×
Procurar

Recentemente, deparei-me com alguns diferentes escritores levantando questões sobre o valor de afirmar a inerrância ou infalibilidade da Bíblia, ambas articuladas sobre a relação entre o texto e a interpretação. Um, em voz alta, questionava a coerência de reivindicar um texto infalível quando você é um pecador finito, cujas faculdades são limitadas, provavelmente desordenadas pelo pecado e vontade própria, e cujas interpretações devem ser falhas. O outro, um pouco mais ousadamente, afirmou que a doutrina era desnecessária, servindo apenas à arrogância humana, adicionando peso ao próprios pronunciamentos falíveis do requerente.

Embora ambas as objeções são bastante compreensíveis, e o primeira bastante razoável, elas compartilham uma falha comum de distinguir entre as afirmações teológicas que estão sendo feitas sobre a própria Bíblia, e aquelas para a nossa própria interpretação da Bíblia. Em outras palavras, é a diferença entre inspiração e iluminação, e sua relação com o texto.

Inerrância e Inspiração vs Iluminação

Para ser claro desde o início, a inspiração é uma doutrina sobre a origem e a natureza do texto da Escritura. A doutrina clássica sobre a inerrância ou infalibilidade da Bíblia (e sim, eu estou usando os termos um pouco alternadamente), é também sobre a natureza do texto que Deus inspirou através de autores humanos no passado. É, a grosso modo, a ideia de que tudo o que a Bíblia fala, ela fala com “veracidade absoluta”, sem nenhuma falsidade anexada.

Por outro lado, a doutrina da iluminação fala da obra do Espírito Santo em nossos corações e mentes para superar a nossa resistência pecaminosa à verdade do que ele inspirou, em primeiro lugar. Sim, está relacionada com o texto, mas preocupada com a sua recepção, e não com a sua produção ou natureza. Enquanto a nossa compreensão de ambas as doutrinas afetará nossa abordagem do texto, a iluminação lida mais diretamente com a questão da interpretação e compreensão.

Afirmar, então, que Deus inspirou um texto inerrante não é o mesmo que afirmar a inerrância também da minha interpretação. Isso envolveria uma definição de iluminação que nenhum teólogo ortodoxo Reformado faria. Então, poderíamos perguntar, qual é o benefício de reivindicar esta veracidade absoluta do texto, mesmo embora admitindo a possível e, na verdade, provável falibilidade de toda interpretação humana? Consigo pensar em pelo menos dois.

Deus Confiável

A primeira tem a ver com o caráter de Deus. Como Kevin Vanhoozer mostrou em Primeira Teologia, as reivindicações que fazemos sobre o texto da Escritura estão ligadas às reivindicações que fazemos sobre o Deus que escreveu a Escritura. As duas doutrinas estão mutuamente informando e, embora distinguíveis, estão, em última análise, interligadas em nossa doutrina da revelação.

Um texto falível ou implica um Deus falível, um com preocupação questionável pela verdade, ou um Deus distante e não pessoal. Nenhuma dessas opções me leva a uma profunda garantia da palavra do evangelho sobre a qual minha salvação depende. Como Andrew Wilson observa, “Eu acharia estranho dizer às pessoas que toda a Bíblia representa a palavra de Deus, e a palavra de Deus é completamente verdadeira, mas que partes da Bíblia não são completamente verdadeiras.” Coisa não exatamente inspiradora.

Por outro lado, um texto infalível está ligado à idéia de um Deus totalmente confiável, completamente honesto que se preocupa efetivamente em comunicar a verdade ao seu povo. Sem surpresa, essa é a imagem de Deus que encontramos na Escritura. É claro que uma boa doutrina Reformada de Cognoscibilidade permitirá uma explicação com mais nuances de como Deus condescende em fazer-se conhecido a nós através de autores inteiramente humanos, linguagem, conceitos e assim por diante. Ao mesmo tempo, essas questões fazem sentido dentro de uma doutrina das Escrituras que assume um Autor fundamentalmente confiável.

Razão para Lutar com o Texto

Em seguida, um texto infalível nos dá uma razão profunda para realmente contender com ele. Muitas vezes ouvimos que apelar para um texto inerrante impede a conversa e identifica a sua própria interpretação com a Palavra do Senhor. O argumento afirma que um texto basicamente confiável, mas ainda falível significa que temos de lutar e, humildemente, abrir-nos à conversa com os outros, à experiência, e assim por diante.

Eu não posso dizer que já achei esse argumento moderadamente convincente. Sim, há uma tentação grave para os crentes treinados em certos círculos conservadores de dar um curto-circuito no diálogo e evitar a tensão, as perguntas, e a profunda confiança necessária para crer em meio a perguntas. Isso pode, e, infelizmente, acontece. Portanto, você deveria ser levado a contender com o texto quanto mais elevada for a visão do texto que você afirma ter, uma vez que você acha que o texto é a verdade de Deus de alguma forma.

Ao lidar com a questão das contradições na Bíblia, G. K. Beale aponta que, longe de cortar a contenda e a luta intelectual com o texto, uma visão elevada da veracidade das Escrituras leva a um estudo mais profundo, à oração, à conversa com outros intérpretes, e a lutar para ver como isso é verdade. Da mesma forma, a consciência de que estas são as próprias palavras de Deus deve levar a uma abordagem humilde que não atribui muita autoridade para o entendimento próprio de alguém, mas que o faz tremer só de pensar em deturpar a Palavra de Deus.

Em vez disso, quando você tem um texto falível, assim que você se depara com uma passagem preocupante, um relato que você não pode conciliar rapidamente com outro, ou um mandamento que você acha abominável, você tem a opção mais fácil de “apenas ser honesto”, “considerar o que realmente é” e “admitir” que o texto está errado. Normalmente, este processo não acontece de uma vez só, mas quanto mais você apertar o botão “delete”, mais fácil fica apertá-lo. Aqui nos deparamos com a ironia da objeção. Para afirmar um texto falível, você tem que definir arrogantemente a sua própria razão e pressupostos culturais em julgamento sobre o texto que você está considerando anormal e falso.

Neste ponto, vemos como inerrância afeta nossas interpretações. Ela não credibiliza as interpretações a fim de reforçar as nossas reivindicações arrogantes de correção. Em vez disso, alimenta um esforço humilde para ouvir a voz de nosso Deus fiel, falando a verdade nas Escrituras.

CARREGAR MAIS
Loading