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Como pode um pregador se propor a “saber nada entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado” (1 Co 2.2), quando for pregar sobre os livros de Levítico ou Lamentações? O que significa ser “centrado no evangelho” quando estamos conduzindo um estudo bíblico sobre os gafanhotos de Joel, ou os falsos mestres de Judas?

Todos queremos estar centrados em Cristo em nosso ensino e pregação. Mas nem sempre é óbvio como cada texto em particular das Escrituras nos leva a Cristo. Uma das ferramentas mais úteis para conectar os pontos (e simultaneamente, uma das mais negligenciadas), é a teologia bíblica, a qual (em círculos evangélicos) refere-se à arte de ler toda a Bíblia de forma temática, como uma história.

Para saber mais sobre a teologia bíblica, e sua relevância para a pregação expositiva, eu me correspondi com Graeme Goldsworthy, ex-professor do Moore Theological College em Sydney, Austrália, e autor de vários livros úteis sobre a teologia bíblica, incluindo Preaching the Whole Bible as Christian Scripture: The Application of Biblical Theology to Expository Preaching [Pregando a Bíblia Inteira como Escritura Cristã: Aplicação da Teologia Bíblica à Pregação Expositiva] (Eerdmans, 2000) e Christ-Centered Biblical Theology: Hermeneutical Foundations and Principles [Teologia Bíblica Centrada em Cristo: Fundamentos e Princípios Hermenêuticos] (IVP Academic, 2012).


O que é a teologia bíblica, e que diferença ela faz na pregação expositiva?

Para um evangélico que crê na inspiração, autoridade e confiabilidade das Escrituras, a teologia bíblica é o estudo da revelação progressiva do plano de Deus para o seu reino. Ela se propõe a descobrir a natureza da narrativa única (com toda sua diversidade), do plano redentor de Deus na história da salvação. Ela reconhece a centralidade da pessoa e obra de Jesus Cristo em seu evangelho e procura compreender a maneira pela qual ele é revelado como o princípio interpretativo de toda a realidade.

A teologia bíblica não só é útil para a pregação expositiva; é essencial. A pregação não será verdadeiramente expositiva se ela ficar somente dentro dos limites do texto com o qual o sermão está lidando. A pregação necessita da teologia bíblica para mostrar como qualquer texto se relaciona com toda a Bíblia, com Cristo, e portanto, com o cristão.

Como pode a Teologia Bíblica ajudar pregadores a pregarem mensagens centradas em Cristo que reflitam a unidade subjacente da história bíblica?

A unidade da Bíblia nem sempre é evidente para quem a lê. Mas é claramente afirmada por Jesus e pelos apóstolos (por exemplo, Lucas 24.27). A teologia bíblica examina a natureza da unidade da Bíblia, sua estrutura e sua dinâmica. Portanto, ela ajuda quem lê as Escrituras, a mapear o caminho legítimo de cada texto até Cristo, especialmente quando se lida com textos do Antigo Testamento.

Em minha pesquisa para escrever o livro ‘Preaching the Whole Bible as Christian Scripture’, fiquei surpreso ao descobrir que a maioria dos livros sobre pregação, mesmo aqueles escritos por evangélicos, nem mesmo reconheciam o papel da teologia bíblica. Creio que isto pode estar mudando, mas ainda temos um longo caminho a percorrer. Até que todos os seminários e faculdades reformadas e evangélicas tornem a teologia bíblica um curso fundamental obrigatório, temo que as mudanças não serão duradouras. E a teologia bíblica não pode ser deixada a cargo dos departamentos de estudos bíblicos, porque eles normalmente dividem o Antigo Testamento do Novo Testamento.

Quando e como devemos destacar personagens bíblicos como exemplos de fé a serem imitados?

É importante não exagerar em nossa reação à pregação sobre personagens bíblicos como exemplos; a Bíblia está cheia de exemplos. Mas cristãos são exortados principalmente a crescerem para ser como Cristo, a não como Abraão ou Moisés ou qualquer outro. Podemos usar outros personagens bíblicos como exemplos de fé, quando estiver claro com base na sua relação com Cristo de que forma eles o são. Por exemplo, Hebreus 11 claramente retrata os heróis do Antigo Testamento como modelos de fé e coragem, mas também mostra a fonte da nossa fé “fitando os olhos em Jesus, autor e consumador da nossa fé” (12.2). Em última análise, o escritor vê os heróis da fé como nos apontando para Cristo: devemos imitar seu exemplo, mas o poder de fazê-lo só vem quando olhamos para Jesus.

O que é tipologia e quando um pregador deve usá-la? Pode dar exemplos?

Tipologia é o termo técnico que se relaciona com a forma como as narrativas do Antigo Testamento, instituições, eventos e pessoas prefiguram de várias maneiras a pessoa e a obra de Cristo. Ela é gerada pelo testemunho de Jesus e dos escritores do Novo Testamento de que o plano de Deus que se desdobra na experiência histórica do povo de Deus no Antigo Testamento, é um reflexo da realidade revelada em Cristo. O tipo é muitas vezes explicitamente confirmado na promessa profética do futuro. O Novo Testamento mostra em quais formas variadas Cristo é a figura ou cumprimento.

Os pregadores devem referir-se à tipologia, quando transitarem do Antigo Testamento para Cristo. Podem incluir uma série ocasional (digamos, seis ou oito sermões) explorando um tema teológico bíblico, como a lei ou o templo, o sacerdócio ou o reino. A tipologia deve ser baseada na evidência bíblica, e não na imaginação do pregador ou na associação de ideias.

Todas as grandes dimensões da revelação do reino, na história do Antigo Testamento são tipológicas: a criação, a aliança, o exílio e o êxodo, a terra prometida, o tabernáculo/templo, o domínio/reinado, e, claro, o profeta, o sacerdote, o rei e o sábio.

Suponha que você esteja pregando ou ensinando sobre Davi e Golias em 1 Samuel 17. Como uma compreensão da teologia bíblica afetaria sua interpretação e aplicação desta história para o povo de Deus?

Davi é o rei ungido do povo de Deus que faz por eles o que eles não podem fazer por si próprios. A teologia bíblica nos alerta para a linhagem direta que vai de Davi até Jesus. Ele é o salvador de Israel, o reflexo do ungido (Cristo). Ele se coloca no lugar deles e conquista a vitória por eles. A teologia bíblica não nos impede de apreciar e almejar emular a coragem e fé de Davi neste texto, mas também nos direciona para os temas maiores que se desenrolam ao longo de todo o Antigo Testamento, centrados na expectativa de um Messias que redimiria o povo de Deus dos seus pecados.

Assim, um pregador abordando este texto do ponto de vista da teologia bíblica iria mais naturalmente incentivar seus ouvintes a se identificarem, não com David, mas com os israelitas assustados, os quais Davi salva. Tentativas de fazer de David meramente um exemplo de fé correm o risco de passar a mensagem de que, se tivermos fé o suficiente, podemos salvar-nos a nós próprios.

Baseado em Donald Robinson, você oferece uma abordagem em três estágios para a teologia bíblica que coloca ênfase especial no reinado de Davi. Como isto difere de outras abordagens para a teologia bíblica?

Entre os autores com uma posição evangélica reformada, há bastante acordo sobre a existência de algum tipo de estrutura histórica na revelação. Estudei algumas das diferenças entre Robinson (e eu) e homens como Geerhardus Vos e Edmund Clowney. Eles consideram o período de Moisés a Cristo como uma única época, o que considero que obscurece a transição do reino à profecia, dentro deste período da história. Além disso, os que seguem o modelo de “drama” para as Escrituras, aparentam ter dificuldades com as partes não-narrativas (livros de sabedoria, salmos, oráculos proféticos). Sustento que a estrutura de três estágios, fornece uma melhor compreensão das relações dentro da história redentora. Ela atribui maior significado à importância de David dentro da história redentora, e o papel de transição que ele desempenha dentro da escatologia do Antigo Testamento. Como escrevi em Christ-Centered Biblical Theology [Teologia Bíblica Centrada em Cristo], “Depois de Salomão, nada acontece na história de Israel para melhorar o padrão glorioso do reino revelado e o caminho da salvação” (148).

Nossas diferenças em relação ao grande número de teólogos bíblicos que operam sob uma hermenêutica da suspeita, duvidando da autoridade da Bíblia, são geradas pelas diferenças radicais na nossa compreensão da Bíblia como uma unidade inspirada por Deus.

Traduzido por Claudio L. Clagas.

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