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Seriam exagerados os medos sobre o tempo que as crianças passam diante de telas?

Na conservadora revista The Weekly Standard, Laura Vanderkam argumenta que muitos pais estão preocupados demais com esta questão. Ela lê “textos angustiados, com indicações de virtude” online de pais que creem que a melhor abordagem é manter os filhos longe dos dispositivos o máximo possível.

“Os artigos seguem um arco básico”, escreve Vanderkam.

“O escritor vê uma criança pequena colada em um iPad, é atormentado por esta imagem e tem nostalgia de uma era perdida da infância, que parece ter ocorrido em algum dia de agosto de 1956. Ele ou ela declara que de agora em diante, as crianças passarão todo o tempo livre subindo em árvores ”.

Necessitamos relaxar, diz ela.

“Se você é o tipo de pai que está preocupado com isto, não deveria se preocupar. Seus filhos vão ficar bem. De fato, seus filhos, em virtude de terem pais conscientes, cujas preocupações tendem mais para o uso do iPhone do que de serem despejados de suas casas, estão entre as pessoas mais sortudas do planeta ”.

Heresia Sobre o Tempo de Tela?

Laura Vanderkam descreve sua visão como “heresia sobre o tempo de tela”. O que decidimos sobre a quantidade adequada de tempo gasto perante telas realmente não importa. Dados de pesquisa não são conclusivos. O mundo é complicado. Nem todo tempo de tela é equivalente. Nem todas as atividades online são iguais.

Além disso, as preocupações desvendam um elitismo, visto que, em grande parte, são profissionais formados que se preocupam com o tempo de tela. “Crianças de origens mais difíceis têm um tempo mais difícil”, diz ela. É melhor ficar em casa jogando Fortnite do que ter filhos andando por aí em “um bairro perigoso e cheio de gangues”.

A “heresia” de Vanderkam se coloca contra os que advertem contra o uso excessivo do smartphone, incluindo o recente livro de Jean Twenge, iGen, que foi lançado com um artigo viral no The Atlantic chamado “Have Smartphones Destroyed a Generation” [Teriam Os Smartphones Destruído Uma Geração]. Nos círculos cristãos, Andy Crouch aconselha famílias a adiarem a introdução das telas até que as idades das crianças estejam na casa dos dois dígitos (e isto inclui também a televisão!). Tony Reinke escreveu sabiamente sobre os efeitos positivos e negativos dos smartphones, não apenas sobre a vida das crianças, mas também sobre os pais. A razão pela qual dediquei o primeiro capítulo de This Is Our Time [Este É O Nosso Tempo] a este assunto é porque dificilmente podemos entender nosso momento atual sem considerar o efeito do telefone em como vivemos.

Vanderkam não nega os perigos de se dar um telefone para crianças. Ela reconhece que a internet mundial está cheia de coisas horríveis. Ela compreende que a pornografia, o sexting [trocas de mensagens com conteúdos sexuais] e as comunidades violentas e cheias de ódio são destrutivas. Ela admite que os problemas de saúde mental aumentaram desde que nossos telefones se tornaram nossos companheiros sempre presentes.

Mas por que só olhar para os perigos? E os bons sinais? Prisões de adolescentes estão em baixa, e mais pessoas estão se formando no ensino médio nos dias de hoje.

Ao final, o ponto de Vanderkam é que os pais devem fazer o que é melhor para suas famílias. “Basta reconhecer que trata-se principalmente de preferências, em vez de respostas certas ou erradas”, escreve ela. Sua própria família tem uma política de uma hora por dia nos dias de semana e menos restrições nos finais de semana. Estão prestes a dar um iPhone ao seu filho de 11 anos.

A Razão Real Pela Qual Ficamos Inquietos ​em Relação a Nossos Telefones

Concordo com Vanderkam que os pais necessitam descobrir o que funciona melhor para suas famílias. Eu entrevistei amigos e cada um têm práticas diferentes. A chave é a intencionalidade e a sabedoria, entrando nesta era com os olhos bem abertos, não na escuridão, sem se dar conta.

Ainda assim, não acho que o artigo de Vanderkam chegue à raiz daquilo que causa angústia para muitos pais. A sensação de desconforto que sentimos não é por estarmos convencidos de que o telefone está fazendo algo horrível com nossos filhos, ou que os predadores estão ocultos por trás de cada interação online. É a crença de que fomos feitos para algo mais do que olhar para uma tela o dia todo. É o medo de que essas conquistas tecnológicas tenham vindo à custa de nossa humanidade. O medo de que, à medida que os conhecidos crescem em número, as amizades tenham diminuído. Que, pela comunicação ter ficado mais fácil, a verdadeira compreensão ficou mais difícil.

Nossa capacidade de estar presente online em todo lugar nos custa a capacidade de estar totalmente presentes pessoalmente em qualquer lugar? Nas férias do mês passado, nossa filha de 10 anos contou 19 pessoas sentadas na praia e notou que 17 delas estavam em seus telefones. Ao entrarmos em qualquer restaurante observaremos pessoas que se reuniram para conversar, mas que estão todas em seus aparelhos. Não é de se admirar que existam aplicativos que limitam o tempo de tela ou restaurantes que banem telefones ou pais que decidem tomar medidas para impedir que o telefone se torne onipresente.

Invenções, Concessões e Sabedoria

Entendo que cada geração poderia ter argumentos semelhantes sobre os avanços tecnológicos. A invenção do ar condicionado, por exemplo, levou as pessoas para dentro de casa durante as noites quentes e pegajosas do verão, quando, anteriormente, o calor levava as pessoas para fora em suas varandas para beber chá gelado com os vizinhos. (Eu não vejo ninguém ansiando pelos dias antes de haver ar condicionado.)

Mais adiante, a televisão tornou-se um dos pilares da maioria dos lares norte-americanos. Foram-se os dias em que os vizinhos se reuniam no salão ou na sala de estar para cantar canções e contar histórias. Somos entretidos por estranhos em uma tela ao invés de pelos vizinhos do bairro.

Cada nova invenção ou forma de entretenimento pode levar a uma perda correspondente de comunidade de alguma forma. Cada geração faz suas concessões. Cada salto na tecnologia tem um lado negativo correspondente. Laura Vanderkam está certa em nos alertar contra o excesso de ansiedade e o medo do “futuro”. Mas não creio que o artigo dela capte o cerne da angústia de muitos pais no dia de hoje. Não é o pior cenário que nos preocupa, mas estamos deixando de lado aquilo que é melhor, os elementos da interação humana que nos tornam pessoas melhores e mais completas.

Por essa razão, os pais cristãos devem pensar mais sobre esses assuntos, não menos. Não é necessário ficar com medo e ansiosos. Mas vamos parar de agir como se a tecnologia estivesse nos mantendo como reféns. Se quisermos introduzir tecnologias em nossos lares, devemos considerar antecipadamente as compensações e desvantagens. Devemos estar dispostos a recuar e tomar decisões diferentes se tivermos errado. Devemos ter um plano. Porque a verdadeira “heresia” hoje não está em lidar com o telefone de forma frouxa, mas sim de uma maneira rígida.

Traduzido por Thaisa Marques.

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