×
Procurar

Encontrei uma mina de ouro recentemente ao ler o livro clássico de A. B. Bruce “The Training of the Twelve” [O Treinamento dos Doze]. Ao refletir sobre a extravagância de Maria em quebrar seu vaso de alabastro e derramar o caro perfume sobre a cabeça e os pés de Jesus, Bruce foi atraído pela liberdade, pelo frescor e pela originalidade do que a mulher fez (Jo 12.1-8).

Os discípulos se opuseram ao ato de Maria, vendo-o como um desperdício, e Judas destacou que o perfume poderia ter sido vendido, e o lucro, dado aos pobres. Mas Jesus elogiou Maria. Ela fez o que pôde, e sua ação apontou para a obra que ele, nosso grande sumo sacerdote, faria, oferecendo-se como sacrifício por nossos pecados (Mc 14.8; Jo 12.7).

Bruce destaca o contraste entre o espírito generoso de Maria e a obediência sem alegria dos discípulos, que eram “servis ao observar certos modos de ação estereotipados”. O coração legalista sempre pergunta: “O que tenho de fazer?” e, em seguida, conforma-se a este padrão. Maria, porém, fez uma pergunta diferente: “O que posso fazer?”.

Maria sentara-se aos pés de Jesus. Ela experimentara o conforto de seu amor enquanto ele chorava com ela pela morte de seu irmão Lázaro. Ela testemunhara uma demonstração de seu poder soberano ao ressuscitar a Lázaro dentre os mortos. Ela sentiu-se movida a encontrar uma forma original e criativa para expressar o grato carinho que transbordava em seu coração, por Jesus.

Uma ideia lhe ocorreu: ela tinha um vaso de alabastro com perfume caro. Era o tipo de coisa que uma pessoa iria guardar e, talvez, repassar para os filhos. Mas ocorreu a Maria que este bem não poderia ser mais bem utilizado do que ao derramá-lo, em sua totalidade, sobre Jesus. E não haveria melhor ocasião do que o agora.

Quatro Características

O contraste entre esta devoção extravagante, original, inovadora e criativa e a abordagem bastante comedida dos discípulos é impressionante, e possui aplicações óbvias para a nossa reflexão acerca da doação generosa. O que me pegou de surpresa, porém, foi a aplicação que Bruce fez deste caso à pregação. Focando a originalidade criativa do ato de Maria, ele escreve:

“O que é necessário para encher as igrejas com pregadores originais […] não é maior conhecimento, ou mais treinamento, ou mais oportunidades, mas, acima de tudo, mais coração.”

Há um tipo de pregação que reflete o espírito do discípulo: obediente, disciplinada e fiel, mas também cansativa, apática e previsível. O que necessitamos são de mais pregações que reflitam o espírito de Maria; pregações com quatro características marcantes.

1. Centrada em Cristo

Todos os presentes no jantar em Betânia naquela noite puderam ver que Maria valorizava a Jesus mais do que a qualquer coisa no mundo. Ele era sua esperança, sua alegria, sua vida. Os discípulos (com exceção de Judas) também eram devotados a Jesus, mas a devoção de Maria era mais profunda, e exposta à vista de todos.

Pregadores cristãos são devotados a Jesus, mas alguns o consideram mais do que outros. Quanto mais formos cativados por sua pessoa, sua obra e sua glória, mais central ele se tornará em nossa pregação.

2. Destemida

Bruce observa que Maria além de original, era também destemida: “Ela não se perguntou antes: ‘O que será que os doze vão achar disso?’”. O perfeito amor lança fora o medo, e o amor de Maria por Jesus libertou-a das inibições que poderiam tê-la impedido de tomar a iniciativa mais memorável de sua vida.

A aplicação deste princípio à pregação é óbvia: quanto mais amarmos a Cristo, menos seremos inibidos pelo que Bruce descreve como “aquela coisa chamada opinião pública, perante a qual a humanidade se encolhe”.

3. Criativa

Exceto, possivelmente, pela ocasião registrada em Lucas 7, em que algo semelhante aconteceu, a iniciativa de Maria em verter o unguento foi original. Seu luxuoso presente foi bem além da disciplina normal do dízimo, e a fonte de sua inovação foi a plenitude de seu amor por Jesus.

Não tinha me ocorrido antes que a criatividade brota do amor, mas Bruce está certamente correto em fazer esta conexão a partir da unção em Betânia. O amor é criativo, e a pregação criativa fluirá do pregador cujo coração está em chamas por amor a Cristo.

4. Memorável

Ao elogiar Maria, nosso Senhor disse: “…onde quer que for pregado em todo o mundo este evangelho, também o que ela fez será contado para memória sua.” (Mt 26.13).

Por ter crescido em um lar cristão e ter desejado ser pastor desde uma tenra idade, ouvi os melhores sermões que pude encontrar. A Convenção de Keswick (não confunda com a teologia Keswick inicial) oferecia um serviço bibliotecário no qual emprestavam fitas cassete de pregadores talentosos, gravados na convenção. Ainda possuo páginas de anotações que datilografei na adolescência, enquanto ouvia aqueles sermões. Mas, além de minhas anotações, a impressão e o poder de algumas das mensagens permanecem gravados em minha memória, mesmo depois de quarenta anos.

Penso particularmente em quatro mensagens de Alan Redpath. Sua pregação pode ser memorável, simplesmente porque o Senhor usou-a para criar em mim uma maior fome espiritual, e acender em mim um compromisso mais profundo com Cristo. Mas Deus usa meios, e o que tornou a pregação de Redpath memorável foi a paixão de um homem que foi derrubado por um golpe devastador, que procurou a face de Deus no vale escuro, e que emergiu com uma renovada paixão para viver ainda mais plenamente por Cristo. Sua pregação das Escrituras foi infundida pelo que estava no coração de Redpath e Deus a usou para causar uma impressão duradoura em minha vida.

Mais Coração

Precisamos, no púlpito, de todas as virtudes de uma pregação disciplinada, meticulosa e fiel, mas uma pregação que reflita o espírito de Maria exige mais do que uma abordagem cerebral.

Mais uma vez, Bruce está certo: “O que é necessário para encher as igrejas com pregadores originais […] não é maior conhecimento, ou de mais treinamento, ou mais oportunidades, mas, acima de tudo, mais coração”.

Traduzido por Daila Fanny.

CARREGAR MAIS
Loading