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Sempre me surpreendi com a resposta de Jesus à primeira tentação de Satanás: “Se tu és Filho de Deus manda que estas pedras se tornem em pães.” (Mateus 4: 3). Imagino Jesus ali, olhando para as pedras. Suas costelas estão expostas, e seu corpo, muito desgastado após 40 dias de jejum. Mas, mesmo em condições de extrema fome, Jesus prioriza o alimento espiritual acima do nosso alimento físico: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.” (Mateus 4: 4).

Em outras palavras, a resposta de Jesus não é simplesmente uma rejeição à oferta de Satanás, mas uma reorientação de sua condição. Minha expectativa seria que Jesus dissesse, “o homem não deve desobedecer ao Senhor mesmo quando estiver morrendo de fome.” Em vez disso, ele diz com efeito, “mesmo nesta hora em que meu corpo definha, mesmo agora, minha necessidade mais profunda não é de pão, mas da Palavra de Deus.”

Uma das questões que surgem com maior frequência em meu discipulado de irmãos na igreja, é a batalha para conseguir ler a Bíblia diariamente. Isto não significa necessariamente que isto seja mais fácil para aqueles de nós que estão no ministério ou que estudam a Bíblia em um contexto acadêmico, na verdade, creio que muitos pastores enfrentam a tentação de que seu ministério de ensino da Bíblia predomine sobre, ou substitua completamente, sua própria leitura devocional pessoal das Escrituras. Mas se Cristo afirma que a leitura diária da Bíblia nos é mais importante do que o alimento diário, não podemos negligenciar nosso próprio alimento, mesmo enquanto procuramos alimentar outros.

Ao tentar ajudar irmãos com problemas nesta área, e também mantendo-me vigilante, criativo e revigorado em minha própria leitura bíblica, descobri algumas ideias básicas que têm sido úteis a alguns irmãos.

1. Identifique um tempo determinado e coloque-o em sua programação diária

Descobri que em meio ao ritmo da vida, a leitura da Bíblia (como tantas outras coisas) tende a ser suplantada, a não ser que faça parte da estrutura de nossa programação diária. Tentei fazê-lo assim que acordasse de manhã, mas um descobri problema sério com esta estratégia: Bebo café de manhã. Isto significa que meu cérebro não está totalmente engajado ao acordar. Além disso, por termos filhos que se levantam em horários diferentes, minha rotina matinal é menos previsível. Então mudei meu horário de leitura para assim que chegue em meu escritório. Não ligo o computador, e fecho a porta. Se sei que haverá um monte de gente querendo falar comigo, vou a um parque ou para um canto tranquilo do santuário.

Certas pessoas têm personalidades ou horários (ou ambos) que não se coadunam com ​​um tempo diário de sentar-se e ler. Uma opção que aconselhei para pessoas nestas circunstâncias, é ter a Bíblia em áudio em seu iPhone, e ouvir a leitura à caminho do trabalho, ou quando estiver na academia. Mas, qualquer que seja a maneira, ajuda muito ter um tempo separado a cada dia para a leitura bíblica. Isto ajuda a garantir que vai realmente acontecer, e também cria um senso de ritmo e regularidade.

2. Faça-o com outra pessoa

Não necessariamente ler a Bíblia com outra pessoa no recinto com você (embora isto possa funcionar, também). Quero dizer, ter alguém que esteja seguindo o mesmo programa de leitura que você, e a quem você vê regularmente, para que possam comparar como as coisas estão indo, bem como o que têm aprendido.

Ao longo dos últimos anos, quando jovens compartilham comigo que têm dificuldade em realizar uma “hora tranquila” com regularidade, comecei a detalhar meus planos devocionais e a compartilha-los com eles. Tem sido uma experiência incrível: não só intrinsecamente nos torna mais responsáveis, mas também nos dá a oportunidade de dialogar e nos envolvermos com o que estamos aprendendo. Somos muito mais motivados a ler com cuidado, quando sabemos que teremos uma conversa com outra pessoa sobre o que estamos lendo, e isto também abre as portas para descobrimos coisas novas no texto que nunca teríamos visto sozinhos.

Comecei a fazer guias devocionais para a nossa igreja, organizados em torno de nossa agenda de sermões, a fim de compartilhar esta experiência com a igreja toda. É realmente útil quando muitas pessoas diferentes estão se engajando com os mesmos textos bíblicos e temas: gera muita sinergia e conversa.

3. Se você está começando ou não sabe como fazê-lo, opte pela simplicidade e brevidade.

Às vezes temos dificuldade em ler a Bíblia devocionalmente todos os dias, porque temos uma expectativa maior do que é necessária, da mesma maneira que evitamos ir à academia, por nos sentirmos intimidados e deslocados, já que todos ali aparentam serem super-saudáveis. Descobri que algumas pessoas, quando são recordadas de que o tempo devocional não necessita ser super longo ou super profundo ou ter teor acadêmico, se sentem libertados Se você tem dificuldade em ler a Bíblia devocionalmente todos os dias, e está tentando melhorar, não comece com comentários ou trechos enormes. Comece com simplicidade, e progrida a partir deste ponto.

Por exemplo, apenas ler um versículo e orar sobre ele por cinco minutos a cada dia é muito melhor do que não fazer nada, e é um bom ponto de partida. Da mesma maneira que fazer esteira por 20 minutos, três vezes por semana não vai colocá-lo no nível de atletas olímpicos, mesmo assim, pode fazer uma enorme diferença em sua saúde. Um pouco é muito melhor do que nada, e dá-lhe um ponto de partida para progredir.

4. Tenha um sistema para resumir e lembrar o que você aprendeu

Bryan Chapell fala sobre o “teste de 03:00 da manhã” para sermões: imagine que alguém te acorda às 3:00 da manhã e pergunta qual é o tema do sermão. Você consegue se lembrar?

Se não, o sermão provavelmente ainda não está pronto.

Quando em meio ao meu dia, não consigo me lembrar do estudo devocional daquela manhã, me dou conta que estou fazendo isto na correria, no café da manhã ou em meio a outras atividades ou algo assim, e não estou digerindo a Palavra de Deus. Especialmente com textos narrativos mais longos, sinto muita facilidade em simplesmente seguir em frente com os meus afazeres diários e esquecer o que li, portanto necessito de um sistema para resumir e relembrar o que aprendi. Creio que muitas vezes, escrever um breve resumo de algo que Deus nos ensinou, e depois repeti-lo e orar sobre isso durante todo o dia, é bastante útil.

Presentemente, estou lendo I e II Reis, um capítulo por dia. Porque como resumir cada capítulo não é sempre óbvio, escrevo uma breve frase que sumariza algo que aprendi a partir do texto. Para I Reis 1 escrevi: “Deus escolhe líderes de maneira contrária à sabedoria humana.” Não é a ideia mais profunda ou complexa, e não é a única coisa no texto. Mas é algo que notei ao ler sobre do processo da escolha de Salomão em detrimento de Adonias. É algo concreto ao qual me apegar ao final do dia quando me lembro da história. Verei isto novamente no dia seguinte quando abrir I Reis 2, e isto também me ajuda a manter continuidade de um dia para o outro.

5. Implemente uma estrutura de oração e de aplicação

Nem sempre é fácil saber como aplicar passagens variadas das Escrituras ao evangelho, e a nós mesmos. Por exemplo, se sua leitura matinal o leva ao velho profeta de Betel em I Reis 13, você pode se perguntar como esta história se encaixa com a narrativa bíblica maior, ou o que você estará enfrentando neste dia.

Há muitas maneiras de tentar integrar cada texto individual no contexto maior da história da redenção, e de forma sistemática em relação ao evangelho, e nos pontos mais delicados, esta é uma tarefa complicada que requer crescimento contínuo. Creio, no entanto, que todo cristão pode realmente progredir ao aplicar uma estrutura básica do evangelho a cada passagem bíblica. Por exemplo, aqui estão duas questões que podem ser um ponto de partida muito útil, e que eu extrai das linhas mestras da Pregação Cristocêntrica de Bryan Chapell:

  1. O que esta passagem revela sobre a natureza humana, que necessita de redenção?
  2. O que esta passagem revela sobre a natureza de Deus, que proporciona redenção?

Isso não é tudo a ser feito, mas muitas vezes é um bom ponto de partida para a oração e a aplicação. De repente, quando leio I Reis 13, por exemplo, começo a ver novas perspectivas sobre a perversidade do pecado, e o carácter vinculativo da palavra de Deus. Começo a pensar sobre o quanto da minha própria inconstância e volubilidade vejo nos personagens desta história. Lembro-me de ontem ler a promessa de que “um filho nascerá à casa de Davi, cujo nome será Josias” (13:2). Sinto o peso da escuridão relativa desta época histórica, da necessidade desesperada do povo de Deus de um rei e salvador, em última análise, um Josias maior. Reflito sobre tudo o que aconteceu na história da redenção desde esta época.

Tenho maior consciência de minha profunda necessidade de Cristo. Reflito sobre onde estaria o mundo hoje se o nascimento em Belém não tivesse acontecido. Reflito sobre o que o livro de Hebreus diz sobre o que Cristo cumpriu, tudo o que já aconteceu na história da redenção. Agradeço a Ele, e peço que me ajude a ver mais de seu direcionamento e liderança providenciais em minha vida, como o Sumo Sacerdote maior e Rei definitivo, que agora está salvando e guiando o povo de Deus.

Mesmo em I Reis 13, e em todos os outros cantinhos da Bíblia, ainda que obscuros, há alguma contribuição única para a revelação do evangelho. Não há espaço desperdiçado na Bíblia. De fato, se tomarmos Jesus ao pé da letra, “toda palavra … sai da boca de Deus”, e é mais importante para nós do que a nossa alimentação diária.

Nota: Este artigo foi publicado originalmente em gavinortlund.com. 

Traduzido por Guilherme Cordeiro.

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