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A Tradição Reformada Sobre Israel é Diversificada

É a tradição reformada historicamente supersessionista? Isto é, os teólogos que seguem a trajetória calvinista sempre ensinaram que a igreja substitui Israel sem deixar vestígios, de modo que as pessoas de Israel que não aceitam a Jesus e aquele pequeno território no Mediterrâneo não são mais teologicamente significativos?

Poderia-se pensar assim. Afinal, João Calvino escreveu que, como os judeus não “retribuíram” como parceiros dispostos na aliança de Deus, “merecem ser repudiados” (Institutas 4.2.3). Para Calvino, só há uma aliança, portanto a nova aliança não substituiu a antiga; no entanto, a igreja é a nova beneficiária das promessas do Antigo Testamento feitas ao Israel judeu. Não há eleição corporativa contínua de Israel, apenas eleição de israelitas individuais que aceitam a Cristo (Institutas 3.21.6). Portanto, após a ressurreição de Jesus não há futuro para o povo ou para a terra de Israel que faça qualquer diferença teológica.

Interpretações dos Puritanos

A partir do final do século XVI, no entanto, alguns dos descendentes teológicos de Calvino, em sua maioria puritanos, adotaram uma abordagem diferente. Eles levavam a sério a ênfase da Reforma no sentido pleno da Bíblia e, portanto, distinguiam entre as promessas feitas ao Israel judeu e aquelas feitas ao novo Israel gentio. Thomas Draxe (d. 1618) foi um discípulo do teólogo puritano William Perkins. Ele usava Romanos 11 e profecias bíblicas para argumentar que Jesus não viria novamente até que “os judeus dispersos em geral se convertessem ao cristianismo”, mas que enquanto isso “seriam temporariamente restaurados em seu próprio país, reconstruiriam a Jerusalém, e teriam uma igreja e comunidade bastante reformada e próspera”.

Em seu comentário sobre o livro do Apocalipse, publicado postumamente em 1611, Thomas Brightman (1562–1607) escreveu que os judeus eram os “reis do oriente” em Apocalipse 16.12 que destruiriam o Islã. Ele tinha certeza de que seriam restaurados na terra de Sião: “Voltarão eles a Jerusalém? Não há nada mais certo: os Profetas claramente confirmam e repetem com frequência sobre isto”.

Henry Finch (c. 1558–1625), um membro do Parlamento e forte defensor das causas puritanas, rejeitou a atribuição de todas as promessas do Antigo Testamento à igreja gentia:

“Onde Israel, Judá, Sião, Jerusalém, etc. são nomeados neste argumento, o Espírito Santo não significa o Israel espiritual, ou igreja de Deus formada pelos gentios, nem dos judeus e gentios juntos (pois cada um deles tem a suas promessas separadamente e à parte), mas Israel apropriadamente descendência física de Jacó”.

Joseph Mede (1586-1638) foi outro simpatizante puritano que promoveu uma convicção puritana frequentemente repetida de que os judeus seriam restaurados na terra de Israel após a destruição do império turco. Um dos estudantes de Mede foi John Milton, que em Paradise Regained (1670) escreveu sobre o retorno do povo de Israel à sua antiga terra:

“No entanto, Ele finalmente, em tempo que somente ele sabe, lembrando-se de Abraão, por algum chamado maravilhoso pode trazê-los de volta, arrependidos e sinceros, e em sua passagem fende-se o dilúvio assírio, enquanto a sua terra natal com alegria eles se apressam, como o Mar Vermelho e o Jordāo, que ele uma vez separou, quando à Terra Prometida, seus pais passaram. Para o seu devido tempo e providência, eu os deixo”.

Increase Mather escreveu em seu The Mistery of Israel’s Salvation [O Mistério da Salvação de Israel] (1669) que a conversão futura da “nação judaica” era “uma verdade tardia [que] ganhou muito terreno em todo o mundo”. Esta aceitação generalizada foi um sinal de que os tempos do fim estavam próximos, época em que “os israelitas voltarão a possuir... a terra prometida a seu pai Abraão ”.

Uma das inovações de Mather era afirmar que os judeus recuperariam sua antiga terra antes de se converterem. Seria apenas “depois que os israelitas retornassem à sua própria terra novamente” que o Espírito seria derramado sobre eles. Mather também advertiu contra uma espiritualização supersessionista de promessas feitas a Israel: “Por que devemos recusar desnecessariamente interpretações literais”? Tal como Finch, Mather insistia que as promessas sobre a herança terrena não deveriam ser espiritualizadas.

Interpretação Holandesa

Mas não foram apenas os puritanos anglo-americanos na tradição reformada que se afastaram da versão de supersessionismo de Calvino. Na virada do século XVIII, o teólogo reformado holandês Wilhelmus à Brakel (1635–1711) publicou uma teologia sistemática de quatro volumes que apresentava uma visão mais sutil do Israel judeu. Brakel insistia que a referência de Paulo a “todo o Israel” em Romanos 11.26 tinha em mente o Israel judeu como um povo com um futuro distinto. Brakel declarou enfaticamente que os judeus retornariam à terra:

“Será que a nação judaica será reunida novamente de todas as regiões do mundo e de todas as nações da terra em que foram dispersas? Chegarão e habitarão em Canaã e em todas as terras prometidas a Abraão, e Jerusalém será reconstruída? Cremos que estes eventos ocorrerão”.

Apresentando Jonathan Edwards

Jonathan Edwards (1703–1858), talvez o maior teólogo reformado depois de Calvino, concordava com Brakel que o superessionismo de Calvino usava uma hermenêutica hiper-espiritualista que ignorava o sentido claro das Escrituras. Embora ele concordasse com Calvino que Deus havia abandonado o Israel corporativo porque sua idolatria o havia levado ao ciúme, ele argumentava que o abandono divino seria temporário. Haveria um segundo dia de graça. Pouco antes do início do milênio, Deus removeria o véu sobre seus olhos e suavizaria seus corações com a graça. Todo o Israel será então salvo. “Nada é mais certamente previsto do que esta conversão nacional dos judeus no capítulo 11 de Romanos.”

Edwards determinou que os judeus retornariam à sua terra natal. Isto era inevitável, raciocinava ele, já que as profecias de terra dadas a eles tinham sido apenas parcialmente cumpridas. Era também necessário para que Deus os tornasse num “monumento visível” de sua graça e poder em sua conversão. Naquele momento, a religião e a aprendizagem estariam em seus respectivos picos, e Canaã, mais uma vez, seria um centro espiritual do mundo. Embora Israel fosse novamente uma nação distinta, os cristãos teriam livre acesso a Jerusalém, porque os judeus considerariam os cristãos como seus irmãos.

Faz sentido, escreveu Edwards, que a redenção corporativa seguiria o padrão de redenção individual. Ou, como ele diria, há harmonia entre a redenção corporativa e individual. Em seu livro “Blank Bible”, ele escreveu que assim como a “restauração” de um indivíduo envolve apenas sua alma, mas depois seu corpo na ressurreição geral, também “não somente o estado espiritual dos judeus será restaurado daqui em diante, mas também seu estado externo como nação em sua própria terra. . . será restaurado por [Cristo].

Evidência do Novo Testamento

Edwards e seus predecessores puritanos não apenas se concentraram no sentido pleno das promessas do Antigo Testamento; eles também notaram uma ampla gama de sugestões no Novo Testamento de que o povo e a terra de Israel teriam um futuro. Por exemplo, Jesus predisse que um dia Jerusalém o receberia (Lucas 13: 34-35). Em Mateus 24, ele disse que quando o Filho do Homem voltar, “todas os povos da terra se lamentarão”, citando a profecia de Zacarias sobre os habitantes de Jerusalém em luto, quando “o SENHOR salvará primeiramente as tendas de Judá” (Zc 12.7,10).

Então em Mateus 19 Jesus disse aos seus discípulos que “Em verdade vos digo que vós, os que me seguistes, quando, na regeneração, o Filho do Homem se assentar no trono da sua glória, também vos assentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel.” (v. 28). Quando seus discípulos perguntaram a Jesus pouco antes de sua ascensão, “Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel? ” (Atos 1.6), Jesus não contestou a suposição de que um dia o reino seria restaurado ao Israel físico. Ele simplesmente disse que o Pai havia marcado a data e eles ainda não precisavam saber.

Em Atos 3, Pedro ansiava pelos “tempos da restauração de todas as coisas, de que Deus falou por boca dos seus santos profetas desde a antiguidade” (Atos 3.21). A palavra que Pedro usou para “restauração” foi a mesma palavra (apokatastasis) usada na Septuaginta (que a igreja primitiva usava como sua Bíblia) para o futuro retorno de Deus de judeus de todo o mundo a Israel. E no Apocalipse o Cordeiro atrai seus seguidores para Sião no estágio final da história (Ap 14.1), e a nova terra está centralizada em Jerusalém, que tem 12 portas nomeadas “das 12 tribos dos filhos de Israel” ( Ap 21. 2,12).

Resumo final: tem havido diversidade nas interpretações reformadas acerca de Israel. Há espaço na tradição para se se ver um futuro para o Israel judeu e sua terra, enquanto ao mesmo tempo se mantém a insistência de Calvino de que a igreja herdou muitas das promessas feitas ao Israel do Antigo Testamento.

Traduzido por Luiz Santana

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