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Quando iniciei meu trabalho na Desiring God, notei um monitor na parede do escritório e entre múltiplas funções úteis, mostrava também o número de visitantes no site em tempo real. Na parte inferior da tela em letras menores, podíamos ver detalhes como o total de usuários em páginas específicas. Assim, quando um novo artigo era publicado, era possível observar as centenas de acessos acumulando-se, aumentando conforme o artigo ganhava popularidade, atingindo seu pico em algumas horas e, depois, diminuindo gradualmente.

Com o passar do tempo, o monitor parecia vigiar-me incessantemente, lembrando-me do olho sem pálpebras de Sauron. Podia ver alguns de meus artigos despencarem em pleno voo, reduzindo-se a poucas dezenas de visualizações à tarde. Uma cálida sensação se infiltrava: insegurança. Eu dediquei tempo e energia produzindo aquele artigo. Esperava uma maior atenção por parte dos leitores. Será que este é realmente o chamado de Deus para a minha vida?

Lembro-me de me identificar com Shakespeare quando em sua famosa passagem de Troilus e Cressida, 3.3.99, ele descreveu o homem como sendo incapaz de saber o que tem, a não ser por reflexo externo. Queria dizer que um homem não poderia se conhecer como pensava ser, a menos que outros o reconhecessem como tal. Será que eu era bom? Eu só poderia saber pela validação externa. Elogios calorosos ou os números impressionantes em uma tela precisavam me dizer isso. Se um escritor publica um artigo, mas não recebe elogios, valeu a pena escrevê-lo? A tentação começa a se infiltrar: eles ficarão impressionados? Será bom o bastante para despertar inveja?

Aquela tela exibia não só as minhas estatísticas, mas também as dos demais. Naturalmente, surge a tentação da comparação: monitor, monitor meu na parede, existe algum mais belo do que o meu? Embora nem todos sejamos escritores, podemos sentir essa tentação, não é mesmo? As métricas podem ser diferentes, mas cada um de nós tem seus próprios monitores.

Olho Doente

O Que é Inveja?

Inveja: a filha favorita do orgulho, o apetite sombrio que transforma aliados em inimigos e anjos em demônios.

Inveja: a lua rival incapaz de compartilhar o céu com o sol, por medo de descobrir-se como a luz menor.

Inveja: a gênese do assassinato humano, um pecado do qual o sangue de Abel ainda fala.

Inveja: a doença que se agrava com as bênçãos de Deus… dadas a outros

Inveja: aquele vento amargo que esfria o trono do rei, mesmo após a vitória, ao ouvir o canto das mulheres nas ruas, “Saul matou os seus milhares, porém Davi, os seus dez milhares” ‭‭(1 Samuel‬ ‭18‬.‭7‬ ‭NAA‬‬).

Quando o Orgulho ouviu aquele cântico, o texto nos diz, “Daquele dia em diante, Saul não via Davi com bons olhos” (1 Samuel 18.9). O olho cheio de sangue fixado no sucesso dos outros, o esgar quando outros são mais notados, mais elogiados, ou (você odeia admitir) simplesmente melhores do que você naquilo que você é bom. Reconhece aquele olhar mesquinho que mira os irmãos de cima a baixo, pronto para atirar a lança, e pensa assim: “Vou encravar Davi na parede? Todos temos nossas lanças. Temos nossas maneiras de explicar por que nossos rivais não são realmente tão talentosos, maravilhosos, belos ou piedosos assim.

Inveja, o encantamento que pode levar um homem a matar seu irmão ou um homem a matar seu Deus: “Vocês querem que eu lhes solte o rei dos judeus?” Pilatos uma vez perguntou. “Pois ele bem percebia que era por inveja que os principais sacerdotes lhe haviam entregado Jesus” (Marcos 15.9–10).

Sabedoria de Demônios

Foi durante aquele período de tentação que Deus me concedeu a graça de fazer aquilo que minha carne resistia: certo dia, chamei um irmão de lado e confessei a ele minha inveja por seu recente sucesso. Essa confissão, embora humilhante e constrangedora, agiu como um raio de luz, dissipando o pecado. Se você sente inveja de alguém, considere confessar essa tentação para a pessoa, para juntos vencerem essa sabedoria demoníaca.

“Demoníaca” não é uma hipérbole. O apóstolo Tiago escreve, “Se, pelo contrário, vocês têm em seu coração inveja amargurada e sentimento de rivalidade, não se gloriem disso, nem mintam contra a verdade. Esta não é a sabedoria que desce lá do alto; pelo contrário, é terrena, animal e demoníaca” (Tiago 3.14-15).

Como podemos resistir? Para responder, vou utilizar o demônio fictício de “Cartas De Um Diabo a Seu Aprendiz”, de C.S. Lewis, para nos ajudar, não com o diagnóstico (no qual Lewis se destaca), mas para nos guiar a uma cura. Na 14ª carta do livro, o demônio escreve cartas ao seu sobrinho aprendiz,

O Inimigo quer levar o homem a um estado de espírito em que ele poderia projetar a melhor catedral do mundo, tendo consciência de que é a melhor, e se alegrar com esse fato, sem estar mais (ou menos), ou, de outra forma, feliz de tê-la construído do que ficaria se a catedral tivesse sido criada por outra pessoa. O Inimigo quer que o homem, no final, seja tão livre de tendenciosidades em proveito próprio, que ele possa regozijar-se com seus próprios talentos de forma tão franca e grata quanto com os talentos de seu semelhante — ou com o nascer do sol, ou um elefante, ou uma cachoeira (Lewis 52).

Você não deseja um coração como esse? O tipo que, como Moisés, independentemente de seus dons específicos, exclama: “Ah, se todos fossem profetas!” (veja Números 11.29). Ou, “Ah, se todos fossem mães experientes, pregadores influentes, homens habilidosos vivendo para a glória de Deus!” Ou como Paulo, tão devotado à missão de seu Mestre que ele fala sobre a inveja de outros ministros,

“É verdade que alguns proclamam Cristo por inveja e rivalidade, mas outros o fazem de boa vontade. Estes o fazem por amor, sabendo que estou incumbido da defesa do evangelho; aqueles, porém, pregam Cristo por interesse pessoal, não de forma sincera, pensando que assim podem aumentar meu sofrimento na prisão. Mas que importa? Uma vez que, de uma forma ou de outra, Cristo está sendo pregado, seja com fingimento, seja com sinceridade, também com isto me alegro; sim, sempre me alegrarei” (Filipenses‬ ‭1‬.15‬-‭18‬).

Ó Senhor, dê-nos corações como este.

Doutrina dos Dons Recebidos

Em cartas de um diabo a seu aprendiz, C. S. Lewis prossegue para destacar uma doutrina que Deus usou para remover os monitores das paredes do meu coração.

O Inimigo também tentará fazer com que o paciente se conscientize de uma doutrina que todos eles professam, mas acham difícil de traduzir em termos de sentimentos — a doutrina de que eles não criaram a si mesmos, que seus talentos são dádivas e que, se não fosse assim, eles também poderiam muito bem ficar orgulhosos da cor de seus cabelos (Lewis 53).

Eles também poderiam muito bem ficar orgulhosos da cor de seus cabelos. Cristãos, seus dons são, de fato, presentes de Deus? Você apenas sempre pratica e desenvolve os dons que Deus lhe deu — e isso para o fortalecimento dos outros. Sempre que se sentir que realmente é especial, lembre-se da indagação de Paulo: “E o que é que você tem que não tenha recebido? E, se o recebeu, por que se gloria, como se não o tivesse recebido?” (1 Coríntios 4.7).

Gravado sobre nossos sucessos mais notáveis, nossos melhores trabalhos, nossos momentos mais memoráveis estarão duas palavras: Coisas Recebidas. Ou uma palavra: Graça. Esta doutrina nos libera para viver em comunidade com outras pessoas mais (e menos) talentosas do que nós, e — atrevo-me a dizer — até mesmo comemorar genuinamente suas conquistas.

Vassouras para Varrer o Chão

João Batista é um ótimo exemplo para nós. Seus discípulos o tentaram com inveja: “Mestre, aquele que estava com o senhor no outro lado do Jordão, do qual o senhor deu testemunho, está batizando, e todos vão até ele” (João 3.26). Qual a primeira coisa que ele disse? “Ninguém pode receber coisa alguma se não lhe for dada do céu” (João 3.27).

Permita-me compartilhar com vocês um poema que escrevi há dez anos, refletindo sobre essa cena entre João e seus discípulos:

Discípulos

Rabi, tenho novas a contar,
Receio que não irás gostar,
Outro irmão pôs-se a navegar
Para com o homem do outro lado ficar.

Disseste que Ele iria o pecado extirpar,
Mas nossos irmãos, noite e dia a pecar?
O que tens agora a declarar?
Deve ele agora se erguer a reinar?

Na outra margem ele permanece agora,
São ambos os batismos iguais nessa hora?
Será que ‘Batista’ também está em seu nome?
Aguardamos sua resposta…

João

Um homem nada pode receber senão do Alto,
Suas sandálias ainda não me atrevo a desamarrar,
Minha pergunta para você é simplesmente por quê,
Você ainda está comigo nesta margem?

Aquele que vem após mim é maior
Eu batizo apenas com água, e só.
Sou apenas a vassoura a varrer o pó,
Antes que entre o Rei, é só.

Eis o Descendente de Davi,
O Noivo a sua Noiva reivindicar,
O Cordeiro que tira o pecado do mundo,
E todas as nossas doenças cura.

Aquele que aos pecadores faz dobrar os joelhos por decreto,
Não possui o Espírito por completo,
O Único que agrada ao Pai e seu coração,
É saudado e adorado por toda a criação.

A missão não fracassa ou enfraquece,
Quando a vontade do Mestre sobre o servo prevalece.
Todos os discípulos, icem suas velas,
Em direção àquele que clama do outro lado!

Ele deve crescer; e nós diminuirmos. Nossos dons são concedidos a nós por Cristo. Somos apenas vassouras a varrer o chão antes da volta do Rei.

Traduzido por Claudio Lopes Chagas.

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