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João Calvino foi um francês baixinho que passou a vida numa cidade que nem sempre o apreciou. Ele foi duramente criticado quase que imediatamente ao assumir seu posto em Genebra, perdeu o emprego por causa de um debate sobre os sacramentos, foi reintegrado por Martin Bucer, e voltou à Genebra com relutância para completar a Reforma lá. Ele também escreveu o que foi, até os tempos modernos, o livro de teologia mais amplamente publicado e lido, traduzido para o inglês: As Institutas.

Na verdade, o papel de Calvino no pensamento reformado foi tão central que seu nome tornou-se sinônimo do movimento, ainda que ele não fosse seu fundador nem sua voz mais influente até o fim da vida. O nome “calvinista” foi assumido, em certos círculos de fala inglesa, com certo sentimento de orgulho, enquanto os adversários das ideias reformadas sempre escrevem contra os “calvinistas” em seu meio.

Mas o que estabeleceu a Calvino, acima de outros, na provável posição de teólogo mais influente da Reforma?

Por que Calvino e Não Lutero?

Quando Trevin Wax publicou sua lista dos Top 5 teólogos, talvez a parte mais controversa foi a opção por Calvino ao invés de Lutero. Estou de acordo com sua escolha (assim como estão muitos estudiosos, nem todos reformados), portanto, algumas palavras precisam ser ditas sobre o porquê de Lutero não preceder Calvino.

Lutero Depois Da Reforma

O debate se resume à maneira que se define a importância de uma figura teológica. Em relação a Lutero, ninguém duvida da influência de sua reforma. Pode-se facilmente salientar que sem Lutero não haveria Calvino ― na verdade, não haveria protestantismo. Sua postura diante do imperador do Sacro Império Romano-Germânico foi icônica, quase um microcosmo da própria Reforma.

Ainda assim, a influência de Lutero fica truncada por alguns fatores, sendo o principal deles o fato de que poucos protestantes compartilham hoje da posição teológica de Lutero em vários aspectos além das doutrinas da graça, justificação e da Lei. Sua doutrina dos sacramentos é exclusiva da corrente luterana, e um pomo de discórdia entre luteranos e muitas outras denominações protestantes. O ponto de vista de Lutero sobre o batismo também deixa muitos fora sua definição dos sacramentos, e ele também manteve, entre os reformadores, uma visão anormalmente elevada de Maria.

Assim, se tomarmos as palavras “mais influentes” para significar “aquele que influenciou o início da reforma”, então, obviamente, Lutero estaria na liderança. Esta, porém, seria uma definição pobre — na verdade, significaria que apenas Lutero se encaixaria nesta definição, o que não está em debate.

Em vez disso, devemos usar “mais influente” num sentido mais amplo, significando aqueles que influenciaram a formação da maioria das pessoas ao longo dos séculos. Que figura vendeu o maior número de livros, gerou o maior número de movimentos além de seu contexto imediato, e até mesmo influenciou as ideias mais hostis contra a sua teologia? (Nem toda influência é positiva, claro.)

Nesta definição, muitos historiadores iriam relutantemente, escolher a Calvino em detrimento de Lutero, porém, mais uma vez, não de uma forma em que Lutero fosse visto como menos do que vital para a Reforma e história evangélica. Ainda assim, dada a influência internacional do calvinismo, tanto na época da Reforma como hoje, em lugares como a Coréia, a maioria iria colocar Calvino à frente de Lutero. Mas não sem sentir uma pontada de desgosto por não conseguir encaixar a ambos na lista.

Wesley Notoriamente Rejeitou o Calvinismo

Mais um fator importante é que a outra teologia dominante do evangelicalismo, o arminianismo, foi gerada a partir da rejeição de certos pontos de teologia reformada, e o arminianismo sempre viu o calvinismo como seu principal oponente. Igrejas wesleyanas, batistas e congregacionais que abraçam o arminianismo sempre estarão contra Calvino, mas raramente contra Lutero. O espectro do calvinismo sobre esses grupos é enorme, e pesa na decisão quanto à influência de Calvino.

Assim, nestes termos, a escolha de Calvino ao invés de Lutero não se baseia apenas em dar a vitória a Calvino, mas numa visão mais ampla das teologias influentes dentro do evangelicalismo. A influência de Calvino tanto sobre seus defensores como inimigos teológicos é inigualável desde as primeiras gerações da Reforma; pelo menos na medida em que o nome de Calvino tornou-se sinônimo dos subsequentes desenvolvimentos dentro do pensamento reformado.

Mas se tivéssemos de estender a lista para 10 em vez de 5, seria desnecessário dizer que o nome de Lutero facilmente entraria no grupo. Por enquanto, vamos ficar com Calvino.

Calvino e Genebra

Apesar de toda sua influência mais tarde sobre os protestantes e evangélicos, Calvino foi um forasteiro em muitas áreas de sua vida. Por um lado, ele foi o mais jovem da primeira geração de reformadores, quase ao ponto de muitos o considerarem parte da segunda geração. Por ocasião de sua conversão, a Reforma já tinha mais de uma década de idade, e o movimento reformado, como foi chamado mais tarde, já estava bem encaminhado com Zuínglio e Bullinger em Zurique, bem como em outras cidades suíças.

Farel Gentilmente Pede a Calvino que Fique

Ao Calvino chegar em Genebra em 1536, ele desembarcou numa tensa situação teológica agravada pela política. Em 1531, bem quando a identidade reformada ascendia em Zurique, exércitos avançaram contra a cidade, matando Zuínglio no campo de batalha, e restabelecendo o catolicismo. Com a morte de Zuínglio, foi-se embora a possibilidade de que Zurique se tornasse a Wittenberg dos reformados, moldando exclusivamente todas as opiniões reformadas. O que restou foi uma região suíça caótica, necessitando algo que a reestruturasse e garantisse seu futuro.

Uma das medidas tomadas pela cidade de Berna, por exemplo, foi anexar Genebra e movê-la à força do catolicismo ao protestantismo. Genebra era francófona (ao contrário de Berna e Zurique, que falavam alemão) e, por séculos, tinha respondido ao ducado de Savoia. Berna possuía um grande exército e uma paixão pela reforma. A única coisa que faltava a Berna era a capacidade de enviar pastores de língua francesa para moldar a igreja, agora protestante, na cidade.

Surgem então Calvino e Farel, dois exilados franceses que haviam abraçado o humanismo na França; em seguida, o evangelho, e por fim , romperam com a igreja católica. O rei francês havia se virado agressivamente contra o protestantismo, e Calvino e Farel foram forçados a fugir. Berna tinha trabalhado com Farel antes e, por isso, contratou-o para enviá-lo a Genebra. Farel também conhecia Calvino por meio de amigos, e ansiosamente buscou sua ajuda. Depois de alguns movimentos suaves de ameaça divina, Calvino cedeu.

Os problemas incipientes entre esses dois homens eram numerosos: ambos eram jovens, e a barreira da língua era significativa. Farel era um famoso cabeça-quente, Calvino era efetivamente um ninguém, mas um pouco arrogante quando se tratava de educação, e a cidade de Genebra não tinha ficado inteiramente feliz por ter sido inserida na Reforma sem ser questionada.

Calvino falhou em sua primeira tentativa de liderança em Genebra, não totalmente por causa de teimosia, embora ela não ajudasse. Quando voltou a Genebra, em 1541, ele era um homem mais sábio, agora casado, e dedicou-se à escrita ininterruptamente.

Calvino, O Irmão Mais Novo

Dentro do complexo mundo suíço, Calvino começou a assumir sua posição pela fé reformada. Ainda assim, mesmo depois de ter sido restabelecido em Genebra, ele não se tornou imediatamente a voz mais forte nas regiões suíças, e certamente não o foi na Europa como um todo. Estas coisas ainda estavam por vir; porém, por enquanto, ele era o irmão mais novo entre homens como Bucer, Bullinger, e outros líderes que possuíam mais experiência e consideração em outros países.

Calvino e Bullinger Se Encontram

Calvino nunca pareceu se irritar nestas circunstâncias, e sua vida é marcada por sua vontade de trabalhar com outras cidades e reformadores para trazer unidade à fé reformada. Suas cartas a estes homens são marcadas tanto por seu coleguismo como por sua vontade de oferecer a própria perspectiva. Elas também revelam sua disposição em aprender com seus companheiros reformados de outras cidades. Em nenhum momento, no entanto, vemos Calvino tentando assumir um papel semelhante ao de Lutero, no qual todos os caminhos levariam a ele, ou todas as opiniões que lhe fossem apresentadas levariam a um veredicto.

Neste sentido, o movimento da Reforma foi sempre como um bando de irmãos ― e se você já teve irmãos, sabe como a casa pode ficar em polvorosa. Eles nem sempre se davam bem, e quando discutiam, nem sempre o faziam gentilmente. Bucer e Bullinger, ambos candidatos ao posto de voz mais influente no início da teologia reformada , tinham tal rixa que Bullinger sempre suspeitou de que Bucer fosse um “luterano secreto” em relação aos sacramentos. Mas em meio a essa bagunçada vida em conjunto, Calvino e outros estavam moldando o núcleo da perspectiva Reformada.

A Influência de Calvino na Teologia

Calvino podia ser o irmão mais novo, mas ele não era o fracote da família. Ao final de sua vida, ele se tornou a voz de liderança no amplo mundo reformado, à medida que a reforma começou a atingir a Escócia, a Inglaterra, a França e a Holanda. Grande parte de sua influência se resume a dois fatores principais: a clareza da seus escritos, e a tradução das Institutas para outros idiomas, especialmente o inglês.

Em relação aos seus escritos, Calvino, não foi perfeito, e como qualquer outro teólogo, teve seus momentos em que mais confundiu do que ajudou. Mas em comparação ao escopo mais amplo de escritos protestantes, Calvino é a voz mais clara e lúcida de quase todas as outras vozes protestantes. Lutero, por exemplo, é muito divertido de se ler, mas escreveu com a cadência de um coelho em fuga. Ele também tende tantas vezes à hipérbole que, geralmente, parece contradizer suas próprias declarações (pelo menos à primeira vista). Bucer, pelo contrário, era tão prolixo e difícil de entender que as pessoas de seu própria época ironizavam sobre sua incapacidade de manter o fio da meada.

Ao abrir as obras de Calvino, encontramos algo diferente, mesmo sendo uma tradução e quinhentos anos depois. A formação humanista que Calvino recebeu lhe deu as ferramentas para levar seu leitor até o ponto que ele queria provar. E ao provar seu ponto, Calvino muitas vezes o faz com cuidado, raramente com uma palavra fora do lugar. Quando se enrosca com pontos abstratos ou prolixos, não se detém lá por muito tempo. Teve também a paciência singular ― que seria heroica em qualquer século, mas ainda mais hoje, com nossos padrões de atenção ― de editar e retrabalhar suas Institutas ao longo de toda a vida.

De suma importância, para os leitores ingleses, foi o fato de os escritos de Calvino terem sido os mais importantes textos teológicos impressos na Inglaterra até o final do reinado de Elizabeth I. As obras de outros reformadores permaneceu em latim, que ainda era uma língua viva para os acadêmicos, mas impossível de ser estudada por leitores leigos. Em pouco tempo, até mesmo os acadêmicos não escreveriam mais em latim. Calvino, ao contrário, não só escreveu em latim, mas trabalhou na própria tradução das Institutas para o francês, um idioma no qual as vozes da reforma de fala alemã não alcançavam.

No fim de sua vida, Calvino havia se tornado uma voz internacional dominante na teologia reformada. Não foi o fundador do movimento reformado, nem foi considerado o único líder reformado em todos os assuntos. Ainda assim, sua influência não foi acidental, como diríamos hoje. Foi resultado de sua enorme capacidade de explicar, defender e publicar as Institutas aos estudantes para o ministério pastoral.

Traduzido por Daila Fanny

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