×
Procurar

Pouco antes de sua morte, em 7 de junho de 2019, David Powlison terminou de escrever seu último livro que e foi publicado pela New Growth Press: Safe and Sound: Standing Firm in Spiritual Battles [São e Salvo: Permanecendo Firme nas Batalhas Espirituais].

Aqui estão suas últimas palavras escritas.

Há seis meses, fui diagnosticado com câncer de estágio quatro no pâncreas. Enquanto escrevo, estou encarando a real possibilidade de minha própria morte. Pela graça de Deus, pude continuar trabalhando, mas grande parte do meu trabalho ainda suscita uma mistura de sentimentos positivos e negativos. Estou delegando responsabilidades e tarefas a outras pessoas. Estou envolvido em planejamentos para o futuro, planos dos quais provavelmente não farei parte aqui na Terra. Nossa família continua a crescer com os netos. Pergunto-me se estarei aqui para conhecer meu próximo neto. Aqueles a quem amo também estão em meio a esta batalha comigo — minha esposa, filhos, netos, família, amigos, colegas de trabalho. Todos somos confrontados com o mal da morte e da doença. Em meio a esta batalha, as armas que Cristo dá nos sustentam e nos equipam para lutar contra o último inimigo — a própria morte…

Hoje sou chamado a travar esta batalha final tendo Jesus como armadura e o Espírito como força. . . . O mundo nos diz que a medicina é nossa única esperança. Nós não queremos ficar obcecados em encontrar uma cura. Queremos ser sábios. Portanto, oramos: Nós nos blindamos com a verdade de que o Senhor está próximo e será nosso bom pastor. Pegamos a espada do Espírito e lembramos das palavras de Jesus que “basta ao dia o seu próprio mal” e pedimos ajuda um dia de cada vez (Mt 6.34).

A tentação de buscar outros escapes também está presente — a televisão, os esportes, a comida.

Meu escapismo deu uma guinada incomum: estou mergulhando em uma longa biografia de Joseph Stalin. Não há nada realmente errado com a leitura! Mas a tentação de não me envolver está presente. No entanto, ouço a voz do meu bom pastor. Lembro-me de Jesus na cruz, enfrentando a morte, mas ainda totalmente envolvido com a vida — cuidando de sua mãe, falando palavras de vida para o ladrão ao seu lado — e eu também posso continuar envolvido. Eu posso orar com e por minha esposa Nan, por minha família, meus amigos, aqueles com quem trabalho. Posso confiar seu cuidado ao grande pastor das ovelhas.

A tentação de dar ouvidos às mentiras de Satanás certamente ainda está presente.

Dediquei minha vida a ajudar as pessoas a entenderem o quão central e relevante Cristo e sua Palavra são para as coisas reais com as quais lutam pessoal, interpessoal e situacionalmente. Mas também sei quantas outras vozes estão clamando pela atenção das pessoas. Vozes que gritam: “Podemos explicar sua ansiedade”, “Podemos resolver sua depressão” e “Podemos dar três dicas para melhorar sua comunicação”. Sei que é fácil ouvir as vozes do mundo, da carne e do Diabo. Sei que nossa compreensão da verdade pode ser frágil. Me preocupo que a fidelidade às Escrituras seja incorporada, levada adiante e que demos um passo à frente, enfrentando os desafios futuros de uma maneira fiel a Jesus. Quando fico preocupado, me volto para Cristo. Cinjo-me com o cinturão da verdade vindo da espada do Espírito, porque é Jesus quem edifica sua igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mt 16.18)

Ao refletir sobre esta última batalha, vejo que o Senhor me preparou para ela durante toda a minha vida. . . .

Em meio à minha confusão, descrença e medo da morte, Deus usou Ezequiel 36.25–27 para me levar à fé. Foi o meu primeiro encontro com o cinturão da verdade que Jesus dá a seu povo. Foi o meu primeiro encontro com a espada do Espírito que expõe e que cura. Naquele momento, eu entendi a verdade sobre a qual Paulo escreveu aos coríntios: “Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo.” (2Co 4.6) Foi Deus quem lançou sua luz em meu coração e me despertou do sono do pecado e da morte.

Agora, após mais de quatro décadas, estou encarando a morte de frente. Em vez de minha fé fracassar, a promessa de um novo coração se mantém verdadeira. Deus ainda brilha nas trevas do meu coração para me dar o conhecimento de sua glória na face de Cristo. A realidade da morte tornou viva a verdade da Palavra de Deus para mim. Agora estou vivendo o final de 2 Coríntios 4:

Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas (vv.16–18).

Às vezes, sou tentado a desanimar. Mas meu bom pastor está me levando para a vida, não para a morte. Um dos meus hinos favoritos é “My Song Is Love Unknown”, escrito por Samuel Crossman no século XVII. Começa assim: “O amor aos que não amados demonstrou para que possam ser amáveis.” E então continua: “Oh meu amigo, meu amigo de fato, que por minha necessidade exauriu sua vida”.

Desde o primeiro dia em que o Senhor invadiu meu coração com sua misericórdia e graça, jamais perdi aquele senso de amizade de Jesus, que ele demonstrou amor aos que não têm amor, para torná-los amáveis, que ele fez amizade com os que não têm amigos, que se tornou amigo dos não amigáveis, egocêntricos e cheios de si. Este é o evangelho da paz. Meus pés estão calçados para esta batalha contra meu inimigo final. Portanto, não desanimo. Enquanto Nan e eu oramos juntos, não desanimamos. E mesmo que eu ou ela desanimássemos, a misericórdia e a graça de Deus permaneceriam imutáveis. Sempre podemos nos voltar a Deus e pedir ajuda nas tribulações. Ele está sempre por perto.

É disto que a Bíblia toda trata. É sobre vida e morte; é sobre o que vai acontecer conosco quando morrermos; trata-se de certo e errado, verdadeiro e falso, esperança e desespero, obediência e imprudência, fé e idolatria. Este é o drama em que nós e aqueles a quem ministramos vivemos. E o milagre é que recebemos um novo coração, um coraçāo de carne e um novo espírito, para que possamos viver, e vamos viver, para sempre.

Que privilégio tem sido servir meu fiel Salvador por tantos anos.

Que privilégio tem sido caminhar com outras pessoas necessitadas.

E que alegria será vê-lo face a face.

Traduzido por Juliana Reimer

 

CARREGAR MAIS
Loading