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Se há algo a se declarar a respeito da doutrina da expiação definida, é que ela é controversa. O fato de Jesus ter morrido para resgatar sua noiva é uma verdade preciosa, que todos os cristãos abraçam. Mas quanto à sugestão de que ele não morreu para resgatar a todos—bem, isso não inspira muitos abraços. A pétala do meio da TULIP [N.T. – TULIP é um acróstico das iniciais em inglês das 5 doutrinas do Calvinismo] tem a tendência específica de provocar ou constrangimento silencioso ou bocejo indiferente, quando não uma rejeição visceral. Alguns dizem que é mais lógica do que bíblica. Outros dizem que é esotérica demais para ser importante, ou demasiadamente sem amor para ser verdade.

Mas e se esta doutrina difícil, quando a compreendemos adequadamente, se revelar como uma fonte de alegria ao invés de constrangimento? O livro “Do Céu Cristo Veio Buscá-la: A Expiação Definida na Perspectiva Histórica, Bíblica, Teológica e Pastoral” (Fiel)] é uma obra luminar que defende a expiação definida como não apenas historicamente respeitável e biblicamente fiel, mas também como gloriosa na prática e no cuidado pastoral. Com contribuições (e endossos) de uma grande variedade de pastores e eruditos, este livro é digno do estudo sério—independentemente de nosso posicionamento pessoal.

Conversei com os editores David e Jonathan Gibson a respeito dos calvinistas “de apenas 4 pontos”, evangelismo, se eles estão exagerando em sua defesa, etc.

Por que devem os cristãos comuns investir tanto tempo e dinheiro para estudar esta doutrina agora?

Às vezes, só nos dedicamos à controvérsias contemporâneas. O mundo evangélico parece ser versado em publicar durante tempestades. E, muitas vezes, isso é adequado e necessário. Mas talvez algumas das nossas melhores ideias ocorram ao estudarmos as velhas verdades com a mente calma, a fim de reafirmá-las para os novos tempos.

A expiação definida pode ser uma doutrina controversa, mas não há, até onde sabemos, uma controvérsia contemporânea na mesma proporção que houve há vários anos sobre a substituição penal. Portanto, parece que este é o momento adequado para uma nova contribuição sobre a natureza da expiação e que pode ganhar uma nova audiência, sem linhas de batalha já entrincheiradas e mentes resolutamente decididas.

Talvez isso seja idealista demais. A própria doutrina recebeu status confessional como parte de uma controvérsia (o Sínodo de Dort estava reagindo à Remonstrância de 1610), e o debate se seguiu daí desde então. No entanto, o sínodo durou seis meses. Seria tempo suficiente para modelar o tipo de paciência e profundidade que a discussão teológica requer e que raramente encontramos nestes tempos de Tweets e pouca atenção?

Esta é uma resposta tipo grande angular à sua pergunta. Ao delimitar mais o campo de visão, uma resposta poderia ser: A expiação definida adentra o sentido da cruz da maneira mais profunda possível e revela sua beleza e poder.

Qual é a maneira mais comum de como a expiação definida é compreendida erroneamente no contexto evangélico?

O maior equívoco provavelmente está ligado à perspectiva não auspiciosa que surge quando nos referimos à doutrina como expiação “limitada”. Quando colocada desta forma, ou o amor de Deus é retratado como limitado (como fizeram Mark Driscoll e Gerry Breshears em Death by Love); ou a ênfase recai sobre o número de redimidos sendo limitado; ou a oferta universal do evangelho é vista como limitada. O maior mal-entendido pode ser que a expiação “limitada” parece proclamar o que Deus não faz quando na verdade deve destacar aquilo que ele faz: Deus salva os pecadores.

Mas, novamente, de um ângulo diferente, pode-se argumentar que muitos que defendem a substituição penal sem aceitar a expiação definida não conseguem ver que negar a intenção definida da expiação redesenha sua natureza penal. Nosso livro afirma que crer na substituição penal e rejeitar a expiação definida é um mal-entendido comum da substituição penal.

Muitos amiraldianos ou “calvinistas de 4 pontos”, ao mesmo tempo que defendem uma eleição particular (pelo Pai) e uma aplicação particular (pelo Espírito), mantêm a expiação universal (pelo Filho). Por que é problemático enfatizar a particularidade na fase de aplicação, mas não na fase de expiação?

A visão amiraldiana da expiação leva à desarmonia ou dissonância no Deus triúno: o Pai elege alguns, o Filho morre por todos, mas o Espírito apenas atrai alguns (aqueles a quem o Pai elegeu). O mesmo problema acontece com o semi-pelagianismo e o arminianismo. Os universalistas hipotéticos procuram contornar o problema, postulando “dois níveis” na expiação: uma intenção universal e uma intenção particular (veja, por exemplo, Curt Daniel e Norman Douty). De acordo com este esquema, a Trindade está unida em cada nível de intenção. No entanto, esta posição carece de apoio bíblico, apesar das tentativas baseadas em uma certa leitura (que acreditamos ser superficial) de 1Tm 4.10.

O universalismo hipotético também leva a uma confusão dentro da vontade do Filho. Como pode Cristo na cruz, em seu único ato de propiciação, morrer tanto pelos não-eleitos como não morrer por eles? Isso distorce a cristologia ortodoxa. Cristo é apresentado na Bíblia como Rei, Pastor, Noivo, Cabeça, Mestre, Primogênito, Salvador Cósmico e o Último Adão. Isto é o que o Filho encarnado é e portanto, quando ele morre por pecadores, não pode deixar de o ser para eles. A pessoa e a obra de Cristo não podem ser separadas. Em suma, tanto o trinitarismo quanto a união com Cristo apontam para uma intenção definida na expiação, pois ambos garantem sua eficácia.

Por que seria mais útil falar da “intenção” da expiação ao invés da “extensão” da expiação?

A palavra intenção fornece maior precisão nos debates sobre a expiação, embora a palavra extensão possa qualificar diferentes aspectos da expiação: sua concepção, realização e aplicação. A linha clássica reformada sobre a expiação definida é que todos os aspectos da expiação possuem a mesma extensão (concepção, realização, aplicação), enquanto no arminianismo e amiraldianismo a extensão é limitada apenas no ponto de aplicação.

No entanto, uma vez que todas as partes concordam quanto à extensão limitada da aplicação, temos de definir a questão com mais precisão. Por exemplo, a conhecida máxima do lombardismo “suficiente para todos, eficiente para alguns” não é, ao contrário da opinião popular, o resumo da visão reformada sobre a expiação definida. Até arminianos podem concordar com esta afirmação. O cerne da questão é sobre a questão da intenção da expiação de Cristo. Louis Berkhof nos ajuda aqui: “Será que o Pai, ao enviar Cristo, e Cristo, ao vir ao mundo para fazer expiação pelo pecado, fez isso com o desígnio ou com o propósito de salvar apenas os eleitos ou todos os homens? Essa é a questão, e apenas essa é a questão.” Focar na intenção ao invés da extensão da expiação também nos afasta de tentar “quantificar” a expiação em termos comerciais ou matemáticos e, em vez disso, dá destaque aos propósitos de nosso Deus triúno.

Como podem os defensores da expiação definida oferecer sinceramente a salvação a cada pessoa?

A particularidade da graça na eleição ou expiação não mitiga uma oferta universal do evangelho. Devemos seguir o exemplo de Cristo.

Em Mateus 11, Jesus explica que ninguém conhece o Pai senão o Filho e aqueles a quem o Filho quiser revelá-lo (v. 27). A particularidade é explícita. No entanto, no versículo seguinte, Jesus apresenta uma oferta universal a todos para virem a ele e encontrarem descanso (v. 28). Em João 6, Jesus afirma que veio do céu para fazer a vontade de seu Pai, que é não perder nenhum dos que lhe foram dados, mas ressuscitá-los no último dia (v. 39). Esta é, na verdade, a razão pela qual (“Porque”) quem vier a ele não será lançado fora (v. 38). A vontade do Pai é que “todo homem que vir o Filho e nele crer tenha a vida eterna” (v. 40). O propósito de Cristo na vinda era particular; a obra que realizou na sua vida, morte, ressurreição e ascensão era particular (cf. João 17); no entanto, o seu convite era universal e era também sincero. Será que Cristo conhecia todos aqueles que o Pai lhe tinha dado ao encontrar muitas multidões durante seu ministério? Claro. Mesmo assim, Ele se ofereceu a todos na multidão? Sim.

Mas aqui está o que se deve guardar a respeito da expiação definida. Quando oferecemos Cristo aos pecadores, não estamos oferecendo a eles a mera oportunidade ou possibilidade de salvação (como semi-pelagianos, arminianos, amiraldianos e universalistas hipotéticos necessariamente fazem, caso sejam consistentes); em vez disso, estamos oferecendo a eles um Cristo cujo primeiro nome realmente significa “Salvador” (Mateus 1.21). E isso se dá apenas porque Deus o apresentou como propiciação para os pecadores—não potencial, possível ou hipoteticamente, mas efetivamente.

Embora os cristãos ao longo da história tenham se referido frequentemente à expiação como definida, o número de cristãos em todo o mundo que concordam com essa doutrina, conforme expressa em seu sentido reformado clássico, é relativamente pequeno. Como você responderia a um defensor da expiação universal que pensa que você exagera a importância dessa doutrina, elevando-a a uma posição no “coração da vida familiar” (p. 15) e “o centro nervoso da glória de Deus” (p. 53)?
O número é relativamente pequeno? Não tenho certeza de que podemos afirmar isso com confiança. De qualquer forma, estamos com Atanásio: o número de defensores não indica nada além do número dos que defendem algo.

Dito isto, você está certo que estas são fortes reivindicações. Deixe-me dar uma qualificação para ajudar a explicar a primeira, e uma razão para ajudar a validar a segunda.

Primeiro, quando dizemos que a doutrina pertence ao coração da vida familiar, estamos nos referindo à família Reformada. Concordamos com J. I. Packer que a redenção particular é o “verdadeiro centro intelectual” da fé Reformada, sendo essa própria fé a “verdadeira corrente principal intelectual do cristianismo” (veja o Prefácio). Por implicação, então, pensamos que essa doutrina deve fazer parte de todas as tradições teológicas cristãs. Mas a reivindicação que estamos fazendo aqui é mais estreitamente focada naqueles que vêm abraçar a Teologia Reformada, mas desejando deixar a expiação definida de fora. Se tivermos apenas quatro lugares na mesa, então devemos cancelar a festa.

Em segundo lugar, muitas coisas poderiam ser ditas aqui, mas vamos pensar sobre a questão da substituição penal novamente. Como pode a execução de um homem inocente, punido no lugar do culpado, ser uma revelação da glória divina? Só pode ser assim quando vemos que a Bíblia em nenhum lugar se refere à mera substituição, mas, em vez disso, se refere à substituição representativa. Uma pessoa não pode substituir outra, a menos que haja algum tipo de vínculo entre elas—acima e além de sua humanidade compartilhada—o que permite assumir a responsabilidade pelo outro. Tem de haver uma transferência judicial legítima. Jesus não morreu como um qualquer pelos outros. Ele morreu em seus ofícios relacionais (Rei, Pastor, Noivo, Cabeça, Mestre, Primogênito, Salvador Cósmico e Último Adão), como um homem público e sob um pacto por seu povo escolhido e parte do pacto. Sua morte foi um tipo de morte em união; o “por nós” não pode ser separado do “conosco”. O capítulo de Henri Blocher no livro argumenta sobre isso eloquentemente: a substituição com pena de morte é anêmica se uma classe específica não estiver em vista.

Portanto, a glória de Deus manifestada na cruz é a glória de uma morte que tira o pecado, em prol de pessoas ligadas Àquele que se oferece a si mesmo. Toda a beleza majestosa e o drama poético da cruz estão nisto. Sem isto, a cruz é um erro judiciário grosseiro e imoral.

Tradução de Abner Arrais.

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