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Anônimo de Austin, Texas, pergunta:

O Novo Testamento ensina que um filho descrente desqualifica um presbítero?

Pedimos uma resposta para Justin Taylor, pai de três filhos, presbítero na New Covenant Bible Church em St. Charles, Illinois, e vice-presidente em publicação de livros na Editora Crossway. Ele responde:

Podem haver poucas coisas na vida mais dolorosas do que um filho descrente. E quando é o filho ou a filha de um presbítero, as questões assumem uma dimensão pública na vida da igreja. O apóstolo Paulo não diz algo sobre presbíteros precisarem ter filhos que são crentes? Os versos em questão são 1 Timóteo 3:4-5 e Tito 1:6. Vamos olhá-los mais detalhadamente abaixo, mas neste momento é útil olhar para as duas conclusões diferentes que fiéis intérpretes encontraram. Douglas Wilson defende a primeira opção: “Se os filhos de um homem caírem fora da fé (doutrinariamente ou moralmente), ele é nesse ponto desqualificado para o ministério formal na igreja” (Douglas Wilson, “The Pastor’s Kid” em Credenda/Agenda, vol. 2. n. 3). Alexander Strauch defende o segundo ponto de vista: “O contraste é feito não entre filhos crentes e descrentes, mas entre filhos obedientes, respeitosos e os sem regras, descontrolados.” Em outras palavras, Paulo está falando sobre “o comportamento dos filhos, não o seu estado eterno” (Alexander Strauch, Biblical Eldership: An Urgent Call to Restore Biblical Church Leadership, 229). Qual é a visão correta? Para responder a isso, temos que olhar com cuidado os textos-chave.

Liderança Fiel na Igreja e em Casa

Em 1 Timóteo 3:4, Paulo diz que um presbítero “deve governar bem sua própria família, tendo os filhos sujeitos a ele, com toda a dignidade.” No versículo seguinte, ele explica por quê: “pois, se alguém não sabe governar sua própria família, como poderá cuidar da igreja de Deus?” A resposta óbvia para a pergunta retórica é que ele não pode. Em outras palavras, se você não pode governar a sua família em casa, você não será capaz de cuidar da família de Deus. Se você perde o controle de seus filhos regularmente, por que você deve ser confiado a conduzir e proteger o rebanho? John Stott entende a lógica bíblica corretamente: “O pastor casado é chamado à liderança em duas famílias, a sua e a de Deus, e a primeira deve ser o campo de treino para a última” (John Stott, A Mensagem de 1 Timóteo e Tito, p. 98) Nada disso é particularmente controverso. É quando chegamos a Tito 1:6 que a pergunta mais difícil surge.

Os Filhos de Um Presbítero Devem ser Crentes?

Paulo diz que o presbítero tenha “filhos crentes que não sejam acusados de libertinagem ou de insubmissão.” À primeira vista, a resposta parece óbvia. Paulo diz que os filhos de um presbítero devem ser crentes. Mas observe a nota de rodapé: “crentes” também pode ser traduzido “fiéis”. (É importante prestar atenção às notas de rodapé nas traduções dos textos bíblicos, pois eles nos alertam quando há outras opções de tradução igualmente válidas.) A palavra grega aqui é pistos, que pode significar tanto “crente” quanto “fiel” nas epístolas pastorais. (Por exemplo, veja “senhores crentes” em 1 Timóteo 6:2 e “homens fiéis” em 2 Timóteo 2:2). Estudo de palavras por si só não pode resolver isso—depende do contexto. Mas vamos ser claros sobre as duas opções: Paulo quis dizer que (1) filhos de um presbítero precisam ser crentes, ou que (2) filhos de um presbítero devem, pelo menos, serem fiéis, submissos e obedientes. Como decidimos? Os Reformadores insistiram com razão que devemos permitir que a Escritura interprete a Escritura. Aqui nós temos um autor (Paulo) escrevendo separadamente a dois jovens plantadores de igrejas (Timóteo e Tito) falando sobre o mesmo assunto (qualificações de um presbítero). Como as duas passagens sobre a vida familiar se comparam? Quando olhamos para o grego, vemos como a linguagem é similar entre 1 Timóteo 3:4 e Tito 1:6. Você pode ver as semelhanças, mesmo que você não conheça grego.

A suposição mais natural é que Paulo está dizendo a mesma coisa de formas ligeiramente diferentes. (Como Andreas Köstenberger aponta, seria incomum se Paulo deu a Timóteo um padrão mais suave em relação a filhos de presbítero e para Tito um mais rigoroso.) Se elas significam a mesma coisa, então ter filhos que são pistos significa ter filhos que são hypotagē. E o que significa ter filhos que são hypotagē? Paulo explica na próxima oração: “que não sejam acusados de libertinagem ou de insubmissão” (veja nota abaixo*).

Mais Quatro Razões

Com isso em mente, aqui estão mais quatro razões que me inclinam a crer que Paulo está se referindo à submissão e obediência dos filhos de um presbítero, e não à sua salvação.

  1.  A pergunta básica de 1 Timóteo 3:5 conecta explicitamente as qualificações do presbítero com suas habilidades para governar o lar no versículo 4. Existe algo santificador em ser filho de um pai crente (1 Co. 7:14). Isso não garante salvação, mas essa realidade relacional diferencia o filho de alguma forma. Um lar piedoso, com o evangelho como centro, não produz automaticamente um filho crente, mas Deus criou as coisas de tal forma que frequentemente este é o caso. Na providência de Deus, a modelagem da crença e o aroma do evangelho no lar são muitas vezes os meios de produzir salvação pela graça. Nada disso significa, porém, que há uma correspondência de um para um entre fé salvadora e boa gestão espiritual da casa. Vemos tanto na Escritura quanto na experiência que a liderança boa e piedosa nem sempre evita que os filhos se afastem, seja espiritual ou fisicamente. Por isso é confuso quando John Stott diz: “Uma extensão do mesmo princípio pode ser que presbíteros-bispos dificilmente possam ganhar estranhos para Cristo, se eles falharam ao ganhar aqueles que estão mais expostos à sua influência, seus próprios filhos” (John Stott, A Mensagem de 1 Timóteo e Tito, 176). Isso soa correto de início, mas sabemos que não é verdade—evangelistas eficazes podem ter filhos que deixem a fé—e no final do dia, devemos lembrar que a salvação pertence ao Senhor, que tem misericórdia de quem ele quer ter misericórdia. Se nós “esperamos” alguém ser vencido para a fé, estamos provavelmente esquecendo a inescrutabilidade da graça.
  2. Mesmo os melhores gestores dentre os pastores têm incrédulos dentro de sua igreja ou sob sua esfera de influência (cf. Gálatas 1:6). É possível que um pastor governe a igreja (a casa de Deus) bem, mesmo que nem todos nela sejam crentes. Se é assim, então parece que se pode governar sua família (a casa menor) bem, mesmo que nem todos nela genuinamente acreditem.  
  3. Insistir que ter filhos crentes é um pré-requisito para o presbiterado leva a algumas perguntas desconfortáveis. O que fazemos com um presbítero que tem um número de filhos crentes, andando fielmente com o Senhor—mas só um que não? Se a maioria dos seus filhos são crentes, não é ele um bom gestor de sua casa? Ou será que um filho descrente compromete toda a sua capacidade de governar a casa? Se isso acontece, então por que qualquer um de seus filhos vieram a ser crentes?  
  4. Todos os requisitos para o presbiterado listados nesta passagem (ser marido de uma só mulher, ser moderado, sensato, respeitável, hospitaleiro, apto para ensinar, não ser bêbado, não amar ao dinheiro, e não ser recém convertido) são ações de responsabilidade pessoal. Seria de se esperar que o requisito sobre seus filhos estaria na mesma categoria. Exigir que seus filhos tenham uma fé salvadora genuína é exigir responsabilidade pessoal pela salvação de outro, algo que eu não vejo ser ensinado na Escritura.  

Efeito Profundo

1 Timóteo 3 e Tito 1 estão se referindo a submissão e comportamento geral dos filhos do presbítero. Deus criou o universo de tal maneira que o papel paterno de disciplinador, modelo, autoridade e líder servidor geralmente tem um efeito profundo no comportamento dos filhos. Paulo não explica como isso se parece em cada caso, nem enuncia todos os detalhes do que vai desqualificar uma presbítero. O caso geral, contudo, é claro:

O que não deve caracterizar os filhos de um presbítero é a imoralidade e a rebeldia indisciplinada, caso os filhos ainda morem em casa e sob a sua autoridade. Paulo não está pedindo nada a mais do presbítero e seus filhos do que é esperado de cada pai cristão e seus filhos. No entanto, apenas se um homem exerce tal controle adequado sobre seus filhos ele pode ser um presbítero. (George W. Knight III, Commentary on the Pastoral Epistles, p. 190. Veja p. 161 para seu argumento de que Paulo está se referindo a tekna (“filhos”) que estão sob autoridade e ainda não são maiores de idade.)

Que Deus dê aos pastores e presbíteros de nossas igrejas graça e sabedoria para liderar fielmente tanto as suas igrejas quanto suas casas.
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*Em correspondência pessoal (13/10/11, citado com permissão) Doug Wilson escreve: “Estou feliz de traduzir a palavra de maneira fiel, e de dizer que significa que os filhos devem estar ‘sob uma boa liderança.’ Mas eu não sei por que um filho seria considerado obediente se fossem obedientes quando se trata de arrumar a sua cama e ficar longe de cocaína, mas desobediente ao mandamento central de amar a Deus através de Jesus Cristo.” O problema com isso é que precisamos deixar o próprio Paulo explicar o que ele quer dizer com fidelidade e obediência, e ele o explica negativamente em termos de comportamento público (“não sejam acusados de libertinagem ou de insubmissão”) em vez de fidelidade espiritual ao evangelho em si.

**Gostaria de agradecer a Ray Van Neste, Tom Schreiner, e Andreas Köstenberger por oferecer comentários úteis sobre um esboço anterior desta resposta.

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