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Há um bocado de bobagens por aí sobre como podemos ouvir Deus. Algumas das bobagens são conversinhas superespirituais que desvalorizam as Escrituras (como quando as pessoas dizem coisas do tipo: “Sim, isso foi uma agradável conversa, mas eu não quero informação, quero revelação”). Algumas delas são a arrogância simples (“Deus me disse que esta passagem da Bíblia, que as grandes mentes do mundo vêm estudando e discutindo por 20 séculos, na verdade, significa isso”). Algumas delas são absurdos gnósticos (“Sim, eu costumava pensar assim, mas então Deus me confiou entender sobre isso e aquilo”). Algumas delas não fazem qualquer sentido (como o pregador que ouvi que se referiu a “voz audível interior de Deus”). E algumas delas são totalmente destrutivas (“Deus me disse que a razão de você estar doente / divorciado / infértil / desempregado é por causa desta coisa que você fez de errado”). Falando como um pastor de uma igreja carismática, eu entendo o impulso para se manter livre de tal lixo evitando completamente a linguagem do “ouvir de Deus”.

Mas nós servimos um Deus falante que fala com o seu povo em toda a Bíblia. Somos filhos e filhas de um Pai amoroso, que deseja ter um relacionamento com seus filhos. Nós somos a noiva de Cristo, e maridos e esposas conversam entre si. Não somos empregados como escravos ou servos, mas recebidos como amigos, e amigos falam uns com os outros. Somos as ovelhas do nosso grande pastor e as ovelhas conhecem a voz do seu Mestre. Somos um corpo no qual pessoas profetizam, falam palavras de sabedoria e de conhecimento, e usam outros dons espirituais para edificar uns aos outros. Podemos entrar em confusão e tolice às vezes, mas, como cristãos, somos aqueles que ouvem a voz de Deus. A questão é: como?

Comece com Jesus

Começamos com Jesus. O escritor aos Hebreus considera Jesus como ato de fala culminante e definitivo de Deus – em anos passados, diz ele, Deus falou aos nossos antepassados ​​de muitas maneiras, mas agora ele nos falou por meio do Filho (Hb 1:1-2). Em outras palavras, ouvimos primariamente a voz de Deus encontrando a pessoa de Jesus. Em si, essa perspectiva pode não soar como algo que nos ajuda muito, porque ela só muda o problema de “ouvir Deus” para “encontrar Jesus”. Mas ela realmente nos ajuda muito, porque faz Jesus, em vez de pensamentos subjetivos ou impressões que possamos ter sobre seja lá o que for, ser a realidade central quando se trata de ouvir Deus. Essencialmente, nós ouvimos Deus lendo a respeito de Jesus e prestando atenção às suas palavras nas Escrituras, por meio da oração e vivendo da maneira que ele nos ensinou, lembrando-se dele na Ceia do Senhor, e por estarmos unidos com ele por meio da fé e do batismo. Em outras palavras, nós ouvimos Deus exatamente da mesma maneira que os fiéis cristãos têm ouvido por 2.000 anos.

Eu deliberadamente comecei desta maneira porque muitos, inclusive eu, vêm de experiências com igrejas que valorizam a variedade acima da regularidade, a novidade acima da fidelidade, o indivíduo acima da corporação. Aqueles que entendem a centralidade de Jesus serão muito mais seguros e têm menor probabilidade de serem enganados em contextos onde as pessoas estão ouvindo Deus de maneiras que são mais subjetivas, pessoais e difíceis de avaliar.

Dito isto, o Novo Testamento pinta um retrato de uma comunidade onde as pessoas não só ouviram Deus por meio das Escrituras, da oração e dos sacramentos, mas também por meio de profecia, outras línguas, palavras de sabedoria e conhecimento, e assim por diante. Às vezes, as pessoas estavam adorando e jejuando, e “o Espírito Santo disse” alguma coisa; às vezes, elas estavam tentando resolver uma disputa e “pareceu bem ao Espírito Santo” chegar a uma conclusão particular; às vezes, elas estavam em missão e “o Espírito de Jesus não lhes permitiu” ir por um caminho e enviou-os a outro caminho. Anjos apareciam regularmente. As pessoas comuns, e não apenas apóstolos, profetizavam. Alguns previam eventos globais antes que acontecesse. Outros falavam em línguas terrenas que eles nunca estudaram. Vários deles tinham visões. E tudo isso aconteceu, Pedro explicou no dia de Pentecostes, porque esse tipo de coisa aconteceria nos “últimos dias” (Atos 2:14-21) – em outras palavras, o tempo entre a ascensão e o retorno de Cristo. Deus é quem fala; então, quando o seu Espírito é derramado, todo mundo começa a ouvir Deus.

Do ponto de vista de Atos, isto é Cristianismo normal. Ouvir Deus sobre as coisas, mesmo quando decisões importantes (ou as vidas das pessoas) estão em evidência, é bastante comum. Hoje em dia, as pessoas que pensam dessa maneira podem ser consideradas como malucas carismáticas. Mas não no Novo Testamento. A igreja está orando junta, e Deus fala com eles. A decisão missionária tem de ser feita, e um homem aparece em uma visão e manda Paulo e Silas para a Grécia. Profetas predizem períodos de fome e a captura de seus líderes. O dom do Espírito muda completamente o processo de tomada de decisão na igreja primitiva. No início de Atos, são feitos sorteios para a tomada de decisões, mas depois de Pentecostes não. Jogar o dado de Deus foi substituído por ouvir a voz de Deus.

Esta é a parte que confunde, ou até mesmo assusta, muitas pessoas hoje em dia. Se ainda estamos nos últimos dias, e se as nossas vidas e as nossas igrejas hoje devem ser parecidas com o livro de Atos, com pessoas profetizando, tendo visões e assim por diante, então quais freios e contrapesos estão no lugar para impedi-las de agir erroneamente? O que podemos fazer para garantir que estamos ouvindo Deus, e não inventando coisas?

Cinco Coisas

Em primeiro lugar, podemos verificar o que estamos ouvindo com o que o Espírito Santo revelou nas Escrituras. Se alguém se sentiu “conduzido” a deixar a sua esposa e fugiu com outra pessoa, então nós sabemos que ele está enganado, simplesmente porque o Espírito não vai contradizer o que está dito na Bíblia. Em segundo lugar, podemos verificar o que estamos ouvindo com o que sabemos de Jesus. É arrogante, lascivo, ganancioso, divisionista? Então, isto não é a palavra de Deus. Você ficaria surpreso ao saber quantas “palavras de Deus” falsas podem ser desmascaradas simplesmente pela análise por meio destes dois filtros.

Em terceiro lugar, conversar com os líderes sobre o assunto. Os líderes não são sacerdotes, e eles certamente não são infalíveis, mas o Novo Testamento os descreve como aqueles que orientam e ensinam a igreja. Paulo ouviu Deus muito claramente, mas ele ainda falou muito sobre a responsabilidade dos líderes de corrigir aqueles que estavam falando bobagem. Se você é um líder, suas instruções são bem simples: “Não extingais o Espírito. Não desprezeis as profecias. Examinai tudo. Retende o que é bom.” (1 Ts 5:19-21).

Em quarto lugar, Paulo fala em 1 Coríntios 14 sobre a profecia ser “pesada” ou “julgada” pela igreja. Isto significa que a igreja local, em conjunto, precisa exercitar o discernimento e a sabedoria quando as pessoas profetizam: é esta pessoa de confiança, é esta palavra de Deus, e, se for, qual o “peso” dela? Finalmente, nós simplesmente consideramos o efeito (ou “fruto”) do que pensamos que Deus está dizendo. Ambos Moisés e Paulo nos oferecem um valioso bom senso. Será que a palavra causa as pessoas a se rebelarem contra Deus e servir os ídolos? Então, isto não é de Deus (Dt 13:1-3). Será que isso falha a se cumprir? Então, isto não é de Deus (Dt 18:21-22). Será que isto leva as pessoas a verem Jesus como Senhor? Então, isto é do Espírito Santo (1 Co 12:3). Será que edifica cristãos e causa incrédulos a adorarem a Deus? Então, isto é do Espírito Santo (1 Co 14:03, 24-25). Quando Deus fala, isso se torna realidade, glorifica a Jesus, instiga a adoração, encoraja as pessoas e edifica a igreja. Se essas coisas não estão acontecendo, não é de Deus.

Algumas semanas atrás, Derek Rishmawy escreveu um ótimo artigo aqui sobre o princípio do “abusus non tollit usum”: “O abuso não tira o uso.” Em poucas áreas da vida cristã, esse ponto é mais importante do que ouvir Deus. Sim, há inúmeros exemplos por aí de bobagem, absurdo e estranheza. Mas, apesar desses exemplos, é preciso lembrar que a igreja do Novo Testamento é um povo escatológico, cheio do Espírito, profético e que ouve a voz de Deus – e fomos chamados para ser parte dela. Deus fala, e nós ouvimos. Que privilégio!

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