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Você Ama a Jesus, Mas Não à Igreja?

“Eu amo a Jesus. São os cristãos que eu não aguento!”.

Já ouvi isto (ou algo muito parecido) declarado como o julgamento decisivo que autoriza alguns a evitarem qualquer envolvimento na vida da igreja. O que impulsiona este sentimento? É, penso eu, a ofensa do evangelho sobre a qual Søren Kierkegaard escreveu em seu livro Prática do Cristianismo.

Uma Igreja Pagã

Kierkegaard viveu em Copenhague, na Dinamarca, em meados do século XIX. Quando alguém nascia naquela época e naquele lugar, era batizado, e assim, por lei e por costume, era considerado um “cristão”. E, no entanto, poucas pessoas eram realmente cristãs. Tal como Kierkegaard escreveu em seu livro, um cristianismo tão diabólico e cultural converteu o cristianismo em paganismo.

Kierkegaard começa Prática do Cristianismo com o chamado de Cristo em Mateus 11.28: “Vinde a mim!”. Com Jesus, ele escreve: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei”. Mas quem era o Jesus que falou estas palavras? Não foi o Cristo glorificado, mas o Cristo muito humano, muito humilde e sem poder mundano; o Cristo desprezado e rejeitado pelos homens.

Portanto, imediatamente, somos confrontados com a ofensa. A ofensa é o Cristo que “em seu estado de humilhação. . . proferiu estas palavras; de Seu trono na glória, ele não as proferiu” (19). Ou seja, não foi o Cristo glorificado quem disse essas palavras; ou quem as profere agora. De fato, todos os que estāo deste lado da ressurreição são muito rápidos em pensar que podemos correr para o Cristo ressuscitado e glorificado, ignorando o Cristo que é “manso e humilde de coração” (Mateus 11.29).

O clérigo, o filósofo, o estadista, o escarnecedor e até mesmo o cidadão sólido são atraídos para o Cristo glorificado por suas próprias razões; todos descartam o verdadeiro Cristo como uma ofensa. Então, Kierkegaard escreve: “Todo o cerne e vigor foram destilados do cristianismo; a tensão do paradoxo foi relaxada, podemos nos tornar cristãos sem perceber isto, e sem pelo menos perceber a possibilidade de ofensa. […] Desta maneira, o cristianismo se tornou em paganismo” (30). No entanto, o verdadeiro Cristo é o homem desprezado, que nos ordena: “Venha!”. Ao conhecer apenas o Cristo exaltado, Kierkegaard desafia: “temos deificado a ordem estabelecida e secularizamos o cristianismo” (77).

Coroa Sem Cruz

O que é este paganismo secular? O paganismo oferece a glória sem a ofensa; uma coroa sem a cruz. Mas se quisermos responder ao “Vinde a mim!” de Jesus, devemos nos achegar com um coração contrito, triste, quebrantado e no caminho estreito (62), respondendo ao homem que afirmou ser Deus, mas de modo algum atende a nossas expectativas de Deus. De fato, em uma cultura cristã, as pessoas “não se ofendem com a afirmação de que Ele é Deus, mas pela observação de que Deus é este homem” (87). No entanto, é o Cristo humilhado que nos convidou e nos convida ainda hoje. Não podemos ignorar o Cristo humilde e crucificado e irmos diretamente ao Cristo glorificado.

Como é isto uma ofensa? O que Jesus está pedindo de nós? “A humilhação do verdadeiro cristão não é uma simples humilhação; é meramente a imagem refletida da exaltação, mas seu reflexo no mundo” (179). Kierkegaard poderia ter citado Romanos 8.17: “Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados”. Em vez disso, ele nos lembra de João 12.32: “E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo.”

Ambos os textos nos lembram que devemos querer ser atraídos para o Cristo empobrecido e humilde; aquele que é amaldiçoado e levantado da terra. Ele é o homem não atraente que proferiu esta oferta, e não outra. Devemos desejar o desprezado, em sua humilhação, submetendo-nos a nossos próprios sofrimentos com Ele. Você está disposto?

Uma Noiva Ofensiva

Muitos dirão: “Claro que sim! Estou!”. Bom, mas alguns que dizem isso, mesmo quando dizem isso, caem na própria armadilha da qual Kierkegaard nos alertou. Podemos dizer: “Mas como poderia ser isso?! Kierkegaard viveu em tempos diferentes. Nós não vivemos em uma cultura cristã; nem um pouco! Nossa cultura é pós-cristã, até hostil ao cristianismo. Eu respondi ao ‘Vinde a mim!’ de Cristo, e tive custos com isto!”. Possivelmente. Talvez não. Não se viermos ao Cristo glorificado sem a possibilidade de ofensa. Não se evitarmos nos identificar com a igreja de Cristo.

Vejam que, embora Cristo hoje seja glorificado, a igreja ainda não foi glorificada. E esta igreja ainda não glorificada é o próprio corpo de Cristo que conclama a todos: “Vinde a mim!”. Esta igreja é fraca, pouco atraente e. . . ofensiva. Se Jesus foi desprezado por comer com os pecadores, nós somos estes pecadores. Quando a igreja diz: “Vinde a mim”, muitos se encolhem! A igreja reflete a mesma quantidade da ofensa do evangelho quanto de sua glória. Talvez mais ainda da ofensa. Contudo, por meio de nós, Deus faz seu chamado ofensivo; nós somos essa ofensa do evangelho. Eu sou.

E quantos hoje rejeitam a oferta de Jesus “Vinde a mim!” porque a igreja parece tāo . . ofensiva! Nós, a igreja, estamos “cheios de pecadores e hipócritas”! É verdade. E aqueles que dizem: “Deus, sim; cristãos, não!” tem certa razāo, mas Deus está dizendo: vocês não entendem o chamado do evangelho. Para nos chegarmos ao Cristo exaltado, não podemos ignorar a ofensa; Sua igreja não glorificada. Embora uma pessoa possa inicialmente se chegar a Deus sem a igreja, ninguém pode ficar com Deus enquanto rejeita a igreja. O primeiro reflete a glória de Cristo somente; o último é uma rejeição da ofensa.

“Vinde a mim!”

Cristo disse que Ele era Deus, mas o próprio fato de ser também um homem era a ofensa. Ele não tinha nenhum pecado, mas nada de atraente também; não para um mundo judeu à espera de um poderoso redentor. Esta ainda é a situação hoje. Não podemos andar pelo lado de fora da igreja, tentando evitar a contaminação dos pecadores, como se pudéssemos encontrar outro caminho para Deus. Não se pode desprezar o corpo de Cristo que continua a anunciar sua oferta “Vinde a mim!” e, em vez disso, cruzar a rua para evitá-la.

Chegarmo-nos a Cristo é amar Sua noiva (muito confusa e ainda não glorificada). Jesus ainda diz: “Vinde a mim” para um mundo impressionado com a ideia de um Cristo glorificado, mas é uma igreja fraca e muito humana que chama em seu nome e por sua autoridade: “Vinde!”.

Você está ofendido?

Publicado originalmente em DesiringGod.org.

Traduzido por Raul Flores

 

 

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