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Minha geração, que atingiu a maioridade nas décadas de 1980 e 1990, foi induzida à idolatria do amor através de filmes românticos e canções de amor. O filme A Princesa Prometida capturou a vibe. É um conto de fadas sarcástico, mas é um conto de fadas. Imagine dois indivíduos loiros e lindos, separados de qualquer relação significativa ou familiar, sozinhos no mundo, assediados pelo infortúnio, mas trocando gracejos irônicos e salvando-se pelo poder do “amor verdadeiro”.

Ou talvez você tenha visto o filme de romance adolescente Digam o Que Quiserem. Caso tenha visto, deve se lembrar do momento mágico em que o personagem principal segura uma caixa de som acima da cabeça, braços estendidos, do lado de fora do quarto da garota que ele ama no segundo andar, uma versão da geração X de uma donzela em apuros necessitando ser resgatada por seu cavaleiro. Ela está inquieta em seu quarto, presa por um pai zangado. A música reverbera acima à medida em que o cantor se declara “completo em seus olhos” de uma maneira que ele não seria nem passando por “mil igrejas” e “buscas infrutíferas”. A mensagem do herói não poderia ser mais clara: a nossa salvação não está na igreja. Está um no outro. Nós nos “completamos” um ao outro.

Embora estas referências da cultura pop sejam mais antigas, podemos escolher qualquer geração — a do milênio, a X, a boomer, até mesmo a geração de A Letra Escarlate e até antes disso — e cada uma tem a sua versão da mesma história. É a história do individualismo e concepções individualistas do amor.

O Individualismo e o Amor

As histórias de amor existem há milênios. No entanto, nos séculos XVIII, XIX e XX, uma nova concepção de amor romântico começou a surgir em meio a uma enxurrada de poesias e romances. O romantismo oferece uma visão de amor decididamente contrária às estruturas, hierarquias e tradições do passado. De acordo com esta visão, o amor romântico envolve não apenas a atração sexual. Envolve encontrar alguém que “me complete” (Giddens, 44-45). Começa pelo olhar para dentro de mim: “Não importam as expectativas do pai, a lista de deveres da mãe ou os sermões do vigário. Quem sou eu e do que preciso? Como me sinto a respeito dessa outra pessoa? Ela me entende? Ela vai me ajudar a me tornar tudo que eu deveria ser?” A autodescoberta, em seguida, dá lugar à realização e expressão própria: “É assim que eu sou, pai. Vou em busca dela”.

No lado americano do Atlântico, pode-se pensar em A Letra Escarlate, onde o amor desafia as leis da religião. Da mesma forma, Jay Gatsby em O Grande Gatsby tenta se divorciar do passado, reescrever quem ele é e desfrutar do amor com uma mulher casada da classe alta. Seu amor obsessivo não luta contra a religião, mas contra as velhas leis das fortunas antigas e de classes sociais. O mesmo aconteceu no lado britânico do Atlântico, com muitos livros tais como O Morro dos Ventos Uivantes de Emily Brontë ou os escritos lascivos de D.H. Lawrence.

Os românticos originais estavam reagindo intencionalmente contra o racionalismo frio do Iluminismo. Eles queriam ser guiados pelo amor ao invés de pela estrutura, pelo desejo interior ao invés de pela restrição externa, pelo impulso espontâneo ao invés de pela dedução racional, pela beleza e liberdade ao invés de pela eficiência e ordem. No entanto, continuavam como herdeiros do Iluminismo. Eram tão individualistas quanto aqueles contra quem reagiram. Na paisagem dos romances, o que importa não é quem as pessoas são em relação a suas famílias, profissões ou religião. Tais estruturas antiquadas não as definem. O que importa é quem elas são em si mesmas, — aquilo que querem, aquilo que sentem. Cada relacionamento é um contrato que pode ser rasgado. O que não é negociável é aquilo que meu coração individual me diz ser verdade.

No entanto, aquilo que era intencional naqueles romances mais antigos se tornou não intencional e presumido nos filmes populares da minha adolescência. Filme após filme apresenta adolescentes bonitos se livrando da mão opressiva de pais e professores que “simplesmente não entendem.” Essa é a história de O Clube dos Cinco, Curtindo a Vida Adoidado, Sociedade dos Poetas Mortos, Dirty Dancing e assim por diante. Cada um oferece uma visão de amor que parece corajosa e atraente em sua rebeldia. O amor é despertado simultaneamente para o eu interior e também para sua glória mística, tal como uma alma em harmonia com o cosmos. Ele corajosamente rejeita todos os obstáculos em busca do seu prêmio, enquanto mantém uma justificativa moral impenetrável: “eu ajo em nome do amor”.

Quem ousaria ir contra isso?

Amor Legalista e Isolado

Hoje em dia, nosso mundo parece ter por certa essa visão de amor: um amor enraizado na autodescoberta e na autoexpressão que justifica quebrar todas as regras. Durante o jantar, uma amiga da minha idade disse para mim e minha esposa: “se duas pessoas realmente se amam, elas têm o direito de ser felizes. Não devemos impedi-los”. Eu sabia que qualquer desafio direto à sua reivindicação seria infrutífero. A alegação dependia de um conjunto de intuições morais desenvolvidas na cultura ao longo de décadas e até séculos de contos de moralidade. Essas intuições eram o “mas é claro” inquestionável que não precisa de argumentos.

Observe como o amor romântico nessa tradição se torna o veículo perfeito para os seres humanos pecadores conseguirem tudo o que querem: a auto-absorção e companheirismo; a auto-expressão e a aprovação moral; o autogoverno e a bênção do céu; o prazer e uma consciência tranquila.

Ironicamente, a história de amor do individualista se torna legalista. A salvação pertence àqueles que seguem as exigências do amor romântico. Os oponentes a qualquer coisa que é chamada de amor são reprovados e vencidos. Se você for um confeiteiro que se recusa a fazer um bolo para um casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, pode ir parar no tribunal. Se você é um aluno do ensino médio que diz que sexo, amor e compromisso de casamento andam juntos, você pode ser excomungado do círculo dos caras populares.

No entanto, os sacerdotes do romantismo se recusarão a chamar isto de moralismo. Eles o chamam de prazer e felicidade. Afinal de contas, sua história culmina em uma cama, com dois amantes se abraçando, tendo abandonado o mundo, aproveitando todas as delícias da união, olhando nos olhos do outro. A câmera não precisa se voltar para pais ou filhos, como nunca acontece em A Princesa Prometida. O casal é o centro do universo. O Wesley e a princesa Buttercup felizes para sempre, como na maioria dos filmes de romance.

Você poderia pedir mais do que isso?

Amor Gerador e Frutífero

Bem, na verdade sim. O ensino bíblico sobre o amor também inclui uma cama. Mas coloca a cama em um jardim, onde a união do casal finalmente produz um mundo florescente de roseiras, pomares de macieiras, uma bagunça de sapatos de crianças na porta da frente, balanços e arranha-céus de brinquedo. O amor bíblico cria um universo muito maior. Não está estagnado como uma cama sozinha. Tem movimento para avançar e uma história para seguir. É gerador. É frutífero.

Não só isso, mas a história bíblica do amor também abre maior espaço para as amizades. Nenhum ser humano sozinho pode satisfazer todas as necessidades emocionais, intelectuais e espirituais de outra pessoa. C.S. Lewis sabiamente observou: “Em cada um dos meus amigos há algo que apenas outro amigo pode despertar. Sozinho, eu não sou grande o suficiente para chamar o homem inteiro à atividade; quero que outras luzes, além das minhas, mostrem todas as suas facetas”. Costumo lembrar isto aos jovens casais casados, principalmente quando têm ciúmes do tempo um do outro. As esposas devem encorajar seus maridos a encontrarem boas amizades masculinas, e os maridos devem encorajar suas esposas a formarem amizades femininas saudáveis. Somos mais felizes e menos exigentes com nossos cônjuges quando não lhes pedimos para ser Deus para nós.

Com certeza, cada parte do corpo necessita de todas as outras partes, Paulo diz sobre a igreja (1Co 12). E quantos membros tem um corpo? Para verdadeiramente vivenciar o amor, necessitamos de muito mais do que aquilo que um parceiro romântico pode nos dar.

Nota dos editores: Este é um trecho adaptado do livro The Rule of Love: How the Local Church Should Reflect God’s Love and Authority (Crossway, 2018) [A Regra do Amor: Como a Igreja Local Deve Refletir o Amor e a Autoridade de Deus], ainda não disponível em português.

Traduzido por Mariana Ciocca Alves Passos

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