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Acho muito saudável o desejo de jovens de serem engajados nas diversas áreas da cultura ao seu redor. No entanto, essa expectativa de redimir ou transformar uma profissão ou a sociedade é eivada de expectativa utópica de triunfo e pode ser confundida com sua missão enquanto cristão neste mundo. É verdade que os cristãos se esforçam por redirecionar a cultura numa direção benevolente que a restaure, o máximo possível, dos efeitos do pecado (graça comum). Isto não significa que nossa postura é de “transformação” (ou de redimir a cultura), uma palavra otimista demais em relação àquilo para o qual fomos chamados.

REDENÇÃO É UM ATO DIVINO

Mas qual é o problema de usar o termo “redenção”? Creio que há duas considerações bíblicas que nos ajudam a discernir o nosso papel como distinto de redenção. Primeiro, redenção, na Escritura, é um ato divino. O termo “redenção” e alguns de seus correlatos são termos que a Bíblia reserva a Deus somente. A única vez em que a Bíblia associa redenção a uma ação humana é na expressão paulina “remindo o tempo” (exagorazomenoi ton kairon; Ef 5.16; Cl 4.5). Esse remir não significa ter controle das horas (a palavra grega não é chronos, mas kairós), mas também não significa ter controle sobre uma época a ponto de modificá-la na raiz. Esse poder é divino. Tudo o que Paulo está falando é que podemos nos portar de forma santa a fim de contrastar com os dias maus, que é o propósito do sal (Ef 5.15-16; Cl 4.5-6; o texto de Colossenses inclusive conecta o remir o tempo com a metáfora de sal). Em tempos quando não havia refrigeração, o sal era fundamental para a preservação da carne. Sal, portanto, tem apenas característica preservadora, não transformadora (o sal não transforma carne podre em carne boa). Semelhantemente, uma esposa cristã pode santificar o lar (1 Co 7.14) quando, por exemplo, separa os seus filhos de influências maléficas ou quando restringe a manifestação do mal em sua casa (papel antisséptico do sal). No entanto, ela não tem controle sobre a salvação de seu companheiro (1 Co 7.16). Esse texto paulino distingue bem a nossa função. Trabalhamos em prol de salgar o contexto, mas redenção é negócio divino.

REDENÇÃO NUNCA RETROCEDE

Em segundo lugar, redenção nunca retrocede. Uma reforma social pode preservar certos valores em uma comunidade, mas tais valores sociais não são perenemente mantidos. A história nos mostra que uma conquista social frequentemente é desfeita pela contaminação posterior. Se tal conquista não é perdida, traz consigo outras deturpações. Afinal, todo movimento chamado de “avanço social” tem trazido muitos retrocessos sociais. Redenção, em contrapartida, é sempre retratada como progressivamente certa. Um indivíduo pode enfraquecer na fé, tropeçar em pecados, subjetivamente ter a percepção de regredir. Todavia, objetivamente ele nunca retrocede em redenção. É impossível um cristão estar menos remido hoje do que estava ontem. Pelo contrário, somos transformados de glória em glória pelo Espírito de Deus (2 Co 3.18; cf. Cl 3.9-10). A renovação de nosso ser segundo a imagem de Cristo é progressivamente certa (Rm 8.28-30; Fp 1.6). Ainda somos cercados por maldições não retiradas (Rm 8.18-23), mas isso não impede que caminhemos em triunfo, o qual já nos está garantido (Rm 8.35-39; 2 Co 2.14).

À luz dessas considerações, sugiro que falemos de reforma, ao invés de redenção. Deus redime, nós apenas reformamos. Nossa atitude é de reforma, participando dos movimentos de Deus em restaurar certas áreas da sociedade inclinada ao mal. Podemos ser instrumentos de Deus para frear a derrocada moral e espiritual, retardar o processo de putrefação (função preservadora do sal), como foram os reis de Judá que operaram Reforma após períodos de grande incredulidade e vileza (ex: Asa, Ezequias, Josias). A Reforma Protestante do século 16, o Grande Despertamento na América colonial e Inglaterra do século 18, foram movimentos em que Deus freou a decadência de um povo e permitiu que certas áreas da sociedade fossem reformuladas segundo o padrão bíblico. “Reforma” traz a ideia de que a renovação não é perene, principalmente considerando a tendência que as coisas têm para o caos e a decadência (2ª lei da termodinâmica). Por isso é que reforma é uma necessidade contínua: igreja reformada, sempre reformando. Enquanto estamos reformando a cultura (valores, princípios, enfoques), Deus está remindo pessoas.


Trecho retirado do lançamento Amando Deus no Mundo: Por uma cosmovisão reformada, publicado pela Editora Fiel. Compartilhado com permissão.

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