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Tom Wright conseguiu novamente. Ele produziu mais um volume, além de sua conceituada e ainda não concluída série, denominada “Christian Origins and the Question of God” [As Origens Cristãs e a Questão de Deus]. Mesmo os que questionam se Wright se perdeu ao recontar a doutrina de Paulo sobre a justificação podem apreciar sua produtividade. e incluo-me nessa categoria.

Wright se acerca à justificação em duas partes. A “Introdução” aborda a perspectiva, regras de engajamento, panos de fundo e definições num longo artigo inicial; Em “Exegese” então, intenciona mostrar sua visão sobre a visão de Paulo a partir dos textos de Paulo—primeiro Gálatas; então, Filipenses, Coríntios e Efésios; e finalmente, Romanos. Wright diz: “Estou escrevendo este livro para tentar, mais uma vez, explicar aquilo a que me refiro—que é explicar o que penso a respeito do que São Paulo estava falando” (21). Ele acha que John Piper, autor de “O Futuro da Justificação: Uma Resposta a N. T. Wright” (Niterói, RJ: Tempo de Colheita, 2007/2010), bem como a crescente lista de seus críticos, “não entendeu realmente o que eu estou dizendo” (21).

É fácil fazer uma lista rápida do que há de bom nesse livro. Wright constantemente nos lembra do Sola Scriptura, enfatiza a necessidade da exegese, sublinha a natureza corporativa da teologia de Paulo, destaca o papel de Israel na história da redenção, apresenta uma cristologia maravilhosa (e registra sua discórdia com a cristologia de James D. G. Dunn, a quem, estranhamente, dedica este livro), reconhece que Romanos fala primeiramente a respeito de Deus (40) e que é “um dos maiores documentos já escritos por um ser humano” (175), e condena o uso de “linguagem inexata” sobre a salvação pela fé. Wright, para nosso alívio, até mesmo admite que ele, Dunn e Richard Hays “nem sempre seguiram nem a história nem a exegese perfeitamente” (196), e que ele sente muito por ter dado impressões erradas no passado (180).

Mas, apesar deste grupo limitado de coisas boas, é desanimador descobrir que Wright ainda não aborda as questões que necessita abordar, a fim de mover a discussão adiante, deixando os que se opõem a ele com as mesmas perguntas não respondidas. Podemos classificar as áreas onde Wright frustra os leitores e deixa perguntas, numa sequência de cinco agrupamentos.

Compreender Mal Seus Críticos

Primeiro, é frustrante que Wright não defronte seus críticos tão bem quanto estes o defrontam. Ele menciona Piper pelo nome mais frequentemente, mas não é claro se é Piper que permanece como seu alvo ao longo do livro, ou se muitos dos suas críticas sem rótulo são direcionados a outros. Estaria Wright realmente colocando Piper entre os antropocentristas, ou teria ele outra pessoa em mente? Acusar Piper de antropocentrismo fará até mesmo os detratores mais agudos de Piper ficarem com dúvidas.

Uma coisa fica claro com relação a Wright. Apesar de todas suas reclamações a respeito de outros não o compreenderem, ele parece não ter feito o esforço necessário para acompanhar Piper, o qual, pode-se acrescentar, emprega visivelmente mais energia para escrever com clareza. Também é desanimador que Wright acha que pode fazer uma “manobra de cerco” (9) a esta altura do debate. Teria ele compreendido tão equivocadamente a lista atual de perguntas? Seus oponentes identificaram sua localização, marcharam em direção a ele em plena vista e agora estão apenas a alguns metros de distância. O tempo de manobras de cerco já passou. Ao tentar manobrar a esta altura, ele apenas aparenta estar sem munição

Devo dizer que Wright reconhece que este volume é preliminar e, em muitos sentidos, incompleto. Sua obra principal sobre Paulo será publicada no devido tempo. Adicionalmente, ele diz que se apressou em publicá-la em meio a seus deveres ministeriais. É lamentável que uma obra tão importante tivesse que ser concluída às pressas e um pouco injusto com o leitor e com seus detratores. Como podemos discernir entre onde ele está errado e onde foi forçado a terminá-la apressadamente?

Além disso, não fica claro se Wright entende o que a chamada “antiga perspectiva” quer dizer com “a imputação da justiça de Cristo”. Quem disse que a justiça divina poderia ser transferida de um lado ao outro do tribunal? Teria ele confundido a palavra “imputar” com “transferir”? E deixou Wright de levar em conta o papel essencial da encarnação na concepção reformada—”que não é o atributo divino da justiça que conta para o crente em união com Jesus, mas a justiça de uma vida inteira vivida pelo Deus-homem”? Wright inevitavelmente reconhece um tipo de imputação (sem usar a palavra) num nível corporativo (76), mas teria ele que fazê-lo à custa da aplicação a indivíduos que integram a corporação?

Dikaiosune Theou

Em segundo lugar, Wright obscurece a discussão ao continuar a considerar “dikaiosune theou” como um termo técnico que se refere à fidelidade de Deus às alianças, sem apresentar um raciocínio convincente. Seu projeto de revisāo da justificação pode estar desmoronando simplesmente por questões linguísticas. Usando “dikaiosune theou” como um termo técnico, Wright parece dar a si mesmo a liberdade de desprezar o contexto quando isto lhe é conveniente. (A frase “termo técnico” em Wright quase funciona como um tipo de advertência ao leitor de que ele está importando conceitos não existentes no texto examinado; a frase “narrativa controladora” parece ser outro marco deste tipo). Ele usa “dikaiosune” e “pistis” como sinônimos quando isto se encaixa em seu sistema, e como palavras diferentes quando não (203). Wright não consegue explicar “justo” como querendo dizer “fiel à aliança” em seus capítulos exegéticos, conforme demonstrado em sua exegese de textos-chave como Romanos 3:25-26 (206).

Nesse sentido, a explicação de Wright sobre 2 Coríntios 5.21 não convence, porque ele não estabeleceu que “dikaiosune theou” significa “fidelidade à aliança”. Invariavelmente, sua exegese se baseia nesta definição de “dikaiosune theou”, mas ele não provê suporte no AT (ou em qualquer outro lugar) para este conceito, simplesmente pressupondo ser fato (217). Então, ele usa a frase como meio para incorporar a “narrativa controladora” de Israel e Abraão, quando isto não é demonstrável na mente do apóstolo.

Nisto, há uma diferença considerável entre Piper e Wright. Pode-se dizer que Piper deveria ter dado maior consideração a Abraão, mas Wright leva o patriarca em demasiada consideração. Ao fazer isto, Wright se restringe ao que começa em Gênesis 12 sem ir mais atrás, dizendo que “Abraão é onde tudo começa” (217). Esta é uma grande deficiência em Wright: ele não volta até o ponto inicial onde as perguntas essenciais podem ser feitas. Qual foi o propósito de Deus na criação antes de haver uma aliança com Abraão—ou mesmo antes da criação? Por que, em última análise, Deus intencionou “colocar o mundo em ordem”? Deus já era justo antes de fazer uma aliança com Abraão? Já era justo antes de criar o mundo? Por Wright começar com Abraão e não abordar as perguntas essenciais, sua base é oca e sua estrutura instável.

Criando Neblina

Uma terceira decepção é a falta de clareza de Wright. Ele diz que foi mal compreendido, mas a lista de leitores que não o compreenderam, além de Piper é impressionante. Inclui Don Carson, Stephen Westerholm, Doug Moo, Mark Seifrid e Simon Gathercole.(E podemos presumir que a lista agora inclui Doug Wilson, Gerald Bray, Paul Helm, Dan Wallace e Michael Horton, os quais têm registrado enormes preocupações com este novo livro). Talvez seja Wright que esteja criando a neblina e não produzindo claridade.

Há uma penosa falta de franqueza em Wright, e parte disso é sua frequente referência a opiniões da antiga perspectiva sem dar nomes (talvez isso tenha ocorrido por ter sido apressado a publicar). Quem está dizendo que a justificação é a totalidade da salvação (87) e se estende “da graça à glória” (102)? Não é Piper, ou qualquer outro da lista acima. Quem quer que seja, Wright precisa dar nomes e números de página, para que possamos, todos juntos, corrigi-los em amor. Esperamos que o que está por trás dos interlocutores sem nome de Wright não sejam um bando de pessoas fictícias. De um jeito ou de outro, o que é preciso nesta discussão são palavras claras e afirmações francas o que não é o que Wright fez.

O Julgamento Final

Em quarto lugar, a neblina de Wright pode gerar a maior decepção quando ele se volta para o julgamento final. Será que ele realmente acha ser capaz de avançar seus argumentos descartando a diferença entre “na base de” e “de acordo com” com uma simples nota de rodapé (121, nota 7)? Não estaria ele, então usando a “linguagem solta” a qual em outros lugares deplora, não honrando o seu próprio refrão de Sola Scriptura, e se recusando a responder à situação que está em vista?

É legítimo que Wright questione se alguns deixaram o Espírito Santo de fora da discussão, e, provavelmente, sua razão para questionar isso é que ele quer trazer o Espírito para a produção da obediência divinamente empoderada (necessária) do crente, no julgamento final. Então, de que maneira a obediência forjada pelo Espírito é necessária no julgamento final? Esta é a pergunta que Wright necessita responder, mas na melhor das circunstâncias, ele continua a ser ambíguo e inconsistente, para não dizer gravemente enganado. Por um lado, ele diz: “o veredito do último dia […] já foi anunciado” (214); mas, em outro lugar, ele sustenta que a vida toda do cristão “leva ao veredito final” (193). Estaria ele criando espaço para basear o julgamento final nas obras forjadas pelo Espírito, estabelecendo duas justificações e divorciando a obediência da frase “obras da lei”? É revelador que ele deixa de fora a palavra “agora” em sua tradução própria de Romanos 8.1 (250-51)?

No final Wright parece dizer que são ambas as coisas: “Este veredito judicial […] é anunciado tanto no presente, com o veredito baseado na fé e na fé somente, e também no futuro, no dia em que Deus levantará dos mortos todos aqueles que já são habitados pelo Espírito” (251). Talvez sua referência à habitação do Espírito não queira contradizer o que Paulo diz em outro lugar—”não por obras de justiça praticadas por nós” (Tito 3.5)—mas é difícil chegar ao ponto de entender o que Wright está intimando. No mínimo, ele não foi claro neste ponto.

Exegese

Em quinto e último lugar, a exegese de Wright, na segunda metade do livro, é decepcionante para um erudito do seu calibre. Depois de sua longa introdução, a expectativa era que agora, ao menos, veríamos as fundamentações exegéticas com nova profundidade e sinceridade. Frequentemente, na primeira metade, ele apontava para o que vinha à frente, notando que a exegese estava adiante; mas aí, infelizmente, a segunda parte é substancialmente frustrante. Podemos notar que, em outras ocasiões, Wright escreveu não só um comentário sobre Romanos, mas também muitos artigos técnicos, monografias, e livros populares. Pode ser que no pensamento de Wright, o fato de ter dado à exegese maior atenção naquelas publicações pode servir como justificativa para a falta de detalhes neste volume. Mas é triste que sob o título de exegese ele basicamente tenta responder a seus críticos (que o desafiaram exegeticamente, ponto a ponto) voltando-se para o contexto principal—o qual depende da exata mesma exegese que ele não provê adequadamente.

A pergunta permanece: estaria Wright exagerando o papel de textos extra-bíblicos na leitura de documentos bíblicos? É verdade que “estamos inclinados a ler o NT em seu próprio contexto do primeiro século” (46-47), mas a questão que Wright parece ter ignorado é: qual é a janela mais confiável do cristão para o primeiro século? A resposta é o próprio NT. Estariam os textos extrabíblicos funcionando como fontes confiáveis para Wright, enquanto ele entende que o NT se tornou contingente? Wright expressamente procura por “terreno firme na exegese” (47) se voltando para fontes do primeiro século além do NT. A despeito do quanto Wright acena para a autoridade das Escrituras e retorne sempre a seu apreciado refrão de Sola Scriptura, não estaria seu modelo de exegese demonstrando que sua doutrina das Escrituras é fraca na prática?

Para Wright e Piper, a exegese tem dois sabores diferentes. Piper explora palavra por palavra, proposição por proposição, e aí, parágrafo por parágrafo. Wright se move muito mais rapidamente por grandes porções do pensamento de Paulo, se refere frequentemente a capítulos e parágrafos inteiros, e cita frases (comumente como termos técnicos) aparentemente removidas de seus contextos imediatos. É surpreendente que Wright tenha nos lembrado que “o texto é o texto” (249), quando ele tenha lidado tão pouco com o real texto bíblico em seu contexto. Por essa razão, os capítulos exegéticos de Wright são um desapontamento sério, ao sua exegese provar ser uma espécie de planar sobre o texto—raramente, para não dizer nunca, aterrissando, enquanto supre seu próprio significado para uma frase aqui e ali que contribua com um todo coerente, mas nega explicar as conexões entre as proposições e parágrafos de Paulo. Wright parece não entender que o debate não evoluirá se ele não examinar de forma convincente os textos de Paulo nos próprios termos de Paulo, ao invés de manter o texto à distância.

O aluno que investir tempo para estudar a exegese de Wright, utilizando uma boa tradução da Bíblia e o texto grego por perto, verá que as reivindicações de Wright não seguem o texto de Paulo proposição por proposição. Wright selecionou algumas palavras, frases e os chamados termos técnicos, e os acondiciona bem ao seu sistema, e a partir daí faz reivindicações abrangentes sobre capítulos inteiros e parágrafos, relacionando um ao outro sem pausar o suficiente para notar as conjunções e mostrar que Paulo está pensando da mesma forma. Ler Wright com os textos de Paulo abertos revela que Wright ainda não demonstra que pode explicar Paulo com a mesma proficiência que seus críticos mais cuidadosos tem.

Apesar do fato impressionante de ele ter publicado um volume mais uma vez, não parece que “A Justificação” irá acrescentar algo ao debate ou mesmo aumentar a estima por Wright no presente ou a longo prazo. Wright escreveu trabalhos notáveis no passado, e é uma pena que agora tenha manchado seu nome com este volume decepcionante.

Traduzido por João Pedro Cavani.

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