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Steve Holmes e Alan Jacobs são dois dos mais profundos e perspicazes teólogos evangélicos em nosso meio hoje. Quando eles concordam com respeito a uma questão, e nós discordamos, geralmente é seguro presumir que eles estão certos e nós estamos errados. (Felizmente, uma vez que um é bem anglicano e o outro muito batista, isso não acontece tão frequentemente quanto poderíamos imaginar).

Recentemente, ambos escreveram artigos argumentando que, embora ele mesmos mantenham a visão tradicional de ética sexual, manter a visão revisionista não faz de uma pessoa um falso mestre. Tal perspectiva causará algumas pessoas a concordarem fortemente, algumas a discordarem fortemente e algumas sem saber o que pensar. Mas quero enfocar uma razão particularmente fascinante dada para esta visão (que em última instância considero errada), especialmente no artigo de Steve. O argumento, essencialmente, é que comportamento ético não coloca a salvação final de uma pessoa em risco.

Seus Argumentos

Para Steve Holmes, a afirmação evangélica central da sola fide (“pela fé somente”) deveria resolver a discussão. Se começarmos a somar condições adicionais de comportamento ou estilo de vida à necessidade da fé em Jesus, estaremos minando o próprio evangelho:

Para mim, é extremamente importante, que a salvação dependa de nosso recebimento do perdão oferecido em Jesus e em nada mais. Nada mais. “Sola fide”, para mim, não é um slogan teológico interessante. É, literalmente, a verdade do evangelho. Se adicionarmos esta ou aquela condição, logo começaremos a justificar o assassinato de membros da minha faculdade ou habitantes de minha aldeia. Ainda mais importante do que isso, começaremos a questionar a salvação daqueles que colocaram sua fé em Jesus. . . . Se meus amigos fiéis e professos não têm esperança de salvação, então eu tampouco.

Alan Jacobs endossa o argumento de Steve por inteiro, o que é significativo, mas também acrescenta um ângulo ligeiramente diferente. Com base no fato de que Paulo repreendeu a Pedro na Galácia, não por ser um falso mestre, mas por deixar de “proceder corretamente” em relação à “verdade do evangelho”, Alan escreve:

Logo, se alguém pode estar tão errado quanto Pedro sobre algo fundamental para o evangelho e ainda assim não ser denunciado como um falso mestre, então penso que, se alguns não “procedem corretamente” em relação ao ensino bíblico quanto à sexualidade, não é necessário tratá-los como pseudodidaskaloi, mas podem ser vistos como irmãos e irmãs, os quais aqueles que mantêm a visão tradicional, pacientemente se esforçam por corrigir, sem se separarem deles, exortando-os com a paciência e gentileza recomendadas em 2 Timóteo 3.24-25 [sic ].

Em outras palavras, além de concordar com Steve que “pela fé somente” significa que o comportamento sexual (ou presumivelmente qualquer outro comportamento) não pode comprometer a salvação eterna de ninguém, Alan também argumenta que o escopo do falso ensino se limita à negação do próprio evangelho, e não a questões relacionadas ao “correto procedimento”. Em última análise, nossos atos não devem causar com que não sejamos considerados como crentes, como irmãos e irmãs.

Este é um argumento profundo, e um com o qual muitos evangélicos, especialmente de tradição reformada, se identificarão. Afinal, todos fomos salvos antes de termos produzido uma única boa obra, não é mesmo? Se o comportamento ético pode nos desqualificar da salvação final, então o que acontece com a segurança ou a perseverança dos santos? E se a obediência, seja ela relacional, sexual, moral ou financeira, é essencial para a salvação, então, não perdemos nós o evangelho?

Não é a Única Coisa a Ser Dita

O problema é que há muitas passagens do Novo Testamento que advertem os discípulos quanto a comportamentos que comprometam sua entrada no reino. Jesus é enfático quanto a este ponto no Sermão da Montanha: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.” (Mt. 7.21). “Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus.” (Mt. 5.20). “Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. . . . Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo.” (Mt. 7.17-19). Continuando a ler os Evangelhos, vemos que Jesus contou histórias, uma após a outra, acerca de pessoas cujo comportamento, seja como tratam o dinheiro, as outras pessoas, os pobres e assim por diante, os exclui do reino vindouro.

Paulo, que às vezes é considerado mais brando em relação às obras por sua famosa ênfase na justificação pela fé, é igualmente claro em suas passagens de advertência. “Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte” (Rm. 8.13). “Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá” (1 Co. 3.17). “Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus. Tais fostes alguns de vós”(1 Co. 6.9-11). “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia.” (1 Co. 10.12). “Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria. . . . eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam.”(Gl. 5.19-21). “Sabei, pois, isto: nenhum incontinente, ou impuro, ou avarento, que é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus.” (Ef. 5.5). Nestes textos, e com frequência, Paulo conecta claramente a obediência, e não apenas a fé, com a herança do reino.

Temos ainda, é claro, João Batista (“Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento”), Tiago (“a fé, se não tiver obras, por si só está morta”), Hebreus (“Porque, se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados”), Apocalipse (“Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, . . . a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre”), e assim por diante. Listar textos como esses é um exercício de muitas maneiras desagradável, porque pulamos todas as gloriosas passagens de graça, liberdade, esperança e perdão que as cercam, sem as quais nenhum de nós teria uma esperança. Mas também serve um propósito neste contexto: nossas ações podem nos pôr em risco de julgamento final. A fé sem obras é morta, não apenas sonolenta. Sola fide é gloriosa e belamente verdade, mas não é a única coisa a ser dita.

A Fé Produz Fruto

Deliberadamente evitei falar tanto sobre a ética das relações sexuais do mesmo sexo (tanto Steve quanto Alan mantêm a visão tradicional, pelo que sou grato), quanto sobre a questão de se aqueles que admitem tais relacionamentos devem ser chamados de falsos mestres. Vale a pena considerar especialmente o argumento de Alan sobre o alcance da linguagem do Novo Testamento sobre “ensino falso” e eu mesmo previamente, já apresentei um argumento semelhante. Mas se começarmos a afirmar que a lógica da sola fide significa que não podemos usar a ameaça do julgamento final para alertar as pessoas, se não pudermos mais dizer, com Paulo, que “aqueles que praticam X, Y e Z não herdarão o reino de Deus”, então entramos em território incerto. Para tomar o exemplo mais extremo, se eu fosse um cristão professo que assassinasse pessoas regularmente, não me faria bem algum ser assegurado de que minha salvação não estava em risco. Certamente estaria, e qualquer pessoa que me amasse me avisaria disso.

Como os protestantes gostam de dizer, somos justificados pela fé somente, mas a fé que justifica jamais está a sós. Ao invés de ser uma ideia assustadora, esta é, na verdade, uma das verdades mais confortantes de todas. À medida em que confiamos em Deus, as obras seguem naturalmente. Ao caminharmos pelo Espírito, e permanecermos em Cristo, produziremos muito fruto. Produzir limões não é nenhum esforço para um limoeiro. São apenas as laranjeiras que consideram isto cansativo.

Traduzido por Rafael Salazar.

 

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