1. Leia com reverência e oração
Primeiramente, devemos nos achegar ao texto sagrado com reverência e oração, compreendendo que, mesmo sendo um livro escrito por homens, também é plenamente inspirado por Deus. Então, necessitamos da iluminação do Espírito Santo para nos desvendar a verdade revelada. Assim como orou o salmista, oremos também: “Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei” (Sl 119:18). João Calvino comenta que necessitamos da graça de Deus, para compreendermos os mistérios que excedem nossa capacidade limitada. [1]
2. Utilize o método histórico-gramatical
Para interpretarmos a Bíblia corretamente, uma boa sugestão é utilizarmos o método histórico-gramatical. Ou seja, devemos buscar compreender como os primeiros leitores receberam aquela mensagem. Qual era o objetivo original do autor, o que ele queria transmitir ou ensinar naquele texto? Em qual contexto encontra-se aquela passagem? Qual o pano de fundo histórico? Em que momento foi escrita? Devemos fazer perguntas ao texto buscando extrair o seu significado inicial, pois ao compreendermos o ensino que o autor quis transmitir, teremos maior precisão para aplicá-lo em nossas vidas. Sempre devemos tomar esses cuidados antes de aplicar seus princípios aos dias de hoje. Esse conselho é importante, pois muitas heresias podem surgir de aplicações equivocadas.
3. Não interprete de maneira alegórica um texto literal nem faça o contrário
É importante destacar que devemos ler a Bíblia de forma literal até que o próprio texto nos force a ler de forma figurada. Não devemos alegorizar passagens que devem ser lidas literalmente, nem interpretar de forma literal passagens que claramente são figuras de linguagem. Por exemplo, se o texto diz “do suor do seu rosto comerás seu pão”, é evidente que se trata de um sentido figurado, não vamos pensar que cada pingo de suor se transformará em um pão, mas que do seu trabalho o homem tiraria o seu sustento. Houve momentos em que os discípulos buscaram interpretar ao pé da letra o que Jesus falou e falharam grandemente e foram corrigidos pelo Senhor. Por exemplo:
Ora, tendo os discípulos passado para o outro lado, esqueceram se de levar pão. E Jesus lhes disse: Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus. Eles, porém, discorriam entre si, dizendo: É porque não trouxemos pão. Percebendo-o Jesus, disse: Por que discorreis entre vós, homens de pequena fé, sobre o não terdes pão? Não compreendeis ainda, nem vos lembrais dos cinco pães para cinco mil homens e de quantos cestos tomastes? Nem dos sete pães para os quatro mil e de quantos cestos tomastes? Como não compreendeis que não vos falei a respeito de pães? E sim: acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus. Então, entenderam que não lhes dissera que se acautelassem do fermento de pães, mas da doutrina dos fariseus e dos saduceus (Mt 16:5-12).
Quando o Senhor Jesus falou sobre o “fermento dos fariseus”, ele se referia à doutrina dos fariseus, mas os discípulos interpretaram literalmente, de maneira equivocada, pensando que ele falava isso por conta de não terem leva do pães e o Mestre os advertiu. Portanto, nem sempre a interpretação literal é a melhor opção, é preciso estar atento às figuras de linguagem. O contrário também é perigoso. Interpretar de maneira alegórica um texto que possui sentido literal, quando a Bíblia não dá subsídios para tal, pode levar a grandes erros. Alguns, por incredulidade, vão tentar interpretar os relatos dos milagres descritos na Bíblia de maneira figurada, não crendo que pode riam ocorrer literalmente, forçando a passagem a dar outro entendimento que não aquele que está claro na narrativa. Por exemplo, digamos que o texto relate que Jesus multiplicou pães e peixes, erram aqueles que interpretam figurada mente a passagem atribuindo um outro significado, dizendo que não houve milagre, entendendo que o significado é que as pessoas ao verem o exemplo de Jesus se tornaram generosas e passaram a repartir seus alimentos. Esse tipo de interpretação abre portas para a anulação do sobrenatural, dos milagres e do próprio evangelho.
Outra forma equivocada é simplesmente impor significados ao texto que a Escritura não tem a intenção de dar. Por exemplo, um pregador escolhe pregar, em 1Sm 17:30, sobre o relato de Davi enfrentando o gigante: no momento em que Davi pega cinco pedras, o pregador impõe um significado específico para cada pedra, alegorizando a passagem, dizendo que uma é a pedra da fé, a outra é a da esperança etc. Essa também NÃO é a forma adequada de interpretar a Bíblia. É muito importante observarmos o contexto, o gênero literário, a analogia das Escrituras [2] e as figuras de linguagem presentes para uma compreensão adequada.
4. Compreenda o estilo do texto
Devemos compreender qual o gênero do texto que estamos lendo. Isto também poderá nos ajudar na compreensão. Devemos examiná-lo e descobrir: é um evangelho ou uma carta? Um texto apocalíptico ou provérbios? Descobrir isso é importante, pois cada tipo de texto tem suas particularidades literárias.
5. Lembre-se: a Bíblia não se contradiz
Devemos entender que a Bíblia não se contradiz. Quando encontramos nela aparentes contradições, provavelmente trata-se de um desses problemas: interpretação (possivelmente nós estamos interpretando erroneamente o texto) ou tradução (o tradutor pode ter utilizado uma palavra que não corresponde ao sentido correto de determinada passagem). 4.6 Entenda que a Bíblia interpreta a própria Bíblia Um outro princípio importante é que a Bíblia interpreta a própria Bíblia. O teólogo batista do século XVII, Nehemiah Coxe, afirmou: “…o melhor intérprete do Antigo Testamento é o Espírito Santo falando conosco através do Novo Testamento”[3], ou seja, textos posteriores que fazem uso de textos anteriores lançam luz interpretativa sobre eles e, quando a Escritura interpreta a si mesma, ela o faz de maneira infalível. Além disso, se encontrarmos passagens obscuras, elas devem ser lidas à luz de passagens mais claras sobre o mesmo tema.
Sempre devemos observar o contexto, ler os versículos anteriores e posteriores e o que os outros livros das Escrituras dizem sobre o assunto em questão. Isso porque interpretar textos isolados, fora de contexto, pode ser perigoso. Por exemplo, muitas pessoas utilizam a frase “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4:13) como um texto isolado, referindo-se a “tudo posso conquistar” ou “tudo posso conseguir” etc. Mas, ao observarmos o contexto da passagem (Fp 4:11-12), entendemos que Paulo afirma nos versos anteriores que aprendeu a estar contente em qualquer situação, tanto a passar necessidade quanto a ter fartura, logo notamos que o texto se refere a “tudo posso suportar”. Sendo assim, se ignoramos o contexto, perdemos o significado original da passagem.
7. Considere o enredo completo e o progresso da revelação
Outro ponto é que devemos considerar o progresso da revelação. Isto é, a sequência dos acontecimentos registrados na Bíblia à luz do seu enredo completo. Esse aspecto trata-se de compreendermos onde se encontra o texto que estamos lendo. Em que momento da revelação está localizado no grande quadro da Bíblia? Antes ou depois da queda? Está no Antigo ou no Novo Testamento? De que maneira ele se relaciona com a grande história da redenção?
Observar esse ponto é importante, pois alguns eventos bíblicos marcam certas mudanças que podem influenciar nossa compreensão de deter minadas passagens bíblicas. Por exemplo, antes da queda, a condição do ser humano era diferente do que seria posteriormente. Se interpretássemos que os seres humanos hoje estão nas mesmas condições de Adão antes de Gênesis 3, cometeríamos erros terríveis por não considerarmos as consequências do seu pecado para a humanidade.
Além disso, por não considerar o progresso da revelação, alguns grupos religiosos acabam trazendo elementos judaicos para o culto cristão, de modo contrário ao objetivo para o que foram instituídos inicialmente. Certas cerimônias e objetos que faziam parte do sacerdócio levítico cumpriram seu papel como sombra do que viria, ou seja, apontavam para Cristo, o Mediador da Nova Aliança (Hb 8:6).
Sendo assim, quando observamos os textos bíblicos em seu devido contexto e os esclarecimentos posteriores que a Escritura faz deles, somos auxiliados no entendimento sobre a finalidade de cada elemento apresentado em determinado período e entendemos qual era seu objetivo final. Isso pode nos privar de muitos equívocos.
Desse modo, compreenderemos o texto à luz da visão geral da Bíblia que, de acordo com Nick Roark e Robert Cline, pode ser resumida como: “Deus, o Pai, enviou seu Filho por meio do Espírito para conquistar um povo para a sua própria glória”. [4]
8. Busque extrair o significado do texto e não impor seu significado a ele
Lembre-se, devemos evitar impor o nosso significado ao texto. A Bíblia não foi escrita em nosso contexto, nem em nossa época, nem em nossa cultura, por isso sabemos que existem desafios de interpretação e textos difíceis; mesmo as sim, nossa tarefa é extrair o que o texto quer dizer e não forçarmos um sentido ao texto para justificar nossas ideias.
9. Aquilo que é fundamental está claro
Ao pensarmos nas passagens de difícil interpretação, podemos achar que somente um erudito poderia compreender as Escrituras. No entanto, nos pontos cruciais da fé cristã, a Bíblia é clara. Em pontos fundamentais, como no que é necessário para a salvação do homem, a mensagem é tão clara a ponto de até mesmo uma criança conseguir entender.
Dicas Práticas
- Em sua leitura bíblica diária, após a oração, considere a seguinte sequência:
• Observar o texto: faça perguntas como “Quem?”; “Onde?”; “O quê?”; “Quando?”
• Interpretar o texto: faça perguntas do tipo “Por quê?”; “Qual é o sentido?”; “O que quer dizer?”; “O que esse texto quer ensinar?”; “O que significa?”
• Aplicar o texto: faça perguntas como “O que o texto diz para nós hoje?”; “Como esse ensino afeta a minha vida?”. [5] - Procure uma igreja que valorize a pregação expositiva das Escrituras. Aquela que busca extrair o que os primeiros autores queriam dizer quando escreveram e, daí sim, aplicar à vida da igreja. O pregador que prega expositivamente é aquele que lê, explica e aplica o texto. Cuidado com pregações que ignoram a Bíblia ou a interpretam forçadamente. A igreja possui um papel fundamental na instrução doutrinária dos cristãos, os presbíteros devem se afadigar no es tudo das Escrituras (1Tm 5:17) para proclamarem a Palavra com fidelidade, contribuindo, assim, ao aperfeiçoamento dos crentes (Ef 4:12). Examine, além das pregações, as letras de músicas, entre outros ensinos, se de fato correspondem ao texto bíblico (inclusive este livro), pois a Palavra deve ser a nossa autoridade. Se quisermos saber se algo é certo ou errado, precisamos submeter isso às Escrituras.
3) Para crescermos na fé, devemos ser saturados das Escrituras: ler, estudar, memorizar, meditar e agir conforme os seus preceitos. Alguém disse a res peito de John Bunyan (autor de “O Peregrino”) que “se cortasse uma parte do seu corpo, ao invés de sangue, sairiam versículos bíblicos”, devido ao quanto aquele homem amava e lia as Escrituras. Que nós também sejamos assim, que creiamos que, de fato, a Bíblia toda é inspirada por Deus, é confiável, inerrante e nos ensina sobre o plano de Deus, seu caráter, atributos e vontade.
Fonte: Capítulo 1 do e-book “Conselhos importantes para novos cristãos” de Fernando Angelim.
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[1] CALVINO, João. Salmos. vol. 4. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2012. p. 185
[2] Trata-se do entendimento de que passagens mais obscuras devem ser interpretadas à luz de passagens mais claras sobre o mesmo assunto
[3] COXE, Nehemiah; OWEN, John. Covenant Theology: from Adam to Christ. ed. Ronald D. Miller, James M. Renihan, and Francisco Orozco. Palmdale: Reformed Baptist Academic Press, 2005. p. 33. [Tradução própria].
[4] ROARK, Nick. Teologia Bíblica: como a igreja ensina o evangelho com fidelidade. São Paulo: Vida Nova, 2018. p. 33
[5] MORAES, Jilton. Homilética: da pesquisa ao púlpito. São Paulo: Editora Vida, 2