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Ansiedade é algo generalizado. Ela é o sentimento ou apreensão acerca daquilo que está por acontecer. De certa forma, a ansiedade pode ser interpretada como a resposta natural do ser humano às situações de estresse. É normal se sentir preocupado e inquieto em relação a mudanças na vida ou a desafios a serem enfrentados. Logo, a ansiedade é democrática e atinge a todos: homens e mulheres, jovens e idosos, ricos e pobres, cultos e iletrados e assim por diante. Ela já chegou a ser classificada como o “mal do século”.

Ansiedade é algo sério. O nível intenso de ansiedade pode interferir na dinâmica pessoal, fazendo com que alguns se sintam paralisados em relação a pequenas atividades diárias, resultando até em males físicos e relacionais. O próprio Jesus considerou a seriedade desse assunto ao ordenar aos seus discípulos: “Não andeis ansiosos pela vossa vida” (Mateus 6.25). Mais tarde, o apóstolo Paulo também escreveu aos filipenses: “Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças” (Fp 4.6). E o sábio de Provérbios ainda afirmou: “A ansiedade no coração do homem o abate” (Pv 12.25). Dessa maneira, esse é um assunto que necessita receber a devida atenção sob uma ótica bíblica.

Ansiedade pode ser pecaminosa. Se nos lembrarmos das palavras de Jesus a Marta, veremos que até a preocupação cuidadosa pode, em algumas ocasiões, se tornar pecaminosa. Respondendo à reclamação de Marta sobre a atitude de sua irmã, Jesus disse: “Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada” (Lc 10.41-42). Em outras palavras, a ansiedade se torna pecaminosa quando ela nos afasta da comunhão com Jesus, quando ela nos leva a olhar mais para a circunstância do que para o Senhor e nos faz dedicar mais tempo a coisas dessa vida do que à comunhão com Cristo. A ansiedade é pecaminosa quando ela nos impede de confiar em Deus como deveríamos. Nesses momentos acabamos por revelar nossa pequena fé (Mt 6.30). No geral, a preocupação pecaminosa está diretamente conectada aos nossos interesses pessoais e não aos propósitos do Reino.

Todavia, a Bíblia reconhece a possibilidade de existir um tipo de ansiedade que seja até piedosa. Isso fica claro quando lemos o relato de Paulo sobre suas lutas, privações, perseguições e dificuldades ministeriais, no final de 2Coríntios. Após afirmar que experimentou prisões, perigos de morte, naufrágios e foi até apedrejado e fustigado com varas, o apóstolo diz: “Além das coisas exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação com todas as igrejas” (2Co 11.28). No original, a palavra empregada e traduzida como “preocupação” nesse verso, é a mesma utilizada por Paulo para falar sobre “ansiedade” em Filipenses 4.6. Ou seja, Paulo relata sobre um tipo de ansiedade que ele sentia diariamente e que não era, necessariamente, pecaminosa. Ele descreve o que podemos chamar de “ansiedade ministerial”, a preocupação de um obreiro dedicado a igreja de Cristo.

Comentando esse verso, Kevin de Young discorre sobre essa ansiedade comum a todos os pastores fiéis (cf. www.ligonier.org/blog/pastoral-anxiety ). Esse sentimento diz respeito à preocupação natural do ministro do Evangelho pelas coisas do Reino e o cuidado com a igreja do Senhor. Nem toda ansiedade pastoral é assim tão altruísta, pois é comum encontrar pastores mais preocupados consigo e com suas realizações pessoais do que com o rebanho de Cristo. Muitos estão mais inquietos com sua imagem, com posições e cargos em sua denominação, com transferência de campo ministerial, com o próximo livro a ser publicado, do que com o conforto e progresso espiritual de suas ovelhas. Com raríssimas exceções, esses cuidados acima estão mais conectados aos interesses pessoais do pastor do que ao seu zelo pelo rebanho de Cristo. Não é sobre esse tipo de ansiedade que o apóstolo Paulo discorre no texto de 2Coríntios 11.28. Nesse verso ele menciona a preocupação ministerial com aqueles por quem Cristo morreu.

Como podemos entender melhor essa “ansiedade ministerial” mencionada por Paulo nesse texto? O que poderia estar ocupando, diariamente, a mente e o coração do apóstolo em relação à igreja do Senhor? Paralelo a isso, o que geralmente causa semelhante ansiedade em alguns ministros?

1. A preocupação com a condição espiritual dos crentes

Durante o ministério do apóstolo Paulo, muitas igrejas que ele havia plantado se tornaram presas de falsos apóstolos (2Co 11.13 e Fp 3.2 e 18-19), outras se inclinaram ao legalismo (Gálatas) ou à licenciosidade (1Co 5) e umas poucas revelaram divisões pessoais a ponto de comprometer toda a igreja local (1Co 1-3 e Fp 4.2-3). Paulo amou aquelas igrejas, intercedeu por elas e tomou tempo para ministrar a elas por meio de cartas e exortações ao arrependimento. A condição espiritual dos membros daquelas igrejas causava preocupação (ansiedade) no apóstolo a ponto de ele dizer: “quem enfraquece, que também eu não enfraqueça? Quem se escandaliza, que eu não me inflame?” (2Co 11.29). A condição espiritual do crente é sempre objeto do cuidado de um pastor amoroso.

A condição espiritual do rebanho pode roubar o sono e a tranquilidade de alguns pastores. É difícil perceber que mesmo depois de tanto esforço e dedicação para ensinar o que é correto, o que é bíblico, alguns crentes ainda insistem em viver moldados pela cultura ao invés de praticarem o ensinamento das Escrituras. Algumas ovelhas teimam em acreditar em fábulas e até heresias contrárias à Palavra, mesmo sendo instruídas na doutrina verdadeira. Em sua carta ao jovem pastor Timóteo, o apóstolo Paulo lembra que há algumas pessoas nas igrejas “aprendem sempre e jamais podem chegar ao conhecimento da verdade” (2Timóteo 3.7). A inquietação em prol da condição espiritual do rebanho é uma realidade no ministério pastoral. É difícil perceber que depois de tanto ensinamento ministrado pela pregação e pelo exemplo, algumas pessoas no rebanho não aprenderam “como convém saber” (1Co 8.2).

O conforto a esse respeito é notar que a lentidão no progresso espiritual de alguns existiu no próprio “colegiado apostólico”. Depois de ministrar pela palavra e exemplo aos seus discípulos, o Senhor Jesus percebeu que eles ainda não haviam compreendido seus ensinamentos (cf. Mt 15.16, 16.5-12 e Mc 4.13). O apóstolo Paulo se admirou da rapidez dos gálatas em “abraçar tão depressa” um outro evangelho, o qual não era evangelho, mas uma perversão do Evangelho de Cristo (cf. Gl 1.6-7). O escritor da carta aos Hebreus lamentou que seus leitores tivessem sido “tardios em ouvir” a ponto de precisarem ser ensinados novamente nos “princípios elementares dos oráculos de Deus” (cf. Hb 5.11-12). Assim, a ansiedade com a condição espiritual dos crentes sempre fez parte da lista de preocupação ministerial daqueles que desejam seguir os passos do Mestre e caminhar no exemplo deixado pelos apóstolos.

2. A ansiedade causada pelas demandas e exigências ministeriais

Toda vocação possui suas dificuldades e exigências. Em certo sentido, o pastor possui um dos melhores e mais empolgantes trabalhos do mundo. Ele é responsável por estudar a Palavra de Deus e ensiná-la às pessoas, assistir aos necessitados com uma mensagem de conforto e orientação, ser um cooperador da alegria daqueles que sofrem e apresentar a outros o poderoso Evangelho capaz de transformar e redimir suas vidas. Além de ter o privilégio de colaborar com o avanço do Reino ele ainda é compensado financeiramente para realizar essas tarefas. Há inúmeros benefícios advindos do exercício ministerial e essa verdade deveria confortar o coração de todo obreiro.

Ainda assim, as exigências quanto ao exercício correto do ministério pastoral podem ser estressantes. Como a ansiedade é uma resposta ao estresse, as demandas do pastorado podem contribuir com a inquietação do coração do ministro. Paulo experimentou isso em seu apostolado. Ao ler sobre o ministério do apóstolo percebemos que ele estava sempre ativo, escrevendo cartas, visitando pessoas, ensinando publicamente e, também, de casa em casa (cf. At 20.20), organizando coletas para assistir aos santos em Jerusalém (cf. Rm 15.26 e 1Co 16.1), enviando grupos de obreiros para prestar assistências a recém-convertidos (cf. 1Ts 3.1-5), trabalhando com as próprias mãos para não ser pesado a alguns (cf. 2Co 11.8-9) e assim por diante. Enfim, as pressões sobre o apóstolo foram imensas!

Qualquer pastor que leva o ministério a sério concordará que as demandas e pressões ministeriais são, às vezes, debilitantes. Lidar com pessoas em crise, membros deixando a igreja, pessoas chegando e necessitando atenção, ovelhas desapontadas com o pastor e pessoas que o desapontam, tudo isso acaba afetando as emoções do ministro de tal maneira que ele pode se dobrar ao estresse. Em meio a tudo isso ainda há o desafio contínuo de encontrar tempo para o estudo, para as devocionais diárias, para preparação do sermão semanal e para se dedicar e cuidar da família. Ao mesmo tempo que tenta administrar essas demandas o pastor ainda necessita atentar para a preparação de novos líderes, equilibrar o orçamento da igreja local, organizar a liturgia do culto e encorajar voluntários para se dedicarem às programações comuns da igreja. Na lista de exigências ministeriais, há, certamente, muitos itens capazes de roubar a tranquilidade do coração do ministro.

3. A inquietação causada pelas comparações desnecessárias

Uma das coisas que mais parece ter machucado emocionalmente o apóstolo Paulo foram as críticas cruéis, infundadas e desnecessárias que ele sofreu. O final da segunda carta aos Coríntios revela o sentimento do apóstolo sobre algumas dessas coisas. Alguns consideravam Paulo como alguém “falto no falar” (v 6), “insensato” (v 16) e “fraco” (v 21). Suas credenciais apostólicas foram questionadas por outras pessoas (v 23), seus sofrimentos pelo Evangelho foram ignorados (v 23-33) e seu amor pela igreja foi desconsiderado (v 11). Alguns crentes o consideravam muito severo (2Co 10.1-2), outros o achavam “fraco e desprezível” (2Co 10.10), talvez não gostando do seu estilo de pregação. Enfim, tudo aquilo inquietou o apóstolo a ponto de ele procurar responder algumas críticas e comparações aos seus leitores.

Parte do que Paulo experimentou no seu apostolado é sentido na pele por muitos pastores no ministério local. A vida pessoal e a família do ministro estão expostas como peças em uma vitrine. Todos vêm e dão opiniões! Não é apenas técnico de futebol que tem o seu trabalho continuamente questionado, diminuído e corrigido, pois todos os torcedores parecem saber mais do que ele. Algo semelhante acontece também com o ministro do Evangelho. Talvez por essa razão ele seja constantemente alvo de comparações não tão generosas feitas por suas próprias ovelhas. Geralmente ele é comparado ao ministro anterior ou algum outro pastor que teve uma participação importante em determinado momento na vida de algumas de suas ovelhas. Também, o advento da Internet faz com que o ministro local seja comparado a inúmeros outros nomes de pregadores midiáticos que nunca dedicarão qualquer tempo ou atenção aos membros de sua igreja local, mas a quem eles seguem fielmente nas mídias sociais. Além do mais, as ovelhas se acham no direito de criticar seu pastor por coisas tolas como a cor da gravata (se ele usa gravata), o corte do cabelo, o tom de sua voz e, principalmente, a duração do seu sermão.

De fato, comparações desnecessárias cansam e geram ansiedade no coração do pastor. Por isso, é necessário aprender com o apóstolo sobre a maneira de lidar corretamente com elas. Em 1Coríntios 4.1-5 Paulo afirma não se deixar levar pelo julgamento das pessoas e nem pelo seu próprio pensamento acerca de si mesmo. Ele sabia que pessoas podem julgar erroneamente (por meio de elogios e críticas), mas também não confiava em seu próprio coração e em sua avaliação pessoal sobre o trabalho realizado. Sua consciência só descansava na avaliação e julgamento vindos do Senhor. Assim, devemos aprender que a opinião de Deus a nosso respeito é o mais importante em todos os momentos da vida, principalmente no ministério pastoral.

4. O desassossego gerado pelo que poderia ser feito

Ao final de algumas de suas cartas, Paulo revela que ele possuía muitos planos ministeriais. Não sabemos se todos eles foram realizados, mas é importante notar que ele cultivava o desejo de fazer mais pelo Reino de Deus. É incrível observar que alguém que realizou tanto plantando igrejas, instruindo líderes, realizando evangelismo pessoal, cuidando das necessidades econômicas de alguns irmãos, participando de reuniões conciliares, orientando jovens pastores e sofrendo fisicamente por causa de sua fé, ainda quisesse realizar mais do que já fazia. De fato, a mente do servo comprometido com o Evangelho está sempre interessada em considerar o que mais pode ser feito.

Parte da ansiedade ministerial consiste no peso de analisar e inquirir aquilo que pode ser melhorado e realizado. Certamente o pastor dedicado entenderá que é possível evangelizar mais, investir mais em missões (dentro e fora do país), cuidar melhor dos pobres e necessitados, desenvolver melhores programas para famílias, educação infantil e trabalho com os jovens etc. Há sempre mais a ser feito. Algumas vezes esses pensamentos roubam o sono, outras vezes eles fazem o coração palpitar e, na maioria das vezes, nos leva a sentir pequenos diante de tantos desafios. Para piorar, ao considerar o que pode ser melhorado ou realizado o pastor ainda é confrontado com a escassez do seu tempo, recurso ou com suas imperfeições e limitações pessoais. Tudo isso resulta em grande desassossego!

5. A inquietude gerada pelo zelo em prol da glória e santidade do Senhor manifesta em sua igreja

A igreja é o corpo de Cristo, a nação escolhida e designada para proclamar as virtudes do Senhor ao mundo (cf. 1Pe 2.9). Todavia, quando ela revela “mundano proceder” o nome e a glória do Senhor são difamados na sociedade. Na carta aos romanos o apóstolo Paulo aplicou esse princípio aos judeus que revelavam incoerência comportamental. Ele os repreendeu dizendo: “. . . tu, pois, que ensinas a outrem, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? Dizes que não se deve cometer adultério e o cometes? Abominas os ídolos e lhes roubas os templos? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? Pois, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa” (Rm 2.21-24). É importante lembrar que o mesmo princípio também se aplica ao “novo Israel de Deus”, ou seja, à igreja.

A preocupação de Paulo com a glória de Cristo na vida da igreja o levava a se angustiar quando os crentes caminhavam em erro. Por exemplo, em 2Coríntios 11.2-3 ele escreveu: “Porque zelo por vós com zelo de Deus; visto que vos tenho preparado para vos apresentar como virgem pura a um só esposo, que é Cristo. Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia, assim também seja corrompida a vossa mente e se aparte da simplicidade e pureza devidas a Cristo” (2Co 11.2-3). Em outras palavras, a impureza moral e doutrinária dos crentes em Corinto comprometiam a santidade de Cristo. Em outra carta o apóstolo escreveu: “. . . meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós; pudera eu estar presente, agora, convosco e falar-vos em outro tom de voz; porque me vejo perplexo a vosso respeito” (Gl 4.19-20). A perplexidade de Paulo era gerada por seu desejo de ver Cristo formado na vida daqueles crentes, o que não estava acontecendo. Assim, o zelo pela glória do Senhor resultava em ansiedade ministerial no coração do apóstolo.

O pastor fiel desejará que a vida do seu rebanho reflita a glória de Cristo e, em certa medida, ele se inquietará para que isso ocorra. O obreiro que busca glorificar a Deus em seu ministério exortará as ovelhas do seu rebanho a fazer tudo para a glória de Deus (cf. 1Co 10.31). Essa “santa preocupação” corresponde a um certo grau de ansiedade ministerial.

É claro que os tópicos mencionados acima podem se desenvolver em ansiedade pecaminosa, quando o pastor considera o desafio maior do que a graça de Deus que o assiste. Essa não foi a atitude do apóstolo Paulo. Ao contrário, mesmo revelando que ele se preocupava com as igrejas, ele estava convicto de que a graça do Senhor era suficiente para sua vida. Ele cria na Palavra de Deus de que “o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2Co 12.9) e por isso ele recobrava os ânimos, sentindo prazer até nas “fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor a Cristo” (2Co 12.10). À luz disso, o pastor fiel pode ser encorajado, pois sua ansiedade ministerial é considerada graciosamente pelo Senhor.

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