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Tomás de Aquino é um teólogo que alguns protestantes adoram odiar, outros adoram amar, sendo no entanto, sempre respeitado. Embora ele raramente tenha sido condenado abertamente pelos primeiros protestantes, sempre houve um certo mal-estar a respeito de seus ensinamentos, à medida em que estes se conectam às suas ideias sobre a graça, a justificação, os sacramentos e a igreja. Tiveram opiniões diversas também sobre aquilo que tomou emprestado de Aristóteles, sendo esta a queixa principal de Lutero a seu respeito.

Mas há um conflito quando há qualquer tentativa de rejeitar Tomás de Aquino completamente: não é parte da herança protestante.

Já na geração seguinte à Reforma de Lutero, a maioria dos centros protestantes de formação de pastores, incluindo Wittenberg, já utilizavam ao menos alguns dos escritos de Tomás de Aquino em seu currículo, ao mesmo tempo em que não aceitavam todos os seus ensinamentos. Isto é verdade em seminários e faculdades bíblicas modernas também. Por exemplo, hoje em dia, estudiosos interessados em argumentos sobre a existência de Deus, sempre recorrem às “cinco vias” de Tomás de Aquino, ou cinco métodos de argumento, para se chegar a uma conclusão racional de que Deus existe (embora nunca totalmente separada da fé, como apontaria Tomás de Aquino).

Nossa opinião de Tomás de Aquino, então, forma um microcosmo do uso que a Reforma fez da teologia medieval: os protestantes não rejeitaram tudo, mas têm sérias reservas a respeito de alguns de seus ensinamentos.

Seria útil então refletir um pouco sobre o porquê de Tomás de Aquino ser influente a ponto de estar numa lista das 5 figuras históricas mais importantes.

A Vida e Época de Aquino

Tomás de Aquino (1225-1274) nasceu numa situação privilegiada, já que era o filho do Duque de Aquino, na Itália. Em consonância com práticas medievais, “Aquino” não é realmente seu sobrenome, mas uma referência à propriedade da sua família em Aquino (por esta razão chamamos seus ensinos de “Tomismo”, não de “Aquinismo”). Tomás provavelmente foi cuidadosamente instruído a ler, escrever e a pensar, e as as oportunidades que teve em sua vida seriam impensáveis para um camponês mediano. Na realidade, seu primo de segundo grau era o Imperador do Sacro Império Romano na época, o que significa que ele não só nasceu com fortuna, mas também com poder.

Tomás de Aquino: Louco por Jesus

O primeiro ato rebelde de Tomás foi rejeitar o trabalho luxuoso na igreja que sua família tinha planejado para ele. Seu pai queria um ofício sacerdotal para seu filho no rico mosteiro em Monte Cassino, o primeiro mosteiro deste tipo na Europa, embora o rigor monástico já tivesse descaído bastante. O mosteiro era também política e culturalmente poderoso, portanto seu pai queria uma “pessoa de confiança” lá.

Tomás disse ao pai que em vez disto, se associaria aos Dominicanos. Em vista disto, seus irmãos o raptaram e o trancaram em seu quarto, e tentaram seduzi-lo com uma prostituta. Prometeram que não o deixariam sair, mas uma noite, sua mãe decidiu deixar uma janela aberta para que ele pudesse escapar.

Associar-se aos Dominicanos era quase como se juntar aos Loucos por Jesus [Jesus Freaks] na década de 1960: eles eram uma expressão radical da fé que faziam com que os líderes de igreja se enervassem. Os dominicanos criam em ideias “radicais”, tal como a noção de que Jesus não era um aristocrata rico que viveu em luxo, mas sim um homem pobre sem um lugar para descansar a cabeça. Os Dominicanos queriam viver este tipo de vida radical e eram conhecidos como uma das novas “ordens mendicantes”, já que os monges não possuíam nenhuma riqueza e viviam de doações dos outros.

Após obter sua liberdade, Tomás acabou viajando para Paris, o centro intelectual da Europa, e começou a estudar teologia e a Bíblia.

Teologia na Época de Tomás de Aquino

Os estudantes contemporâneos de Tomás de Aquino também não gostavam dele. Num tom característico de bullying, seus colegas o chamavam de ‘boi estúpido’ por seu andar desajeitado e lentidão de seu pensamento. Talvez considerassem engraçado se divertir com o filho de nobres que agora mendigava por seu alimento. Apesar disto, ele viria a se tornar a mente escolástica mais influente de todo o período medieval, moldando discussões sobre teologia e filosofia tão profundamente, que a Igreja Católica oficialmente nomeou suas obras como sendo da própria igreja.

A questão central na escolástica na época era o problema da fé e da razão. Pode-se colocar desta forma: qual é a principal fonte de nosso conhecimento de teologia, e em que medida podemos usar instrumentos tal como a razão para explorar a nossa fé? Este é um debate presente desde o início da teologia cristã e continua até hoje, mas na época de Tomás de Aquino a questão era crítica.

Na época de Tomás de Aquino, a escolástica havia chegado a duas posições mutuamente exclusivas. Por um lado havia aqueles criam no que podemos chamar de visão Oculta: criam que doutrinas tais como a da Trindade ou da divindade de Cristo, são totalmente estranhas a qualquer modo natural de se pensar, portanto devem ser reconhecidas somente como mistérios e nunca estudadas como se faz com a filosofia. Hoje estes seriam as pessoas que dizem que nunca devemos tentar discutir a Trindade, porque é simplesmente um mistério.

Podemos chamar de “Compatibilistas” os que na época de Aquino tinham a posição oposta: criam que se há alguma coisa na doutrina que é ilógico ou não pode ser comprovado pela filosofia, então precisamos aplicar nossas mentes para encontrar uma solução ou descrição melhor. Em seu extremo, estas seriam as pessoas que preferem abandonar a linguagem de uma doutrina histórica se ela não puder atingir seu padrão de pensamento racional.

Na época de Tomás de Aquino, estas questões estavam na mente de todos, tendo sido área de interesse para homens como Anselmo, Abelardo e Bernardo de Clairvaux. A resposta de Tomás de Aquino a este problema se tornou uma das grandes respostas para a teologia racional: a Graça aperfeiçoa a Natureza.

A Graça Aperfeiçoa a Natureza

Tomás de Aquino resolveu o problema da fé e da razão, em essência, negando que houvesse um problema fundamental, desde que se compreendesse a razão e a fé, cada uma em seu devido lugar. A razão, segundo ele, é um dom de Deus e é estabelecida na criação como uma virtude para todos os homens e mulheres. A razão portanto, deve ser entendida como uma dádiva da natureza, ou seja, é uma capacidade natural em todos nós.

O problema a ser tratado é a corrupção do pecado que deixa a nossa razão turva. Tomás de Aquino respondeu que a natureza da graça nos cristãos, não é para anular a razão, mas para tentar restaurar a razão ao seu devido lugar. Portanto, a graça aperfeiçoa a natureza, não a destrói. Nosso raciocínio é cheio de pecado e somos capazes de maldade e loucura. Mas Deus trabalha por seu Espírito para restaurar nossas mentes à sanidade, tal como o endemoninhado gadareno foi restaurado à sua mente sã e aos pés de Jesus.

Então, voltando ao exemplo da Trindade: Tomás de Aquino argumenta que a doutrina da natureza trina de Deus é algo que é revelado e estabelecido pela fé, não pela razão. No entanto, uma vez estabelecida pela fé, ela pode ser objeto de reflexão e estudo; não numa tentativa de basear a doutrina na razão, mas para usarmos nossas mentes naturais para aprofundar nossa apreciação pela maravilha desta verdade. Nas reflexões trinitárias, é apropriado usar distinções cuidadosas e linguagem filosófica, não porque estas fortalecem a doutrina, mas porque colocamos a razão em seu devido lugar.

Tomás de Aquino e o Protestantismo

Apreciar as contribuições de Tomás de Aquino para a teologia não significa que os protestantes estejam completamente de acordo com cada um de seus ensinamentos. Ele ensinava coisas sobre a justificação, por exemplo, que eram completamente medievais, ou seja, que a graça se infunde em nós no batismo e então é nossa responsabilidade de cooperar com a graça para a nossa justificação final. Seus ensinamentos sobre os sacramentos também foram influentes no desenvolvimento da doutrina católica da transubstanciação. Poderíamos continuar, mas a lista de coisas que são questionadas nos ensinamentos de Tomás de Aquino não é pequena.

Quando nos detemos para apreciar Tomás de Aquino como figura histórica, isto não quer dizer que amamos tudo o que observamos. Mas o longo envolvimento do protestantismo com Tomás de Aquino em tópicos tal como a fé e a razão e outras doutrinas, não se enfraquece por nossa profunda discordância sobre outros assuntos.

No entanto, ainda assim podemos olhar para trás, como fizeram João Calvino, Filipe Melâncton, Martinho Bucer, e até mesmo Lutero em seus momentos mais calmos, e respeitar os esforços heróicos de um teólogo que moldou nosso pensamento por quase 800 anos.

Traduzido por Mariana Alves Passos.

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