Quando prestamos atenção as profecias messiânicas sentimos consolados e encorajados, e, francamente, um pouco confuso também.
Se formos honestos, a forma como o Novo Testamento usa o Antigo Testamento nos parece um tanto excessiva. Podemos ver como os escribas viram, que Miquéias 5:2 é uma previsão do nascimento do Messias em Belém (Mateus 2:1-6.). Mas, será que Oséias estava fazendo uma previsão sobre Cristo só porque ele mencionou “Egito” (Os. 11:1) e a família de Jesus fugiu para o Egito (Mt. 2:15)? Se interpretássemos a Escritura como Mateus, seríamos expulsos de nossos púlpitos e pequenos grupos, certo?
O uso do Antigo Testamento no Novo Testamento é um assunto complicado. Mesmo estudiosos evangélicos não concordam com todos os elementos da melhor abordagem. Ainda assim, existem vários princípios, esclarecimentos e lembretes que podem nos ajudar a entender o uso aparentemente a esmo do Antigo Testamento pelos Apóstolos.
(Na maior parte, os seguintes pontos foram extraídos do capítulo de Doug Moo “O Problema do Sensus Plenior” em Hermeneutics, Authority, and Canon [Hermenêutica, Autoridade e Canon, editado por D.A. Carson e John Woodbridge]).
1. Tenha em mente o propósito do NT ao fazer referência ao AT.
Muitas vezes pensamos que sempre que o AT é mencionado, isto deve significar que o autor do NT está tentando fazer uma exegese da passagem do AT. Mas não há nenhuma regra de inerrância que diga que o autor do NT deve sempre tentar dar a interpretação correta de uma determinada passagem. O autor do NT pode não estar tentando uma interpretação. Se alguém me pergunta: “Como está indo o trabalho de edição?” e eu digo, “É um trabalho tedioso de linha sobre linha, preceito sobre preceito” isso não significa que eu esteja tentando fazer uma exegese de Isaías 28:10. Estou simplesmente empregando uma linguagem familiar de uma passagem familiar.
2. Seguindo essa linha de pensamento, lembre-se que o NT usa frequentemente o AT simplesmente como um veículo de expressão.
Os escritores do NT estavam muito familiarizados com o AT. Não é de admirar que empregaram seu vocabulário. Da mesma maneira, os ocidentais podem usar um pensamento de Shakespeare ou a Bíblia porque lhes é familiar, mas sem a intenção de explicar o seu contexto ou o significado original.
3. O NT realça a importância de uma passagem, sem tentar explicar o seu sentido original.
Por exemplo, Moo aponta para o uso que Paulo faz de Deuteronômio 25:4 ( “Não atarás a boca ao boi quando debulha”) em 1 Coríntios 9:9. Os críticos argumentam que Paulo está usando a Lei de Moisés fora de contexto, por dizer que esta passagem é sobre o pagamento de ministros. Mas, certamente, Paulo está bem fundamentado ao tirar uma inferência justa desta passagem e aplicá-la ao seu próprio contexto.
4. Devemos nos permitir uma visão mais ampla da linguagem de “cumprimento”.
Poderíamos evitar muitos problemas se entendêssemos que o uso de plēroō (cumprido) não precisa significar “e assim este versículo previu que Jesus faria ou diria isto, o que de fato aconteceu.” Como diz Moo, “A palavra é usada no Novo Testamento para indicar o amplo relacionamento redentivo-histórico da nova e culminante revelação de Deus em Cristo, para a revelação preparatória e incompleta para e através de Israel” (191). Em outras palavras, “cumpriu” não significa que o texto do AT em questão é uma profecia direta. Consequentemente, a ida de Jesus para o Egito pode sim cumprir Oséias 11:1, não porque Oséias tenha pretendido prever uma viagem messiânica para o sul, mas porque Jesus é o supremo Filho de Deus , e é a personificação de um novo Israel. Oséias não previu a ida da Sagrada Família para o Egito, nem Mateus sugere que o profeta pretendesse fazê-lo. Mas Mateus vê que, em Cristo, a história do êxodo de Israel mencionada em Oséias, chega à sua revelação redentora-histórica plena.
5. Da mesma forma, algumas passagens do Antigo Testamento são cumpridas tipologicamente.
Isto é diferente de alegoria. Na alegoria, busca-se o significado que está por trás do texto enquanto na tipologia encontra-se um significado já desenvolvido, que está enraizado no texto em si (ver Moo 195). A Paixão de Jesus pode ser vista como um cumprimento do grito do coração de Davi, no Salmo 22, não porque Davi pensasse estar prevendo a morte do Messias, mas porque Davi, como o rei e como o progenitor prometido do Messias, era um tipo de Cristo, cujos brados anteciparam o abandono definitivo ao supremo filho de Davi.
6. A profecia do AT está cheia de exemplos onde há um cumprimento próximo e um distante.
Isaías 40, por exemplo, era uma palavra de conforto sobre o retorno da Babilônia, mas mais tarde, vemos que também foi uma palavra sobre João Batista, que prepararia o caminho para o Messias (Marcos 1: 2-3). Grande parte do testemunho profético antecipa implicitamente um cumprimento futuro mais completo, e frequentemente escatológico. Isaías pode não ter sabido que suas palavras sobre a virgem eram messiânicas, mas isto não significa que ele ficaria surpreso ao saber que foram. Israel estava sempre à espera do reino eterno e do Libertador final. Creio que os profetas entendiam que o que eles profetizavam (e prediziam) era para a sua época, mas poderiam também ser para o futuro.
Duas Outras Questões
É claro que os princípios acima referidos levantam duas questões difíceis:
- Será que os autores do AT falaram mais do que sabiam? Ou seja, há um significado em alguns textos do AT que conhecemos pelo NT, mas que teria sido desconhecido aos autores?Excelentes estudiosos como Walter Kaiser argumentaram com veemência não ser possível haver duplos sentidos ou significados mais completos no texto do AT. Apesar de Kaiser estar certo ao insistir que muitas passagens problemáticas podem ser “resolvidas”, ao prestarmos atenção cuidadosa ao contexto original e fundo teológico, concordo com Moo e outros que argumentam que “há trechos onde o Novo Testamento atribui ao texto do Antigo Testamento um sentido mais amplo do que se pode legitimamente inferir que fosse do conhecimento do autor humano” (201).
Será que isso significa que estamos condenados ao “niilismo hermenêutico?” Creio que não. Em primeiro lugar, toda interpretação da Escritura deve ser demarcada pelas Escrituras. Muitos estudiosos argumentam a favor de “uma abordagem canônica” para entender o uso do AT no NT. A Bíblia é uma obra literária completa. Em certo sentido, o AT é um livro incompleto, inacabado. Mas quando o conjunto é completado, podemos entender melhor as partes anteriores e ver coisas que os autores num momento “inacabado” podem não ter se apercebido. Em segundo lugar, devemos lembrar que nada disso prejudica a intenção autoral. Os autores do NT não encontraram significados no AT que os autores originais nunca pretenderam. Possivelmente os autores humanos não tinham conhecimento da plenitude de suas palavras, mas não nos esqueçamos que há também um autor Divino. Sob a inspiração do Espírito, os escritores do NT foram capazes de compreender intenções autorais, que podem não ter sido totalmente conhecidas pelos autores humanos do AT. O NT não encontra um sentido que não esteja lá, somente (e só ocasionalmente) um significado que não era óbvio para metade da equipe de autores.
- A segunda questão levantada por esta discussão é se podemos imitar a hermenêutica empregada por vezes, pelos escritores do NT.Com Moo, eu diria um firme “depende”. Por um lado, não temos a inspiração do Espírito para conhecer a mente de Deus no mesmo grau que eles tiveram. Assim, devemos ser extremamente cautelosos sobre encontrar significados mais “completos” no texto. Por outro lado, devemos ler a Bíblia com o mesma abordagem de informação teológica, histórico-salvífica, com a visão de cânone completo, que vemos empregada no uso do AT no NT (Moo 206, 210).
Lições Aprendidas
Uma das lições práticas de tudo isso é que devemos evitar uma abordagem simplista para o cumprimento do AT-NT. Às vezes com bons motivos apologéticos e evangelísticos, apontamos para todas as profecias do Antigo Testamento sobre Cristo e, em seguida, apresentamos uma lista de todos os seus cumprimentos no NT. Há uma verdade nesta abordagem, mas se definirmos as coisas como “aqui está a profecia e aqui está a profecia se realizando” inevitavelmente confundiremos as pessoas. Podemos até mesmo levar as pessoas a duvidar do testemunho profético, ao invés de confiar nele. Todas as profecias citadas no NT são verdadeiras e realmente se cumpriram, mas é tudo um pouco mais complicado (e, na verdade, mais glorioso) do que às vezes deixamos transparecer.
A outra lição é que não precisamos nos envergonhar de usar uma forte lente teológica além da necessária lente histórico-gramatical. Este não é um convite à alegoria ou uma razão para procurar significados espirituais ocultos da mesma maneira como o Super Mario encontra os seus cogumelos. Mas isto sim significa que devemos, como os escritores do NT fizeram, ler a Bíblia em toda a Bíblia. Devemos ver a Jesus em toda as Escrituras. Devemos ler o final à luz do princípio e o princípio à vista do final. Acima de tudo, podemos comemorar que Jesus é o perfeito cumprimento de tudo o que foi imperfeitamente prefigurado no AT. Isto por si só, fará uma história de Natal mais ampla, profunda e rica.
Traduzido por Samanta Stein