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Eu (Sam) encontrei uma antiga membro da igreja no mercado. Tivemos uma rápida conversa, mas expôs uma preocupação muito maior. Ela estava passando por uma espécie de crise, e já não a víamos na igreja há algumas semanas. Então, quando a encontrei, disse o quanto sentíamos a sua falta e como seria bom vê-la na igreja novamente. Ela me disse que não poderia voltar até que estivesse melhor. Não queria que as pessoas a vissem enquanto lidava com a confusão em sua vida: “Estou esperando a tempestade passar, e que eu consiga colocar as coisas em ordem para poder voltar à igreja.”

Estas palavras foram angustiantes. A igreja deveria ser o lugar para onde corremos em nossos piores momentos, não o lugar que evitamos até termos nosso cristianismo digno do Instagram de volta nos trilhos.

Percebi imediatamente que a perspectiva daquela pessoa não era saudável, mas notei que algo mais estava errado. Havia uma divergência entre a beleza da verdade proclamada em minha igreja e a cultura que havíamos cultivado. Nossa comunidade começara a incorporar mais dinâmicas sociais de autojustificação do que as dinâmicas sociais da justificação pela graça.

Paulo, em sua epístola aos gálatas, promove o evangelho em dois níveis: na doutrina e na cultura. Vemos três convicções teológicas na epístola tornarem isso claro.

1. Não somos justificados pela lei, e sim mediante a fé em Jesus (Gl 2.16).

Os Trinta e Nove Artigos da Religião (1571) resumem bem a doutrina de Paulo: “Somos reputados justos perante Deus, somente pelo mérito do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo pela Fé, e não por nossos próprios merecimentos e obras. Portanto, é doutrina mui saudável e cheia de consolação a de que somos justificados somente pela Fé.”

Nunca somos justificados pelos nossos próprios esforços. Em vez disso, nossa justificação é objetivamente exterior. Ela está lá fora em um outro alguém, cujo nome é Jesus Cristo. Isso é para a nossa alegria, como nos lembra John Bunyan em Graça Abundante ao Principal dos Pecadores (Editora Fiel, 2006):

“Um dia, enquanto andava pelo campo, as seguintes palavras subitamente adentraram minha alma: “Sua justiça está no céu”. Além disso, pensei ter visto, com os olhos de minha alma, Jesus Cristo à destra de Deus. Minha justiça estava no céu; de modo que, onde quer que eu estivesse, ou independentemente do que eu fizesse, Deus não poderia dizer a respeito de mim: “Ele necessita da minha justiça”, pois minha justiça estava bem diante dele. […] Tendo chegado a este ponto, descansei muito confortavelmente, por algum tempo, em paz com Deus por meio de Cristo. “Ali!”, pensei, “Cristo, Cristo!” Perante meus olhos, nada havia além de Cristo.”

2. A autojustificação é o impulso mais profundo do coração humano caído.

Paulo escreveu, “Ó gálatas insensatos! Quem vos fascinou a vós outros, ante cujos olhos foi Jesus Cristo exposto como crucificado? […] Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne?” (Gl 3.1, 3). Você pode sinceramente concordar com a doutrina bíblica da justificação somente pela fé. Mas, no fundo do coração, não é tão simples assim, não é? Temos um desejo profundo de nos salvarmos. O legalismo é nossa língua materna. Ao mesmo tempo, nosso pecado inclui um filtro oculto que bloqueia a clareza sobre o nosso próprio pecado.

Martyn Lloyd-Jones descreve nossa falta de autoconhecimento:

“Você nunca conseguirá se fazer sentir que é um pecador, porque há um mecanismo em você, como resultado do pecado, que sempre te defenderá de toda acusação. Estamos todos muito confortáveis com nós mesmos, e sempre conseguimos criar uma boa defesa para nós. Mesmo que tentemos nos convencer de que somos pecadores, nunca conseguiremos. Há apenas uma maneira de saber que somos pecadores: ter uma vaga e cintilante visão de Deus.”

Nossa mentalidade de autojustificação cega torna a carta de Paulo aos gálatas infinitamente relevante. A justificação por meio da justiça própria não é apenas um problema dos gálatas ou um problema da Igreja Católica Romana; é um problema humano universal. É o nosso problema. Você e eu estamos sempre, na melhor das hipóteses, a um passo de distância de seus poderes sombrios. É possível pregar e defender a doutrina da justificação somente pela graça sendo motivado pela autojustificação—colhendo, assim, seus frutos amargos em nossas igrejas.

3. Quando verdadeiramente crida, a doutrina do evangelho cria uma cultura do evangelho.

Paulo encoraja os gálatas, “andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne. […] [pois] o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei” (Gl 5.16, 22-23).

Quando o evangelho é claramente ensinado e a igreja local crê profundamente, ele faz mais do que nos renovar pessoalmente. A doutrina da graça cria uma cultura de graça. O evangelho é tanto articulado no nível evidente da doutrina quanto encarnado no nível sutil do ambiente, ethos, sentimento, relacionamentos e comunidade. As pessoas são honestas em suas confissões, carregam os fardos umas das outras e buscam suportar-se mutuamente em demonstração de honra.

Nossos impulsos de autojustificação tornam difícil manter tanto a doutrina quanto a cultura do evangelho em uma igreja, mas vale a pena lutar por isso. Paulo não estaria satisfeito se as igrejas para as quais escreveu apenas reafirmassem a doutrina bíblica da justificação pela fé em seus credos; ele esperava que estabelecessem uma cultura consistente com essa doutrina. E é isso que devemos buscar. Quanto mais claramente a doutrina for ensinada e quanto mais admiravelmente uma cultura cheia do Espírito for cultivada, mais poderoso será o testemunho profético da igreja, proclamando Jesus como o poderoso Amigo dos pecadores.

Traduzido por Vittor Rocha.

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