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Embora o passado seja um excelente lugar para se visitar, é um lugar ameaçador para se viver.

A esposa amargurada, irritada pelo fato do marido com quem se casou não ser a pessoa que ela namorou; o pai dominador, obstinado por reviver sua carreira atlética através de seu filho; a moça jovem sentindo falta da liberdade e dos amigos que tinha na faculdade, e apreensiva quanto ao seu trabalho rotineiro; o cristão desanimado, desejoso de voltar ao zelo que tinha antigamente. Todas estas situações ilustram o fato de que poucas coisas ameaçam o nosso “hoje” quanto as alegrias do passado. Houve uma época com abundância de alegria. A família estava unida naquela época. Tudo era lindo então.

Mas Deus não tenciona que nossos corações vivam no passado. À cada manhã ele nos dá novas misericórdias a serem desfrutadas (Lamentações 3.22-23). Mas, deixando isto de lado, podemos retornar em nossas mentes e tentar reviver a felicidade daquela época. No passado, havia muita esperança e a vida valia a pena. O hoje se mostra muito decepcionante. Assim, com os olhos vidrados e com almas deprimidas, nos tornamos sombras das pessoas que fomos e progressivamente nos afastamos do “aqui e agora” para retornarmos ao passado onde vivemos dias melhores. Embora nossos corações ainda estejam pulsando, paramos de viver.

Quando bênçãos passadas debilitam nossa gratidão no presente; quando Deus nos deu aquele trabalho, aquele namorado ou aquele sucesso — e a vida depois se tornou pior; quando nos tornamos pessoas acrimoniosas, que se aborrecem com o outono por terem curtido a primavera; quando passamos nossos dias suspirando e nos recolhemos a nossas memórias; entāo é certo que saímos do caminho seguro. Dirigindo em frente enquanto olhamos pelo espelho retrovisor, tornamos as experiências anteriores numa espécie de deus. E, infalivelmente, quando nos ajoelhamos diante do passado, o presente se torna uma maldição.

O Que Há de Errado com a Nostalgia?

Nós chamamos isso de habitar no passado.

A nostalgia foi considerada uma desordem psicológica desde o século XVII até recentemente. A nostalgia é o anseio pelo passado, que é visto como melhor que o presente ou o futuro. Do grego, nostos (retornar à casa) e algos (dor), a nostalgia é uma saudade aguda por tempos passados. Ela busca escapar da infelicidade (ou tédio) presente indo em direção ao que já foi e não pode ser novamente.

E pelo fato de que a nostalgia anseia ardentemente por aquela época (que esperávamos que durasse muito mais tempo), uma pergunta que nāo se faz com sabedoria, ameaça se insinuar em nossos corações.

Jamais digas: Por que foram os dias passados melhores do que estes? Pois não é sábio perguntar assim. (Eclesiastes 7.10)

A sabedoria, uma interrogadora de muitas outras questões, fica abismada quando se faz esta pergunta. Esta é a interrogação da nostalgia. Mas por que não fazê-la?

1. Não sabemos avaliar bem.

Fazer a pergunta pressupõe a conclusão: que os dias anteriores foram, de fato, melhores. Mas nāo se pode presumir isto. Nós não temos uma compreensão completa nem do passado, nem do presente.

Tal como o tio Rico nos ensina em “Napoleon Dynamite”, o passado, quando recontado e adorado, torna-se exagerado. Os dias passados se tornam cada vez melhores, e as realizações cada vez mais impressionantes, à medida em que a distância aumenta. Mesmo um passado sombrio pode ser recordado com carinho — os israelitas ficaram imaginando quando se saciavam de comer carne e pão no Egito, embora fossem escravos (Êxodo 16.3). Quem escutasse aquilo pensaria que eles haviam sido reis na época.

Também é assim conosco: em nossas mentes, usamos photoshop no passado. Esquecemos as brigas, as frustrações, a dor e as incertezas da época — as irritações atuais sempre nos parecem mais agudas. Mas também não temos uma boa visão da época em que vivemos presentemente. Os santos mais antigos podem contar muitas histórias que atestam a verdade daquilo que Samuel Rutherford escreveu: Deus mantém seu melhor vinho na adega do sofrimento — e as adegas podem nos parecer como uma prisão quando estamos trancados dentro delas. Mas Deus nos prepara uma mesa em meio a nossas tristezas. E lá, Ele se senta para comer conosco.

2. A nostalgia censura nosso Pai.

A questão de por que o passado é melhor que o presente é sempre endereçada a alguém. Pode ser à mãe Terra, ao carma, aos psicólogos na TV. Mas para a maioria das pessoas, é endereçada a Deus.

Mas a fé em Deus não fica atolada nesta questão. A incredulidade questiona a Deus e nos diz para amaldiçoá-lo e morrer, quando ele retira algo de bom de nós. A confiança se cobre de cinzas e diz entre soluços: “o SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR!”(Jó 1.21).

“Por que foram os dias passados melhores do que estes?” — insatisfeito com a resposta óbvia de que Deus, em sua perfeita vontade e soberania, entendeu ser melhor permitir novas dificuldades — se recusa a bendizer a Seu nome. Convoca o Todo-Poderoso ao banco dos réus para prestar contas. Questiona sua benignidade. Contra-interroga suas alegações de benevolência. Acusa a Deus alegando abuso infantil — ele deu pedras e serpentes quando seus filhos pediram pão e peixe. “Por que Deus agora me deu cascalho para mastigar?” nunca será uma boa pergunta.

3. Temos mais capítulos a viver.

A questão também não é sábia por interromper nosso progresso. Nos tenta a crer que o Deus de ontem, aquele das “misericórdias à cada manhã”, hoje em dia está distribuindo rações para as quais não vale a pena acordar. Então ficamos com pena de nós mesmos, apertamos o botão de soneca e dormitamos em direção à morte.

Mas ouça o conselho de Gandalf a Frodo, ao este lamentar sua vida presente longe do Condado:

Frodo: Gostaria que o Anel nunca tivesse vindo a mim. Quem me dera que nada disto tivesse acontecido.

Gandalf: Assim é com todos os que vivem em tempos como estes, mas a decisão não lhes pertence. Tudo o que temos que decidir é o que fazer com o tempo que nos foi dado.

Muitos vivenciam dias nos quais não escolheriam viver. Mas não cabe a nós decidir se Deus dá ou toma. O que cabe a nós decidir é o que faremos com o tempo com o qual Deus nos presenteou. Temos mais tempo a viver. Talvez mais do que gostaríamos ter, mas não mais do que deveríamos ter.

Nosso Lar Está Diante de Nós

O fruto de hoje, embora talvez mais amargo que o de ontem, é sempre o melhor fruto que podemos comer. Por quê? Porque é o fruto que nosso Pai nos deu. E o fruto que nos é dado por quem sabe do que necessitamos para hoje, antes de pedirmos a ele, é sempre o melhor de todos os frutos.

Mas somente o melhor fruto de todos, aqui na Terra. Para quebrar o feitiço do espelho retrovisor, devemos considerar o que nos espera mais à frente. Não importa quão delicioso tenha sido o fruto do passado, não importa quão comum seja o fruto de hoje — nenhum destes é o fruto do céu. Se o bem do presente fosse o bem do céu, então o pessimismo seria virtuoso. Mas não é. O que recebemos aqui são petiscos para nos sustentar em nossa jornada para onde aquele que não poupou seu próprio Filho nos dará inteiramente, graciosamente, todas as coisas.

Paulo descreve nossa vida, por enquanto, com a palavra aguardando (Tito 2.13). Não atrofiando. Não recordando com melancolia. Não nos domiciliando no passado. Deus nos conclama a recordar o passado a fim de gerar gratidão e esperança por misericórdias futuras, que se estenderão além das fronteiras deste mundo. Nāo devemos ficar inertes, contemplando nossos melhores momentos passados aqui. Necessitamos ansiar pelos melhores momentos a serem vividos no futuro. E enquanto esperamos, renunciamos às alegrias vazias da nostalgia, agradecemos a Deus por nosso passado, mas colocamos nossa esperança no que está por vir.

Publicado originalmente em DesiringGod.org.

Traduzido por Felipe Barnabé.

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