Quando ensino em Romanos 7, já espero que haja uma resistência ao meu argumento de que Romanos 7:14-25 refere-se a experiência cristã de Paulo e, portanto, a nossa experiência cristã. Bons amigos pensam que quando Paulo diz “porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus (esō anthrōpon)” (Rm 7:22), ou: “de maneira que eu, de mim mesmo (autos egō), com a minha mente sou escravo da lei de Deus”(Rm 7:25), ele está expressando sua experiência pré-cristã.
Isto porque Paulo também diz: “Eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado” (Rm 7:14); “Pois faço o que detesto” (Rm 7:15); “Eu vejo nos meus membros outra lei que… me faz prisioneiro da lei do pecado “(Rm 7:23.); “Desventurado homem que sou!” (Rm 7:24.); e “sou escravo… lei do pecado” (Rm 7:25)
Estas declarações de derrota não soam como as declarações da pessoa que diz em Romanos 8:2, “a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te livrou da lei do pecado e da morte.”
Questão de Exegese
Eu sei que quando se trata de uma descrição positiva do que a vida cristã deve ser, e o que normalmente é, Tom e eu não diferimos significativamente. Em outras palavras, a nossa diferença de exegese sobre esta passagem não indica uma diferença significativa sobre o chamado e sobre o que se espera de cristãos genuínos.
Mas fidelidade e clareza bíblicas sempre são boas para nós. Portanto, pode ser útil fazer algumas observações esclarecedoras. Eu preguei seis mensagens sobre Romanos 7:14-25, com o título “Quem é este Homem Dividido?”, com uma argumentação mais extensiva. As dez razões que dei para minha posição nesses sermões estão resumidas aqui.
Cinco Esclarecimentos
Aqui estão alguns esclarecimentos que podem ajudar a elaborar o caso.
1. Eu não estou convencido de que Romanos 7:5 e 7:7-25 referem-se, ambos, a Paulo antes de sua conversão.
Tom e numerosos outros veem um forte argumento para a visão pré-cristã na afirmação de que Romanos 7:7-25 descompacta Romanos 7:5, enquanto Romanos 8:1-17 descompacta Romanos 7:6.
Visto que Romanos 7:5 refere-se a experiência pré-cristã, eles inferem que Romanos 7:7-25 também o faz. Eu não acho este ponto convincente. Por um lado, eles concordam que Romanos 7:13-25 está respondendo à pergunta do verso 13: “Acaso o bom [a lei] se me tornou em morte?”
Concordo. Isso é o que Romanos 7:13-25 está fazendo. A resposta de Paulo é “Não”. É o pecado, não a lei, que mata. Mas levanta a questão para assumir que sabemos como Paulo vai argumentar sobre isso em Romanos 7:13-25. Como ele vai mostrar o poder superior e a feiura do pecado, e a bondade da lei? Gostaria de defender a tese que ele argumenta a partir de sua própria experiência cristã em lidar com o pecado para mostrar quão poderoso e mortal é o pecado, e quão boa é a lei.
Além disso, observe a semelhança no pensamento e na linguagem entre Rm 7:6 e Rm 7:25. Em 7:6, temos a vitória sobre a servidão à lei seguida pelo grande resultado: “De modo que servimos (douleuein) em novidade de espírito e não na caducidade da letra” Da mesma forma, em 7:25, há uma outra vitória: “Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor!” seguida por outro grande resultado: “De maneira que eu, de mim mesmo, com a mente sou escravo (douleuō) da lei de Deus, mas, segundo à carne, da lei do pecado.”
Ambos os versos (7:6, 25) expressam o efeito ou resultado (versículo 6: hōste) de “servir” a Deus de uma maneira nova. Este “serviço” no verso 25, Paulo deixa explícito, não é o serviço da lei do pecado com a carne. Portanto, é o serviço de Deus pelo Espírito. Cinco versículos depois, Paulo deixa claro que a única alternativa para a vida da carne está em viver pelo Espírito.
Portanto, o argumento de Romanos 7:13-25 não se limita a descompactar a experiência pré-cristã de Romanos 7:5. É também um descompactar da experiência cristã de Romanos 7:6. E está apoiando Romanos 7:5 ao utilizar a experiência cristã para destacar o poder superior do pecado como nosso grande inimigo, não a lei.
2. Paulo genuinamente se deleita na lei.
Quando digo que um não regenerado Paulo não diria, “no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus” (Rm 7:22), não quero dizer que um judeu do primeiro século não poderia dizer isso. Quero dizer que o termo “homem interior” (esō anthrōpon) é a maneira de Paulo dizer: “Eu não quero dizer isso hipocritamente, ou superficialmente, ou farisaicamente. Quero dizer que eu mesmo, realmente, nas profundezas do meu novo homem regenerado (cf. Ef 3:16; 4:24), amo a lei de Deus.”
Não há dúvida de que haviam cristãos judeus regenerados no primeiro século, como Zacarias e Isabel, “justos diante de Deus, vivendo irrepreensivelmente em todos os preceitos e mandamentos do Senhor” (Lucas 1:6). Estou certo de que se deleitavam na lei de Deus e falavam sobre ela.
E não tenho dúvida de que havia judeus não regenerados que diziam “tenho prazer na lei de Deus” com os lábios, enquanto seus corações estavam longe de Deus (Mt 15:8). O não regenerado Paulo não era como Zacarias, mas como um adorador vão. Mas o Paulo que fala em Romanos 7:22 está tentando nos dizer que ele realmente pretendia que compreendêssemos desse jeito. É por isso que ele diz “no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus” (Rm 7:22) e também: “Eu, de mim mesmo (autos egō), com a mente sou escravo da lei de Deus” (Rm 7:25).
3. Paulo está se referindo a uma ocasião e não ao cativeiro total ao pecado.
Quando digo que Romanos 7:14-25 descreve a experiência cristã de Paulo, não me refiro a sua experiência de estado permanente. Quero dizer que esse tipo de derrota acontece com Paulo. Por exemplo, quando ele diz: “Se faço o que não quero… quem faz isso já não sou eu, mas o pecado que habita em mim” (Rm 7:16-17), ele está se referindo a uma ocasião na vida de Paulo, não a totalidade de sua vida.
Ou quando ele diz: “Mas vejo nos meus membros outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros” (Rm 7:23), ele não quer dizer que vive no estado permanente de “cativeiro”. Ele quer dizer que o cativeiro acontece com ele.
Então, quando descrevo Romanos 7:14-25 como “experiência cristã”, não me refiro a experiência “ideal”, ou a experiência de “normal” de estado permanente. Quero dizer que quando um cristão genuíno faz a mesma coisa que ele odeia (Rm 7:15), é isto o que realmente aconteceu com Paulo, o Cristão, em momentos de fraqueza e derrota.
4. Triunfo está ligado à guerra.
Um dos meus argumentos para o ponto de vista da experiência cristã é que Paulo segue sua exultação do triunfo no versículo 25 com uma forte inferência (ara oun), “portanto”, que nos leva de volta para o conflito e a “guerra” do versículo 23. O ponto de vista da experiência cristã faz sentido nesta sequência. Mas eu não vi uma resposta convincente a este argumento.
Paulo clama: “Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7:24) Ele responde com uma expressão exultante da vitória de Cristo, “Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor!” (Rm 7:25). Se a vitória que sinalizou a guerra de Romanos 7:14-25 estava atrás dele, quão natural teria sido para Romanos 8:1-2 começar com: “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te livrou da lei do pecado e da morte”.
Em vez disso, Paulo não só dá uma última expressão a seu conflito com o pecado interior, mas ele faz desse conflito uma forte inferência a partir da vitória que ele acabou de expressar. Ele diz: “[A vitória veio por meio de Cristo!] De maneira que eu (ara oun), de mim mesmo, com a mente sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, da lei do pecado.” (Rm 7:25).
Como esse “portanto” funciona? Parece que funciona assim: Porque Deus conquistou uma vitória grande, decisiva e definitiva sobre as forças do pecado que levam os meus membros cativos (Rm 6:13, 19; 7:5), eu posso ser com “a mente escravo da lei de Deus”, mesmo que, algumas vezes, a minha carne levante a mão e me leve ao cativeiro para servir à lei do pecado para que eu faça o que eu odeio.
Em outras palavras, há uma enorme diferença entre a experiência cristã da libertação do controle do “corpo desta morte” (Rm 7:24), e a experiência pré-cristã, quando nós “existíamos” (hēmen) na carne, [e] as nossas paixões pecaminosas, postas em realce pela lei, operavam em nossos membros a fim de frutificarem para a morte (Rm 7:5).
5. A guerra se torna algo possível, não passado.
Paulo se esforça para deixar claro em Romanos 7:25 que a diferença não coloca a guerra atrás de nós. Nossa morte em Cristo “ao que nos manteve cativo” e nosso servir “em novidade de espírito” (Rm 7:6) não significa que nunca tropeçaremos de volta para a experiência do cativeiro. Na verdade, o “portanto” de Romanos 7:25 explica que a vitória não faz da guerra algo passado; mas, torna ela possível e real.
Parece-me que o gemido de Romanos 8.23 enquanto “aguardamos a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo” é essencialmente o mesmo grito de Romanos 7:24: “Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?”
Em Romanos 7:24, o foco está na incapacitante moral ligada ao corpo, e em Romanos 8:23 o foco está no físico. Mas a referência ao “ainda não” da adoção, em Romanos 8:23 (que culmina em conformidade com o nosso irmão mais velho em Romanos 8:29) lembra-nos que tanto moralmente quanto fisicamente, há um enorme “ainda não” para o cristão .
E meu argumento é que há muito mais continuidade do “ainda não” de Romanos 7 para Romanos 8, espiritual e fisicamente, do que às vezes é percebido.
Traduzido por Samanta Stein