Muitos pastores anseiam pelos dons de pregação e do sucesso ministerial de Charles Spurgeon, mas poucos desejam o profundo sofrimento que o acompanhou. Seus sermões publicados revelam um mestre na pregação às almas aflitas, porém precisou ele mesmo conhecer a aflição para fazer isso. Para Spurgeon, o sofrimento não era uma infelicidade ou coincidência na vida pastoral; ministério e dor estavam teologicamente conectados, faziam parte do pacote.
Spurgeon defendia que o sofrimento é necessário para um ministério fiel devido ao relacionamento singular que os pastores têm com Cristo – eles são condutores da graça de Deus para outros. Ao proclamar o evangelho dos sofrimentos de Cristo, tornam-se semelhantes a Cristo em suas aflições. Sofrer também é necessário pelos seus benefícios: isso faz com que os pastores experimentem as verdades proclamadas ao povo, os mantém humildes e lhes concede a compaixão indispensável para seu trabalho.
Ministério Sem Reservas
A vida de Spurgeon foi marcada por uma mistura de dores que vieram no decorrer do seu notável ministério. Ele pregou mais de 10.000 vezes, em algumas ocasiões tão doente que precisou ser carregado do púlpito. Sua popularidade e o crescimento da igreja geravam deveres incessantes, dos quais não fugia ou delegava por acreditar serem responsabilidades essencialmente pastorais.
Spurgeon insistia que o ministério fácil é evidência de um falso ministério, o qual será difícil justificar diante do tribunal de Cristo, “O homem que pensa que o ministério é uma vida fácil, também descobrirá que isso lhe trará uma morte difícil”. Para ele, os verdadeiros ministros carregavam as marcas de um “trabalho árduo”; algo necessário, pois de que outra forma o povo de Deus – ovelhas com muitas necessidades e enfermidades espirituais, que frequentemente se desviam e causam grande aflição aos seus pastores – seria adequadamente cuidado? O pastor que vive sem dificuldades é, geralmente, aquele que se conforma em deixar algumas ovelhas morrerem!
Os comentários de Spurgeon sobre o esforço no ministério precisam ser entendidos à luz de sua prática de descanso e renovação. Por exemplo, a partir de 1871 ele fez viagens anuais a Menton, na França, buscando restauração e recuperação — normalmente por dois meses seguidos. Spurgeon ensinava e praticava o descanso visando sua utilidade a longo prazo. Suas palavras firmes sobre o peso do ministério, portanto, estavam mais ligadas à sua visão de identidade pastoral do que a uma prescrição sobre-humana para a prática ministerial.
Bênçãos do Sofrimento Necessário
Além de suportar as pressões do ministério, Spurgeon enfrentou uma série de outras provações: aflições físicas, mentais, emocionais e espirituais. A gota e outras enfermidades lhe causavam intensa dor, afastando-o das responsabilidades pastorais por semanas no início de 1867, enquanto sua saúde se deteriorava de forma constante entre 1879 e 1892. Suas lutas mentais também foram profundamente desafiadoras, especialmente sua batalha por toda a vida contra a depressão, a insônia e as mudanças bruscas de humor que se intensificaram após o desastre no Surrey Music Hall.
Spurgeon cria que o sofrimento poderia trazer benefícios espirituais de diversas formas aos crentes; e refletia especialmente sobre o bem que uma variedade de males poderia proporcionar ao coração do pastor. Em tempos de conforto e prosperidade, os pastores podem confiar demais em si mesmos, desviar os olhos das promessas de Deus, esquecer-se da eternidade ou negligenciar a força que vem do Espírito. Por meio do sofrimento, o pastor aprende a viver as verdades que proclama. Spurgeon perguntava: “Pode um homem conhecer de fato qualquer verdade do evangelho antes de conhecê-la pela experiência?”.
A teologia ministerial de Spurgeon deve ser a principal lente pela qual compreendemos seus sofrimentos — e não o contrário, como se suas dores fossem o fator determinante na formação de seu ministério. Sua visão de ministério o levou às aflições, motivou-o a perseverar apesar delas e serviu como lente permanente pela qual interpretava cada provação que, pacientemente, suportava.
Pastores também precisam sofrer de maneira particular por seu povo particular. O pastor deve ser a epítome da vida de suas ovelhas, enfrentando tentações a fim de ajudá-las a vencer, sentindo suas dores para melhor consolá-las. Na experiência espiritual, “as ovelhas de Deus vagueiam para longe, e nós precisamos ir atrás delas; e, às vezes, os pastores vão a lugares aonde jamais iriam, não fosse a busca pelas ovelhas perdidas”. Assim, os pastores deveriam interpretar suas tentações e provações como um preparo divino para ministrar de forma mais adequada ao rebanho que lhes foi confiado.
Reflexões de Spurgeon para Hoje
O que um ministro deve fazer com suas tribulações físicas, mentais e emocionais, aparentemente aleatórias? Como um pastor deveria responder a uma tentação perturbadora e inesperada? Será que um grupo irredutível em sua igreja, obstinado por sua demissão, significa que você deva buscar outro lugar?
Spurgeon, sabiamente, direciona aqueles que atravessam provações desconcertantes às verdades profundamente encorajadoras quanto à identidade do pastor: o sofrimento do pastor está cumprindo sua conformidade com Cristo, produzindo humildade, ajudando-o a viver o que prega e conceder-lhe empatia por seu povo em suas tentações e provações. Em suma, os sofrimentos de um pastor o fazem mais parecido com o Mestre que ele serve e mais eficaz em seu serviço.
Traduzido por Vittor Rocha.