A cada ano, converso com muitos e muitos pastores e, ao longo do último ano e meio, tenho ouvido deles uma queixa repetida sobre a enorme ruptura em suas congregações, causada pela estranha convergência de divisões políticas, culturais, e pandêmicas. Tem havido uma grande migração de fiéis de uma congregação para outra, pelo menos na igreja norte-americana. As pessoas deixam uma igreja por ser demasiadamente política; outras deixam a mesma igreja por não ser suficientemente política. As pessoas deixam a mesma igreja por terem perspectivas opostas sobre como responder à pandemia. Nesta época em que vivemos no mundo evangélico, frequentemente há a expectativa de que os pastores mantenham seus consumidores satisfeitos, mas eles estão descobrindo que o que os consumidores que partilham da mesma aliança local, têm expectativas cada vez mais divergentes.
As pessoas se reúnem por todo o tipo de razões, claro. Fora da igreja, é comum identificar-se com grupos que compartilham dos mesmos interesses, status socioeconômico, pontos de vista políticos, hobbies, e outros interesses, afinidades e identidades. Faz sentido que semelhantes se atraiam.
No entanto, a igreja é chamada a viver por uma natureza sobrenatural, mesmo vivendo em uma cultura deste mundo. Quando pessoas de fora nos observarem, deve haver necessidade de um pouco de esforço para compreenderem o que nos une. Se puderem dizer: “Bem, faz sentido que essas pessoas compartilhem da mesma igreja—são parecidas, pensam da mesma maneira, etc.”, não os confrontamos com o poder estonteante do Evangelho. A graça de Deus nos une como nenhuma outra força. Nem mesmo as nossas amizades naturais funcionam desta forma.
Tal como escreveu C.S. Lewis, a amizade começa quando alguém diz ao outro: “Você também?”. Mas na igreja dizemos um ao outro: ” Você e eu não somos nada parecidos. Não há razão para estarmos juntos. A não ser Cristo. Isso faz de nós família. Portanto, apesar de não termos mais nada em comum, estou com você. Sou a seu favor”.
Portanto, a igreja se torna uma apologética para o evangelho. Por não haver explicação natural para que pecadores de diferentes etnias, idades, origem familiar, estado civil, recursos financeiros, opiniões políticas e afinidades não apenas se reunirem, mas entrarem em aliança uns com os outros. Deus deve ser real. O Evangelho tem de ser verdadeiro. Caso contrário, esta família não existiria.
Eis como Paulo explicou este ponto:
Mas, agora, em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um; e, tendo derribado a parede da separação que estava no meio, a inimizade, aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse, em si mesmo, um novo homem, fazendo a paz, e reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade. E, vindo, evangelizou paz a vós outros que estáveis longe e paz também aos que estavam perto; porque, por ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito. Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus…— Ef 2.13-19
O evangelho de Jesus não apenas transforma estranhos em amigos. Transforma inimigos em irmãos e irmãs. A igreja é uma família criada pela graça. Assim como Jesus chamou pescadores, cobradores de impostos, e zelotes ao seu rebanho. E quando Cristo é o nosso Deus, todo o mais cai na devida órbita ao seu redor. Ele é exaltado acima das nossas preferências e afinidades. E assim nosso grupo heterogêneo de adoradores faz Jesus parecer ainda maior.
Que jamais nos contentemos com menos. Reunirmo-nos com pessoas semelhantes a nós é natural. Mas nos comprometermos com o bem e a glória de pessoas diferentes de nós—em nome de Jesus—faz sentido espiritual. Igrejas como esta nos dão um vislumbre do novo mundo que está por vir. Que a sua igreja e a minha só possam ser explicadas pelo evangelho.
Traduzido por Cynthia Costa.