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O Calvino que todos conhecemos, é o autor de dois extremamente complexos volumes das Institutas, em nossas prateleiras. É um homem de talento e elegância, enveredando-se pela doutrina e pelas Escrituras, escrevendo com o que denominava de “brevidade lúcida”. O autor da edição final das Institutas era, de fato, um homem em plena marcha, ao final de sua carreira. Os dragões haviam sido mortos, e a igreja em Genebra tinha agora um firme fundamento. Os amargos dias de controvérsia e a queima de Servetus estavam para trás, e o seu ministério estava enraizado.

Esta é uma história de quando Calvino ainda era um cabeça dura.

Calvino Chega a Genebra

Quando Calvino chegou a Genebra, ele era um exilado, tendo deixado sua pátria para sempre. Embora seu potencial nunca tivesse chegado longe, ele tinha sido um intelectual promissor no mundo humanista francês, antes que o fogo da perseguição expulsasse os protestantes do país. Ele parou em Genebra, a caminho de Estrasburgo, teve um encontro inflamado com Guilherme Farel e optou por render-se ao chamado para permanecer em Genebra, para apoiar a Reforma.

O contexto de Genebra era bastante tenso. Tal como a maioria das outras cidades suíças, Genebra era independente, embora estivesse sob a jurisdição do duque de Savoia. Porém, em 1536, quando Calvino chegou à Genebra, a cidade tinha acabado de ser tomada por uma operação militar, iniciada pela cidade protestante de Berna, retirando-a de um governo politicamente católico.

A igreja de Genebra era uma questão diferente. Berna era uma cidade importante, com forte poderio militar, portanto os líderes de Genebra sabiam que Savoia não retaliaria rapidamente. Muitos em Genebra estavam pelo menos dispostos a ouvir a mensagem protestante. O problema era que Berna era de fala alemã e não tinha recursos internos para enviar pastores que falassem francês a essas cidades. Portanto, terceirizaram o trabalho para homens como Farel. Isto, em parte, explica por que Farel estava tão desesperado por uma boa ajuda pastoral, pois necessitava de aliados para trazer a Reforma à cidade, de cima a baixo. O primeiro culto protestante em Genebra somente havia ocorrido na sexta-feira santa de 1533.

O Dia em que Calvino Foi Despedido

Portanto, a situação estava tensa. Calvino e Farel estavam sob ordens da liderança de Berna para reformarem a cidade, no entanto em Genebra, muitos se opunham a eles. Os governantes de Genebra não eram necessariamente leais a Roma, mas, no entanto, temiam por sua segurança, caso houvesse uma tentativa católica de retomar a cidade. Há apenas alguns anos atrás, Zwinglio havia morrido num ataque semelhante.

Berna havia passado a Calvino e Farel um culto protestante, bem como várias ordens sobre como vincular a nova igreja de Genebra com a de Berna. No entanto, por razões não totalmente esclarecidas, Farel e Calvino decidiram fazer pressão por um novo conjunto de demandas que criaram: comunhão semanal, uma nova liturgia e várias coisas que Berna não havia aprovado oficialmente.

As demandas não foram bem recebidas. Primeiramente, eles receberam um firme não, com um sorriso gentil. Então, a situação ficou sombria e se tornou incontornável durante um culto de ceia. Farel e Calvino estavam totalmente comprometidos com essas reformas e, por isto, retiveram a ceia dos líderes, efetivamente excomungando os líderes da cidade.

Foram dados dois dias a Calvino e Farel para deixarem a cidade.

Como Calvino Foi Restaurado

Uma das grandes histórias da Reforma é a restauração de Calvino após uma derrota tão humilhante. Nem todos os problemas eram culpa sua, mas a liderança em Genebra e Basileia atribuiu a culpa a ele. Consideravam que ele e Farel haviam se tornado renegados.

A restauração de Calvino, porém, não foi através de polêmica, justificações ou fanfarronice. Foi através de relacionamentos e de um mentor.

O homem que trabalhou para restaurar a Calvino, foi Martin Bucer, um teólogo muito respeitado e pacífico, da primeira geração da Reforma. Tal como Lutero, Bucer havia sido monge, mas se juntou ao protestantismo após ouvir Lutero defender pessoalmente sua teologia, na disputa de Heidelberg. Bucer acabou por ficar em Estrasburgo, sendo um reformador altamente considerado no movimento Reformado, que começava a florescer nas regiões suíças. Ele sempre se lamentava de que Zwinglio e Lutero não haviam conseguido chegar a uma visão unificada sobre a Ceia do Senhor. Durante a maior parte de sua carreira, ele nunca deixou de se esforçar pela união entre os protestantes.

Em Calvino, Bucer deparou-se com um jovem que necessitava ser liderado de volta à plenitude, em seu ministério. Os problemas em Genebra indicavam um homem jovem, talvez de pavio curto, mas não eram imperdoáveis. No entanto, caso fossem deixados a putrefazer, limitariam severamente o futuro trabalho de Calvino. Bucer encarregou-se de convidar Calvino a ir a Estrasburgo, para continuar a trabalhar em sua obra literária. Ambos compartilhavam o amor pelos livros e pela teologia, e o estilo de escrita de Calvino já mostrava a brevidade lúcida pela qual ele seria conhecido.

Calvino concordou e foi morar em Estrasburgo, atraído por Bucer e pelas bibliotecas da cidade. Quando chegou, ficou alojado numa casa que partilhava um jardim com Bucer e sua família. Ao que parece, este relacionamento com Bucer faz parte da história de como Calvino se recuperou de seu revés. Calvino não só dialogava com Bucer sobre teologia e trabalhava tanto na expansão das Institutas, quanto em seu comentário sobre Romanos, mas também comia frequentemente na casa de Bucer, testemunhando pela primeira vez a vida íntima de uma família protestante. Mais tarde, Calvino observaria o quanto ele aprendeu sobre a vida, a família e sobre liderança, vivendo tão próximo a seu mentor.

É claro que devemos ter cuidado para não romantizar esta experiência para Calvino. Continuou a ter desafios, tanto em Estrasburgo e após voltar a Genebra. Mas esta história indica a necessidade de um mentor pastoral ter um envolvimento pessoal. Creio que isto se tornou numa arte perdida na igreja moderna. Para Calvino, este nível de conexão pessoal foi vital, não só para sua restauração pessoal como pastor nas regiões suíças, mas também como no teólogo que iria se tornar.

Traduzido por Seumas Dóchas.

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