tensão atinge um nível insuportável e depois vem a catarse: o desespero e a escuridão de repente se deparam com um feixe de esperança. Um salvador chega: salvação inesperada e imerecida vinda do nada. Em uma terra em profundas trevas, uma luz resplandece (Is 9.2). Isto soa familiar?
As histórias não podem evitar a atração em direção a tais clímax. Por quê? Porque este é o enredo da maior de todas as histórias. Esta é a “virada” que nos envolve tão universalmente: um salvador que nos resgata porque não podemos salvar a nós mesmos, que nos arranca do abismo da morte e nos dá uma nova vida; um salvador com o poder de nos libertar “do império das trevas” (Cl 1.13) e “do corpo desta morte” (Rm 7.24).
Nossos corpos ficam tensos, surge um nó em nossa garganta, ficamos com os olhos rasos d’água quando assistimos a tais cenas em filmes. Reconhecemos que isto reflete nossa própria realidade também. Tais cenas, mesmo que não retratem Jesus explicitamente, muitas vezes nos lembram da beleza, do heroísmo, da dádiva imerecida de nosso divino Salvador.
Existem incontáveis cenas de filmes que refletem magnificamente este momento teologicamente significativo do resgate messiânico, mas as nove a seguir (em ordem alfabética do título em inglês) são para mim, particularmente, poderosos.
Até o Fim (2014) — Uma mão do alto
O suspense de J.C. Chandor é um filme de um único personagem que conta a história de um homem (Robert Redford) que luta para sobreviver quando começa a entrar água em seu iate no meio do Oceano Índico. A maior parte deste filme quase sem diálogos apresenta Redford reunindo toda a sua energia e recursos criativos para se salvar. Mas após múltiplos fracassos, a confiança em suas habilidades de sobrevivência esmorece. Na poderosa cena final do filme, o personagem de Redford parece desistir. Tendo acidentalmente queimado sua balsa após tentar acender um sinal de fogo, ele se deixa afundar, mergulhando no mais profundo mar. O momento que intitula o filme chegou: tudo chega ao fim de fato. Ainda consciente, ele vê uma luz piscando na superfície. Ele começa a nadar em sua direção e, na última cena do filme vemos uma mão baixar e agarrar Redford, puxando-o novamente para o oxigênio. Nós não sabemos de quem é aquela mão; apenas que o resgate chegou. Um homem perdido é puxado das profundezas.
Capitão Phillips (2013) — “Capitão, você está seguro agora.”
Este filme de tirar o fôlego, do diretor Paul Greengrass (Vôo United 93), narra a história real do sequestro do navio Maersk Alabama, no qual o capitāo Richard Phillips (Tom Hanks) foi feito refém por piratas somalis em 2009. O terceiro ato do filme — que mostra a operação da Marinha norte-americana para resgatar Phillips — é quase insuportavelmente intenso de se assistir, culminando em uma cena emocionante em que Phillips, recém-resgatado e profundamente abalado, é tratado por médicos da Marinha. Na cena, a médica que cuida de Phillips tenta acalmá-lo enquanto examina seus ferimentos. “Capitão, você está seguro agora, ok?” ela diz. Em estado de choque e ainda tentando entender o fato e a forma de seu resgate, Phillips começa a chorar e repetidamente exclama: “Obrigado!” Quase morto em um minuto, vivo no próximo, Phillips não consegue entender o que acabara de acontecer. “Obrigado” é tudo o que faz sentido. É tudo o que precisa fazer sentido.
Filhos da Esperança (2006) — Resgatado pelo Amanhã
O terceiro ato do suspense distópico de Alfonso Cuarón (baseado no romance de P.D. James) é uma sequência de ação implacavelmente sombria e punitiva, na qual a esperança se manifesta apenas no último minuto do filme. Theo (Clive Owen) e Kee (Clare-Hope Ashitey) — que acaba de ter um bebê em um mundo onde as mulheres pararam de ter filhos — estão tentando sobreviver em meio a uma violenta batalha em um campo de refugiados. Seu objetivo é levar um pequeno barco a remo até o mar para chegar até um navio semelhante a uma arca, apropriadamente chamado de Amanhã. A fim de levar Kee e o bebê para o Amanhã com segurança, Theo sacrifica sua vida (sua última palavra: “Jesus”). Sozinha com seu bebê em um pequeno barco a remo e seu protetor morto, Kee está mais vulnerável do que nunca. Mas, na medida em que a música do compositor cristão, John Tavener toca, a neblina no mar se dissipa e o Amanhã emerge. Em um mundo sombrio e sem esperança, a esperança surge.
Dunkirk (2017) — “Casa”
A chave para essa poderosa cena é a música e os olhos: a trilha sonora pulsante de Hans Zimmer, para ser exato, e os olhos de Kenneth Branagh. Branagh interpreta um comandante da Marinha Real encarregado de supervisionar a evacuação das tropas britânicas presas em Dunkirk. Quando tudo parece perdido, com o inimigo cercando as tropas sitiadas, centenas de barcos civis britânicos chegam. O resgate de mais de 300.000 soldados, outrora condenados, começa. A música de Zimmer foi até este ponto um bombardeio implacável e dissonante para imitar a condição cada vez mais desesperada dos soldados — uma parede de som que emprega o tom de Shepard para transmitir uma escalada perpétua. À medida que a tensão musical atinge o clímax, vemos Branagh no pier de Dunkirk, com seus olhos crescendo ao ver algo no horizonte. Ele olha no binóculo. “O que você vê?” alguém pergunta. “Casa”, ele responde — uma palavra combinada com a música que finalmente se encerra em um acorde maior. Vemos a chegada triunfante de barcos salva-vidas e, então, os olhos de Branagh se enchem de lágrimas (como os nossos) à medida que a música aumenta. Isto ecoa em nós porque também não podemos ir para a “casa” sozinhos. A casa vem para nós.
Esqueceram de Mim (1990) — “Vamos lá, vamos para casa.”
Embora menos grandiosa do que algumas das cenas nesta lista, o clímax de Esqueceram de Mim capta um momento encantador de graça e salvação. Kevin (Macaulay Culkin) havia trabalhado duro por sua própria salvação durante a maior parte do filme, orgulhando-se das maneiras pelas quais conseguiu ter sucesso de forma independente e fugir dos ladrões que tentavam prejudicá-lo. Mas no final ele não pode se salvar. Capturado pelos “Bandidos Molhados” e pendurado em uma porta, Kevin não tem mais truques. Mas quando ele está prestes a perder um dedo para Harry (Joe Pesci), Kevin é resgatado pelo vizinho empunhando uma pá de neve (“Velho Marley”) de quem ele tinha medo. Tendo nocauteado os bandidos, Marley (Roberts Blossom) pega Kevin, como um avô, e profere as palavras que conduzem o filme a seu final reparador: “Vamos lá, vamos para casa.”
O Senhor dos Anéis: As Duas Torres (2002) — “Ao amanhecer, olhe para o leste.”
A trilogia de Peter Jackson, O Senhor dos Anéis, está cheia de momentos que poderiam ser incluídos nesta lista, mas um que se destaca é quando, em As Duas Torres, o jogo vira na Batalha do Abismo de Helm. Foi uma noite longa e sangrenta, e os exércitos de orcs de Saruman penetraram em todas as linhas de defesa. Sem nenhum lugar para fugir e com as forças inimigas aparentemente sem fim forçando sua entrada, nossos heróis têm pouca esperança de sobrevivência. Mas justamente nesse momento — talvez o ponto mais sombrio de toda a trilogia — Gimli diz: “O sol está nascendo”, e nos lembramos do retorno prometido por Gandalf: “Aguarde a minha vinda no raiar do quinto dia. Ao amanhecer, olhe para o leste”. A promessa se torna realidade. Em uma cena que, sem dúvidas, alude à segunda vinda de Cristo (veja Ap 19.11-14), Gandalf, o Branco, aparece em um cavalo branco (Shadowfax), atrás dele o remanescente de Rohirrim e o sol nascente. Eles descem montanha abaixo para a luta, trazendo esperança e luz para o povo sitiado em profunda escuridão.
O Pianista (2003) – “Não me agradeça, agradeça a Deus”
A maior parte dos 150 minutos deste drama sobre o Holocausto é totalmente sombria, ao assistirmos Władysław Szpilman (Adrien Brody), um pianista judeu, tentar sobreviver à Segunda Guerra Mundial na Polônia. Cada vez mais raquítico e faminto ao longo do filme, Szpilman parece encontrar seu fim quando o capitão nazista Wilm Hosenfeld (Thomas Kretschmann) o descobre escondido nas ruínas de Varsóvia. Mas em vez de matá-lo, Hosenfeld salva Szpilman. Em um dos momentos musicais mais impressionantes do cinema, Hosenfeld ouve enquanto Szpilman se senta em um piano de cauda — em uma casa fria e bombardeada — e toca “Balada No. 1, em Sol menor”, de Chopin. Hosenfeld não só poupa Szpilman, como também arrisca a própria vida para ajudá-lo, escondendo Szpilman em um sótão, onde ele lhe traz comida e até lhe dá o próprio casaco. Por causa da graça inesperada, vinda sabe-se lá de onde, de Hosenfeld, Szpilman está de novo no final do filme em um smoking, interpretando Chopin com uma orquestra ao fundo. Nós vemos Hosenfeld, enquanto isso, ferido e ensanguentado no cativeiro soviético, onde ele morreria em 1952. “Não sei como agradecer”, diz Szpilman a Hosenfeld em seu último contato. Hosenfeld responde como qualquer um deveria à graça imerecida: “Não me agradeça. Agradeça a Deus.”
A Estrada (2010) – Encontrado por uma família
O filme de John Hillcoat é tão obscuro quanto sua origem: o romance pós-apocalíptico de Cormac McCarthy sobre um pai e um filho que procuram sobreviver em um mundo tão escasso de comida que muitos humanos se voltaram para o canibalismo. No entanto, há momentos de tranquilidade e graça — uma cena nas ruínas de uma igreja se destaca — nessa narrativa de depravação total. Na cena final do filme, depois que o homem (Viggo Mortensen) morre e o menino (Kodi Smit-McPhee) é deixado sozinho, tudo parece perdido. O menino encontra um homem (Guy Pearce) na praia que oferece levar o menino com ele, em vez de deixá-lo sozinho. Tudo na experiência da criança diz que ele não deveria confiar nele; que ele está melhor sozinho; que nāo se deve confiar em dádivas incondicionais. Mas ele confia no homem e é salvo. O filme termina com o homem, sua esposa e dois filhos adotando o menino como se fosse deles. “Nós estávamos seguindo você, você sabia disso?” a mãe diz. “Nós estávamos tão preocupados com você, mas agora não precisamos nos preocupar com mais nada.”
O Resgate do Soldado Ryan (1999) — “Isso não faz o menor sentido.”
O épico da Segunda Guerra Mundial de Steven Spielberg é uma grande operação de resgate. Poucos filmes captam com tanta força o custo da salvação. Muitos personagens morrem, e muito sangue é derramado, tudo para que um (aparentemente sem importância e indigno) soldado (Matt Damon) possa ser salvo. O próprio soldado Ryan não consegue entender. “Não faz nenhum sentido”, diz ele quando o capitão Miller (Tom Hanks) e seu esquadrão o encontram e anunciam sua missão de tirá-lo do perigo. “Por que eu mereço ir? Por que nenhum destes outros caras? Todos eles lutaram tão duro quanto eu”. De fato, não se pode compreender a eleição incondicional; pode-se simplesmente recebê-la com gratidão. No clímax do filme, quando Miller, prestes a morrer, usa suas últimas palavras para dizer a Ryan: “Mereça isso”, nos alegramos por não terem sido estas as palavras finais de Cristo na cruz. Nós sabemos o que o soldado Ryan sem dúvida também sabia naquele momento. Nós nunca podemos merecer uma graça tão maravilhosa.
Traduzido por Vittor Rocha