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A Difícil Tarefa Pastoral de Ajudar uma Ovelha Perfeccionista a Receber Críticas

Mais por Valdeci Santos

Ninguém gosta de ser criticado, mas para o perfeccionista, a crítica pode ser uma ofensa muito grave e um ultrage difícil de ser reparado. Eu deveria saber muito bem sobre isso, pois há anos luto contra esse mal que aflige também a outros. Além de pessoal, minha luta possui dimensões ministeriais, pois uma das atividades mais difíceis no ministério pastoral é ajudar uma ovelha perfeccionista a receber críticas. Para tanto, creio ser necessário uma compreensão básica do que é o perfeccionismo, um entendimento da principal dificuldade do perfeccionista em receber críticas e a sugestão de uma metodologia bíblica para ajudá-lo nesse penoso processo.

Entendendo o Perfeccionismo

As pessoas geralmente admiram e anseiam pela perfeição. Queremos assistir ao “jogo perfeito”, fechar o “negócio perfeito”, manter a “família perfeita” e assim por diante. Sonhamos com a vida perfeita e com realizações maravilhosas. Essa inclinação humana pode ser facilmente compreendida pelo fato de termos sido criados à imagem do Deus Perfeito. Ademais, para o crente, as palavras de Cristo apresentam um desafio especial, pois ele desejará ser perfeito como o Pai celeste (Mateus 5.48). Assim, a perfeição para o crente é almejada como expressão de sua devoção ao Senhor. Também, o fato das Escrituras nos orientarem a fazer tudo para a glória de Deus, implica na busca pelo aperfeiçoamento contínuo.

Contudo, há uma grande diferença entre almejar a perfeição e ser perfeccionista. O perfeccionista comumente não se contenta com o “mais ou menos”; ele se esforça ao extremo para deixar tudo sem qualquer defeito. A perfeição, para o perfeccionista, pode se tornar uma verdadeira obsessão em diferentes áreas da vida, seja a carreira vocacional, seus relacionamentos ou até as atividades religiosas.

De início, o perfeccionismo parece ser algo positivo, pois ele pode ser uma força propulsora para o trabalho bem-feito. O perfeccionista, em geral, é detalhista, meticuloso e caprichoso em suas ações. Além do mais, a sociedade valoriza alguns traços comuns do perfeccionista, por exemplo, sua responsabilidade, sua pontualidade, seu esmero e assim por diante. Sob os cuidados de um perfeccionista, uma tarefa tem a garantia de ser bem executada, com precisão em relação aos detalhes e cumprimento dos prazos. Nesse sentido, contar com a colaboração de alguém perfeccionista nas atividades pode ser muito benéfico, pois oferece várias vantagens.

Há, todavia, o lado negativo do perfeccionista. Seu comprometimento com a perfeição o torna, na maioria das vezes, incapaz de encorajar os pequenos esforços de outras pessoas e seus olhos geralmente se voltam para aquilo que não funcionou. As exigências do perfeccionista podem acabar ofendendo e machucando algumas pessoas que não atendem ao seu padrão. Também, a medida demandada pelo perfeccionista fazendo-o se esquecer de reconhecer e valorizar o esforço de outros e, quando isso acontece no ambiente familiar da igreja, o resultado é sempre negativo.

Mas o problema pode ser maior quando o perfeccionista recebe alguma observação crítica. Para ele, a crítica é uma ofensa à sua identidade, um ataque à sua alma e ao seu estilo de vida. Na maioria das vezes o perfeccionista não reage bem às desaprovações e, ocasionalmente, isso pode até gerar conflitos relacionais, inclusive na igreja (que deveria ser caracterizada pelo amor fraternal e comunhão). O pastor deve atentar para o fato de que, a princípio, pode parecer que o perfeccionista recebeu muito bem a censura feita a ele. Mas o fato é que ele geralmente internaliza e reflete minuciosamente naquilo que foi dito, repassando a cena em sua mente várias vezes, ao ponto de se sentir magoado e profundamente ofendido com o que lhe foi dito. O resultado pode ser desastroso, pois essa amargura pode atingir a muitos no corpo e resultar em graves problemas relacionais na igreja local.

Por que a crítica é tão difícil para o perfeccionista?

Considerando que perfeccionistas vivem para a perfeição, é possível identificar três razões básicas pelas quais as críticas são tão ofensivas a eles. Cada uma dessas razões possui desdobramentos no âmbito relacional.

Em primeiro lugar, a crítica é um ataque à identidade do perfeccionista. Em última análise, esse parecer desfavorável significa que outras pessoas não veem a pessoa perfeccionista como ela gostaria de ser vista: alguém perfeito. Por isso, o perfeccionista pode se sentir completamente devastado pela crítica, pela correção e pelo apontamento de algum erro em suas ações. Quando o trabalho dessa pessoa é criticado, ela se sente pessoalmente desprezada ou rejeitada, pois sua identidade foi atacada. Por isso, ao ser criticada, a pessoa perfeccionista naturalmente tentará se defender, argumentando que os outros não a interpretaram corretamente ou que julgaram mal suas intenções. De qualquer maneira, essa atitude gerará distanciamento dos outros e não colaborará com a mútua edificação do corpo de Cristo.

Em segundo lugar, a crítica afeta aquilo que o perfeccionista cultua. Embora não admita, o perfeccionista adora a perfeição. Seu objeto de culto não é simplesmente a glória de Deus, mas a perfeição dos seus próprios atos. Assim como tudo que ofende e contraria o ídolo de uma pessoa precisa ser eliminado, ignorado ou até atacado, o perfeccionista normalmente atacará aqueles que o criticam. Em outras palavras, perfeccionismo é um problema espiritual, pois é fruto da idolatria do seu possuidor. E assim como toda idolatria exige sacrifícios, o perfeccionista sacrifica as verdades bíblicas que ele conhece sobre amor ao próximo, humildade, a necessidade de não pensar em si além do que convém e tantas outras coisas no altar da obsessão pela perfeição. Quando alguém critica algo que gostamos, ainda que entristecidos, suportamos; mas quando alguém reprova aquilo que adoramos, ficamos abatidos.

Em terceiro lugar, a crítica desafia o perfeccionista a reavaliar suas motivações. É bem provável que o perfeccionista não esteja consciente da possibilidade de que suas motivações não sejam apenas a glória de Deus, mas incluam a sua própria glória, bem como sua aprovação aos olhos dos outros. A verdade é que nosso orgulho nos cega e assim como aconteceu com Edom, a soberba nos engana (Ob 1.3). Nem sempre percebemos quando amamos mais os elogios dos outros do que os tributos apresentados a Deus pelos frutos de nossos esforços. Todavia, nossas fraquezas se tornam especialmente manifestas pelas nossas reações às críticas recebidas. Nesses momentos nos quais nos sentimos humilhados e desrespeitados, acabamos demonstrando nossa imaturidade e o quanto amamos nossa honra. Nesses momentos, facilmente nos esquecemos dos princípios da Palavra de Deus que nos exortam a não revidar com ultrage, mas nos entregarmos “àquele que julga retamente” (1Pe 2.23). Assim, a crítica exige a tarefa desconfortável da autoavaliação ao perfeccionista.

Considerar esses tópicos não garante a eficácia de uma abordagem segura para ajudar alguém perfeccionista, mas contribui quanto à nossa compreensão de algumas reações comuns dessa pessoa diante das críticas. O próximo passo nesse caso será abordar a questão biblicamente com a pessoa crente.

Uma metodologia bíblica

O caminho bíblico para lidar com qualquer deficiência do discípulo de Cristo é a abordagem teológica. Nossas principais deficiências são teológicas e as Escrituras estabelecem a maneira correta de abordar cada uma dessas questões.

O pastor cuidadoso procurará instruir ao perfeccionista quanto ao fato de que nossa identidade não se fundamenta em nossas realizações, mas naquilo que Cristo fez por nós . Nossas realizações, por melhores que sejam, não sustentam nossa identidade aos olhos do Senhor. Na verdade, aos olhos do Senhor, nossa justiça não passa de “trapos de imundícia” (Isaías 64.6). Logo, devemos estar prontos para responder como Jesus ensinou: “Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer” (Lucas 17.10). A identidade do crente está fundamentada na obra de Cristo realizada por ele, pois sua vida está em Cristo (Colossenses 3.2-4). Graças à misericórdia do Senhor que não nos aceita por causa de nossas obras, mas pela obra do Redentor. A ovelha perfeccionista necessita ser continuamente lembrada dessa verdade libertadora. De outra forma, a caminhada cristã será extremamente penosa para ela.

Também, o pastor cuidadoso procurará apresentar o exemplo de Cristo à ovelha perfeccionista. Ao escrever ao Filipenses, o apóstolo Paulo exortou: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus” (Filipenses 2.5-6). Essas palavras podem soar abstratas até considerarmos que a primeira coisa que Cristo fez para assumir a forma humana foi “abrir mão de sua glória”. Assim, cultivar em nós o mesmo sentimento que houve em Cristo, implica em mortificarmos diariamente nossa preocupação com nossa glória e a perfeição de nossas realizações.

Por último, a ovelha perfeccionista precisa ser lembrada que existe benefício espiritual até na crítica injusta. O apóstolo Pedro escreve em sua carta: “. . . porque isto é grato, que alguém suporte tristezas, sofrendo injustamente, por motivo de sua consciência para com Deus. Pois que glória há, se, pecando e sendo esbofeteados por isso, o suportais com paciência? Se, entretanto, quando praticais o bem, sois igualmente afligidos e o suportais com paciência, isto é grato a Deus” (1Pedro 2.19-20). A principal lição desse verso para o perfeccionista é que Deus se agrada quando respondemos corretamente às ações de outras pessoas. A qualidade de nossas reações importa para o Senhor.

É verdade que a penosa tarefa de ajudar uma ovelha perfeccionista pode não ser tão simples quanto as sugestões oferecidas acima. Contudo, essas sugestões podem ajudar na caminhada paciente do cuidado com aqueles cuja luta nessa área é contínua.

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