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Em algumas igrejas, é uma palavra que evoca imagens de um Deus irado e caprichoso que age arbitrariamente para salvar alguns, mas consigna a maioria dos pecadores — incluindo os bebês falecidos — à eterna perdição. Para muitas pessoas que se professam cristãos, é o mais ofensivo de todos os palavrões.
Basta o pastor mencioná-la na presença do conselho da igreja e ele corre o risco de ser demitido, trocar socos ou coisas piores. Um Deus que elege é antiamericano, antidemocrático. Cheira a uma religião puritana taciturna, a uma invenção doutrinária criada por um maníaco ministro do século XVI cuja descendência fabricou um “teísmo” teológico, que mergulhou incontáveis ​​almas em uma eternidade sem Deus.
Em outras igrejas, é uma palavra apreciada que descreve uma doutrina amada, uma doutrina que concede conforto e uma confiança inabalável de que nem uma molécula dissidente, nem uma partícula subatômica rebelde existe fora do controle providencial e amoroso de Deus — mesmo com respeito a salvação. Quer começar uma conversa agitada? Então diga a palavra: predestinação.

Uma Doutrina Bíblica

Poucas doutrinas na história da religião americana têm um currículo tão pugilístico. E, no entanto, ali está, nos termos mais simples e sem ressalvas, em Efésios 1.5: “Em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo.” E novamente seis versículos depois: “Nele (Cristo), digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade”. Estes textos de Efésios, juntamente com Romanos 9, grande parte de João 6 e a oração sacerdotal de Jesus em João 17 acabaram por derrubar meu compromisso com a teologia do livre arbítrio duas décadas atrás. Atos 13.48 fez o nocaute.
Muitos evangélicos — incluindo pastores — veem tal doutrina como algo a ser deixado em paz, como um fruto teológico proibido, repleto de especulação. Argumentam que não é prática. É um debate para as aulas no seminário, sem qualquer influência real sobre as fortes pressões do dia-a-dia.
Mas João Calvino, o pastor-teólogo erroneamente creditado por inventar a predestinação, argumentou o contrário:
Este grande tópico não é, como muitos imaginam, uma mera disputa espinhosa e barulhenta, nem especulação que cansa a mente dos homens sem qualquer proveito; mas uma discussão sólida eminentemente adaptada ao serviço dos piedosos, porque nos edifica na fé sadia, nos treina para a humildade e nos eleva a uma admiração da bondade ilimitada de Deus para conosco, enquanto nos conclama a louva-lo em meio a nossas maiores aflições.
Loraine Boettner, autor de talvez o mais extenso volume já escrito sobre a predestinação, concorda:
Não se trata de uma teoria fria, estéril e especulativa, nem de um sistema antinatural de doutrinas estranhas, como muitas pessoas tendem a crer, mas de um relato muito caloroso, vivo, vital e importante das relações de Deus com os homens. É um sistema de verdades grandiosas, mas práticas, que são projetadas e adaptadas, sob a influência do Espírito Santo, para moldar as afeições do coração e dar a direção correta para conduzirmos nossas vidas.

Uma Doutrina Bela

1. A predestinação é uma doutrina bela.

Sua beleza está no fato de que um Deus santo no-la revelou. E, tal como Calvin e Boettner apontaram, tem aplicação prática significativa. A predestinação não é apenas um tópico para discussão e debate entre curiosos estudantes do seminário. Ela nos fala muito sobre o caráter de Deus:

2. Deus está escrevendo meticulosamente a história da História de acordo com Seu próprio roteiro.

Embora falemos de “acidentes”, na verdade, não há acidentes. Nada acontecerá hoje que não tenha sido cuidadosamente planejado na eternidade passada por um Criador todo-poderoso e bom.

3. Deus ama os pecadores.

Nunca devemos perder nossa admiração pela realidade impressionante desta afirmação. Embora tenhamos nos rebelado contra ele, Deus enviou seu único Filho para morrer no lugar dos pecadores para resgatá-los do pecado e da morte (Rm 5.8). Cristo, que era justo, deu sua vida pelos injustos (1Pe 3.18). Ele suportou a ira que nós merecemos.

4. Deus usa meios para alcançar Seus fins.

Nosso Senhor escolhe vasos de barro fracos e os envia para os confins da Terra para pregar as boas novas de sua missão de resgate em Cristo (Rm 10.14-15). Ele dá aos homens caídos o privilégio inconcebível de proclamar seu evangelho que derrota o pecado e a morte.

5. A glória de Deus é definitiva, a do homem não é.

O início do Breve Catecismo de Westminster marca notoriamente a finalidade principal do homem — glorificar a Deus e desfrutá-lo para sempre. Deus nos fez para a sua glória (Is. 42.8). Tudo aquilo que fazemos nesta vida deve ser feito visando a propagação de Sua notoriedade.

6. A predestinação também revela algo importante sobre nós: sem uma obra unilateral de graça, nós não podemos agradar a Deus.

Estamos mortos em nossos pecados e homens mortos não podem fazer nada (Ef 2.1). Portanto, se ignorarmos a predestinação isto causará nossa própria desnutrição espiritual.

Uma Doutrina Prática

Abaixo estão três maneiras pelas quais esta difamada doutrina fortalece nossas espinha dorsais espirituais.

1. A predestinação significa que nossa salvação é tão segura e estabelecida quanto o Deus que nos escolheu

Se a nossa herança está enraizada em Deus — o qual nos escolheu antes do começo dos tempos — então não é possível que nos afastemos. Nós não fizemos nada para obtê-la. Não podemos fazer nada para perdê-la (Rm 8.31–39). Por sua graça, o povo de Deus perseverará até o fim, através de muitos perigos, labutas e armadilhas. Esta verdade é um bálsamo de conforto para os santos que estão cansados ​​das lutas diárias da vida, cujas pernas espirituais podem estar enfraquecidas pela guerra diária interna e externa. O Deus que o escolheu certamente irá guardá-lo (João 10.28). Calvino escreveu:
Pois não há meios mais eficazes de edificar a fé do que estar de ouvidos abertos à eleição de Deus, que o Espírito Santo sela em nosso coração enquanto ouvimos, mostrando-nos que está na eterna e imutável boa vontade de Deus para conosco; e que, portanto, não pode ser movida ou alterada por quaisquer tempestades do mundo, por quaisquer ataques de Satanás, por quaisquer mudanças, por quaisquer flutuações ou fraquezas da carne. A nossa salvação, então, é certa para nós, quando nos damos conta de que sua causa vem do peito de Deus.

2. A predestinação significa que nossa salvação está eternamente fundamentada em um soberano e bom Deus; portanto, nossos sofrimentos, tristezas, perseguições e derrotas não são acidentais.

Deus não é tomado de surpresa quando sofremos. Tal como colocou Charles Spurgeon, “Todos os cães da aflição estão amordaçados até que Deus os liberte”. E, de maior importância, tal como Paulo famosamente colocou em Romanos 8.28, “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”. Deus não se atrasa nunca. Jamais tem o endereço errado. Embora jamais possamos compreender completamente, nossas mágoas são instrumentos de Deus em Sua incansável missão de nos refazer à imagem de seu Filho. A soberania absoluta de Deus junto com sua bondade, são o melhor remédio para a ansiedade humana.

3. A predestinação deve nos tornar humildes e agradecidos, não amargos, amedrontados ou sempre buscando contendas e debates.

Por que Deus escolheu me adotar em sua família? Por que sou cristão e meu vizinho não o é (pelo menos por enquanto)? Por que nasci de pais que valorizavam a igreja e valorizavam a Palavra de Deus? Por que tenho o privilégio indescritível de pregar a verdade de Deus a cada domingo?
Não consigo explicar nada disto, exceto como as Escrituras o fazem: foi o beneplácito de sua vontade (Ef 1.5) Eu não consigo — jamais conseguiria -— salvar a mim mesmo. O fato de que foi do agrado de Deus fazer isto deve me tornar humilde e colocar gratidão nos meus lábios a todo momento — porque Deus fez tudo, eu não fiz nada. Minha vida poderia ter sido radicalmente diferente, mas por causa de sua graça, não é. Deus tem sido bom para comigo, tem sofrido muito comigo, e devo estender a mesma graça a outros, particularmente a irmãos e irmãs em Cristo que ainda se debatem com esta doutrina.

Não Há Nada de que Necessitamos Mais

Tal como muitos outros, quando me deparei com a predestinação pela primeira vez, imediatamente coloquei Deus no banco dos réus e o considerei injusto: “Mas isto não é justo. Como poderia um Deus amoroso escolher a alguns e não a outros?” Tais alegações são muito comuns. Mas Deus, fiel ao seu caráter, foi terno e paciente comigo. Ele finalmente me deu olhos para ver a beleza e a força estabilizadora de vida deste insondável princípio bíblico.
Se Deus tivesse me dado aquilo que eu exigia — a justiça — então eu neste exato momento estaria recebendo a ira que meus pecados merecem. Mas ele me deu — e a milhões de pessoas ao longo de Sua linha do tempo da História — algo que nenhum ser humano merece: a misericórdia. E não há nada de que necessitamos mais.
Traduzido por Giovanna Braz dos S. Garotti.
Este artigo foi originalmente publicado no blog Founders Ministries.
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