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A palavra não precisa ser irritante, mas geralmente é.

Abri meu dicionário Merriam-Webster enorme e vermelho, (sim, eu ainda tenho um destes dinossauros na minha mesa) e encontrei cinco definições para a palavra “autêntico.” Ela costumava significar (1) com autoridade, mas agora significa (2) algo digno de aceitação ou crença ou; reproduzido de acordo com os originais. Autêntico também pode significar (3) verdadeiro ou real, ou (4)refere-se a uma progressão de acordes musicais. É a quinta definição, no entanto, que se tornou padrão: “Fiel à sua própria personalidade, espírito ou caráter“.

Numa época na qual as pessoas desprezam a hipocrisia mais do que qualquer outro defeito e valorizam a transparência mais do que qualquer outra virtude, você pode ser o quão desagradável quiser, fracassar espetacularmente, pecar repetidamente, desde que você nunca finja ser melhor do que você realmente é. Não importa quais erros você fale, pense ou cometa, contanto que você seja fiel a si mesmo. Esta é a vida na “Era da Autenticidade”.

O que não é de todo ruim. Jesus não se tolheu ao repreender os hipócritas de sua época (Mt. 23). É bom dizer a verdade. É bom ser coerente. Em termos gerais, é bom também aprender a estar confortável em si mesmo, e se abster de tentar ser alguém ou alguma coisa que você não é. A autenticidade atrai a tantos de nós, porque nos parece um antídoto para o pedantismo hipócrita e calculado.

Mas viver na Era da Autenticidade vem com muitos perigos – defeitos comuns se tornam mais fatais porque eles são intencionalmente confundidos com virtudes.

Só de cara, deveria ser óbvio (mas não o é) que, se o seu “ser autêntico” é um auto-promotor grosseiro, não é nada honrado você ser fiel à sua própria personalidade. Muitos especialistas têm tentado explicar por que Donald Trump tem mantido sua notável presença no topo das pesquisas do Partido Republicano para candidato à presidência nos EUA, e, provavelmente, as teorias sobre a angústia econômica e desapontamento conservador com o Partido Republicano tem algo a ver com isto (como também tem a cobertura constante da mídia durante meses). Mas Trump também se beneficia de estar praticamente à prova de gafes; não porque ele não as comete, mas sim porque ele as comete tão frequentemente e não parece estar nem aí. Não é meu lugar te dizer o que pensar das políticas do Trump, mas acho que por qualquer medida objetiva ele mostrou-se ser alguém que, como vamos dizer, não preenche os critérios da igreja para liderança descritos em 1 Timóteo 3. Mas, como um candidato na Era de Autenticidade, ele é perfeito. Em 2012, Mitt Romney foi massacrado por causa de um comentário informal sobre cerca de 47% dos cidadãos que não pagam impostos. Rick Perry passou de querido republicano a ser um desastre por causa da palavra “oops” em um debate. Quando os eleitores americanos pensam em Marco Rubio, muitas pessoas ainda pensam nele ficando com sede e bebendo água ao vivo na televisão. Trump é pego em uma dúzia de deslizes como estes – só que muito mais graves -a cada semana. Mas porque ele nunca parece envergonhado, inseguro de si mesmo, ou qualquer coisa que não seja estar feliz em ser ele mesmo, ele tem (até agora) sido impermeável aos momentos complicados habituais que atormentam os candidatos normais. Existe algo refrescante sobre um candidato que se recusa a jogar pelas regras da mídia; mas jogar por suas próprias regras não é nada a se comemorar se estas regras não são dignas de comemoração.

Há sempre o perigo de que a sinceridade louvável se degenere em comportamento grosseiro e estúpido. Gosto de como Anthony Thiselton traduz 1 Coríntios 13:4-5: “O amor espera pacientemente; o amor mostra amabilidade. O amor não arde em inveja; não se gaba e não se infla com sua própria importância. Ele não se comporta com impropriedade mal-educada; não está preocupado com seus próprios interesses; não se exaspera em ressentimento; não mantém registro do mal”. Thiselton salienta que a palavra geralmente traduzida como “se porta inconvenientemente” no versículo 5 é utilizada (como um verbo) em 1 Co 7:36, em referência a se comportar corretamente para com seu noivo e é utilizada (como um adjetivo) em 1 Co 12:23 no que diz respeito às partes não decorosas do corpo que devemos cobrir. Em outras palavras, “Em todos os três contextos o contraste define a oposição entre, de um lado, cortesia, bom gosto, boas maneiras públicas e decoro, e do outro lado, a busca irrefletida dos desejos egoistas imediatos, independentemente das convenções e cortesias da vida interpessoal” (A Primeira Epístola aos Coríntios, 1049). Talvez o pêndulo estivesse fadado a balançar de volta para o “cru” e o “real”, mas talvez tenhamos perdido a lógica bíblica (e amorosa) por trás de proibições antigas contra palavrões, roupas indecentes e o uso de linguagem sexualmente explícita em público. Não importa o que parece mais “autêntico”, os cristãos devem mostrar ao mundo um caminho mais excelente.

Não devemos esquecer que o objetivo daqueles que carregam a sua cruz é auto-negação, e não auto-expressão. Pense em características que você gostaria de ter num pai, num general, num treinador, ou num presidente. A auto-confiança é boa, mas só se for uma confiança enraizada na estabilidade, humildade e sacrifício, praticamente o oposto do que passa por autenticidade hoje. Noções contemporâneas de autenticidade são altamente seletivas. Como Collin Hansen salientou para mim recentemente: “Os caras no site Ashley Madison, criado para encontros extra-conjugais, não são creditados por buscarem seus “eus” autênticos em ter uma amante. Mas o cara que deixa seus filhos por outro homem o é. Kim Davis (funcionária estadual que se recusou a expedir licença de casamento para homossexuais) não é creditada por viver autenticamente. Mas Caitlyn Jenner (Transsexual) o é.” A autenticidade é muitas vezes apenas um outro nome para falácia não filtrada ou um certo tipo de progressismo sexual. Ser autêntico é ser livre de “valores burgueses” de castidade, mansidão e auto-controle.

Há outros riscos também.

Tal como o fato de que, na Era da Autenticidade, o medo da contradição entre o eu público e o eu privado é tão forte, que obrigou muitas pessoas a fundirem os dois em um. Quando ser “real” supera toda preocupação com limites, os devidos processos e a deliberação ponderada, deduzimos que cada descoberta privada e jornada dolorosa deve ser tornada pública. Não há mais espaço para Paulo acampado nas Arábias por alguns anos ou Moisés se recompondo em Midiã por um terço de sua vida; tudo o que estamos aprendendo, tudo o que estamos sentindo, tudo o que estamos experimentando deve ser exposto agora e para sempre.

Com esta fusão do público e privado, vem uma confusão ainda mais profunda sobre a natureza de contrição guiada pelo Espírito. Quando cristãos falam sobre estarem danificados, confusos ou serem totalmente fracassados, creio que sei o que eles querem dizer. Por um lado bom, esta linguagem pode ser uma expressão admirável da presença contínua do pecado que habita em nós e nossa constante necessidade de um Salvador. Mas temos que ter cuidado. Admitir agir bestamente, não captura exatamente a linguagem explicitamente moral da súplica de Davi a Deus no Salmo 51 (como se Deus olhasse para os pecadores com um sorriso cansado e dissesse: “Vem cá, bobinho, e deixe-me lhe fazer um cafuné”). Da mesma forma, simplesmente ser honesto sobre fraquezas em sua vida, não é o que o Catecismo de Heidelberg tem em mente quando diz que “o processo de morrer do velho ser” é “se arrepender genuinamente do pecado, a odiá-lo mais e mais e, fugir dele” (Pergunta/Resposta 89). A autenticidade não deve ser confundida com o arrependimento.

Talvez o maior perigo de todos na Era de Autenticidade é que o nosso próprio “eu” fica deslocado. Para aqueles que foram unidos a Cristo através do milagre da fé e do poder do Espírito Santo, ser fiéis a nós mesmos significa ser fiel a Cristo em nós.  Lembre-se, foram os gnósticos que propalavam o falso evangelho da salvação-através-da-auto-consciência, enquanto o evangelho verdadeiro promete algo melhor do que a autenticidade. O Novo Testamento diz pouco sobre entrar em contato com o seu verdadeiro ser e muito sobre caminhar ao passo do verdadeiro “Ele”. Se você seguir a lógica de Mateus 23, torna-se claro que a hipocrisia é, essencialmente, dizer uma coisa enquanto se faz outra. Não vamos cometer o erro de pensar que o que fazemos, pensamos ou sentimos, importa menos do que se admitimos fazer, pensar e sentir estas coisas. Agir de uma forma correta e apropriada, mesmo quando você tem vontade de fazer algo diferente, não é hipocrisia. É maturidade.

Revista-se das virtudes de Cristo, despojai-vos dos vícios da escuridão. Este é o modelo do Novo Testamento (Ef 4; Cl. 3). Experimente-o, com muito trabalho e humildade, com paixão e oração, com progresso real e com uma vida inteira de arrependimento. Na verdade, é muito mais prático, muito mais adequado à pregação e muito mais poderoso do que todos os substitutos estilosos que passam por integridade e caráter nesta Era da Autenticidade.

Traduzido por Suzana L. Braga.

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