Um ouvinte de podcast e leitor de longa data do conteúdo do desiringGod que vive na África nos escreve com uma pergunta honesta: “Pastor John, sou um homem casado com quatro filhos e recentemente conheci outra mulher. Eu a amo e contei à minha esposa sobre ela. O que gostaria de saber de você é se, como um cristão, é errado ou não ter duas esposas.”
Antes de responder, Pastor John, é claro que devemos ter em mente que vários países africanos permitem o casamento civil polígamo, assim como no Oriente Médio isto também é verdade e como era verdade no Antigo Testamento na Bíblia. Nos EUA no estado de Utah, a poligamia é tecnicamente ilegal, mas a lei não é aplicada consistentemente. Falando mais amplamente, uma pesquisa Gallup vem acompanhando opiniões sobre questões morais importantes nos Estados Unidos desde o início da década de 2000. Em 2001, 7% dos americanos disseram que a poligamia era moralmente aceitável. Hoje esse número é de 16%. Programas de TV americanos populares estão destacando a poligamia e estão, talvez, incitando essa ideia. E agora a decisão do Supremo Tribunal dos EUA abre a porta para todos os tipos de “casamentos”, como falamos ontem.
Então o que devemos pensar sobre a poligamia sob uma perspectiva cristã?
Vamos direto ao ponto. Não creio que a vontade de Deus hoje, como revelada no Novo e no Antigo Testamento (se lido corretamente), permite ou promove a poligamia. Esta é a afirmação. Aqui estão as minhas seis razões bíblicas.
1. No princípio, Deus criou o homem, homem e mulher com o objetivo de que eles se casassem e se tornassem uma só carne.
Então o Senhor fez a mulher da costela do homem e, em seguida, Adão diz em Gênesis 2.23: “Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; ela será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada”. Logo depois tem este versículo absolutamente fundamental, que tanto Jesus quanto Paulo citaram: “Portanto deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão uma só carne.” (Gênesis 2.24). Este versículo é citado por Jesus e Paulo como decisivo para o significado do casamento hoje. E o significado foca especialmente em deixar os pais e se unir a uma esposa, tornando-se uma só carne com ela. Esta realidade de uma só carne é profundamente comprometida pela poligamia.
2. Quando Jesus tratou do divórcio e mostrou como os fariseus estavam se divorciando quando não deveriam, mesmo tendo sido algo permitido no Antigo Testamento, ele nos mostrou em sua resposta uma forma de entender por que a poligamia fora também uma vez permitida e, ainda assim, agora é proibida.
Aqui está o que ele disse: “Não tendes lido que o Criador os fez desde o princípio homem e mulher, e que ordenou: Por isso deixará o homem pai e mãe, e unir-se-á a sua mulher; e serão os dois uma só carne? Assim já não são mais dois, mas um só carne. Portanto, o que Deus ajuntou, não o separe o homem. Responderam-lhe: Então por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio e repudiá-la? E poderíamos também imaginá-los dizendo: “Por que então ele permitia a poligamia?”, se fosse esta a questão. Disse-lhes ele: Pela dureza de vossos corações Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas não foi assim desde o princípio.” (Mateus 19. 4-8).
Portanto, a razão por que Jesus não permitiu mais o que havia sido antes permitido é porque ele atribuiu a tolerância no Antigo Testamento, à uma concessão à dureza do coração. E ele elevou o padrão. A razão pela qual Jesus não abordou a poligamia da mesma forma que o divórcio foi porque, em sua época, a cultura judaica basicamente já a tinha abandonado. A poligamia não era um problema. As pessoas não estavam se chegando a ele com várias esposas e dizendo: “Isto está certo?”. Teria sido bom para nós hoje ou para determinadas culturas se ele tivesse tratado esse assunto da mesma forma que o divórcio, mas ele não o fez. Então o ponto exposto lá foi que havia uma maneira de compreender a tolerância de um ato no Antigo Testamento daquilo que agora é proibido.
3. Pode-se ver logo em Gênesis 4 que a poligamia se devia, de fato, ao crescente endurecimento do coração, após a queda de Adão e Eva.
Creio que é exatamente isto o que Moisés quis nos mostrar na forma como ele descreve Lameque, a sétima geração após Adão. Eis o que Gênesis 4.19 nos diz: “Lameque tomou para si duas mulheres: — a primeira vez que isto acontece — “Disse Lameque a suas mulheres: Ada e Zila, ouvi a minha voz; escutai, mulheres de Lameque, as minhas palavras; pois matei um homem por me ferir, e um jovem por me pisar. Se Caim há de ser vingado sete vezes, com certeza Lameque o será setenta e sete vezes.”(Gênesis 4. 23-24). Não se pode imaginar uma declaração contra Deus mais arrogante, feia, mesquinha e agressiva do que esta — e ela vem logo depois dele dizer que tomou duas esposas, diferentemente dos outros homens. Então as coisas estavam ficando tão ruins que as pessoas agora estavam multiplicando esposas.
4. A descrição de Paulo do casamento como um retrato de Cristo e da igreja é seriamente comprometida pela poligamia.
Quando Paulo desvenda esta verdade, que está em Gênesis 2.24, ele a descreve como um mistério. Um mistério na linguagem de Paulo era algo que fora parcialmente revelado no Antigo Testamento, mas que agora tornara-se claro. E ele diz: “Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e se unirá à sua mulher, e serão os dois uma só carne. Grande é este mistério, mas eu falo em referência a Cristo e à igreja.” (Efésios 5. 31-32). O significado mais básico e importante do casamento no Novo Testamento é que um marido e uma esposa representam um só Senhor e uma só igreja. Visto que isto está mais claramente revelado agora do que nunca, é mais importante do que nunca renunciar à poligamia e agarrar-se firmemente à intenção original do casamento como um homem e uma mulher — um Senhor e uma igreja — enquanto ambos viverem.
5. É necessário, que o bispo seja marido de uma só mulher (1 Timóteo 3.2).
Provavelmente, isto não se refere à poligamia, porque em 1 Timóteo 5.9 a mesma frase é usada para descrever as viúvas a serem inscritas para serem cuidadas pela igreja. A expectativa era que houvessem sido esposas de um só marido, e não há nenhuma evidência de que a poliandria (vários maridos) fosse um problema. Portanto, “esposa de um só marido” ou “esposos de uma só mulher” provavelmente não foram frases dirigidas diretamente à questão da poligamia, em vez disso, provavelmente foram dirigidas às questões de ser fiel ao seu cônjuge e de não se divorciar dele. Mas este é o ponto: em relação a poligamia, Paulo nunca teria usado estas palavras sem qualificá-las (ou seja, sem “um só marido” ou “uma só esposa”) se a poligamia estivesse sendo permitida na igreja e entre os líderes da igreja. Ele simplesmente nāo teria sido capaz de usar essa linguagem sem alguma qualificação.
6. A Bíblia parece demonstrar a probabilidade de que com mais de uma esposa é quase inevitável o favoritismo de uma sobre a outra, como no caso da preferência de Jacó por Raquel mais do que por Lia.
Em certo sentido, este é o alerta do outro lado da moeda de se dizer que marido e esposa são uma só carne. Um marido não pode ser tudo o que deve ser numa união de uma só carne com sua esposa se precisar dividir suas afeições entre várias mulheres. Esta certamente não é a maneira como Cristo trata a igreja. Ele não divide seus afetos entre várias esposas diferentes.
Assim, por estas seis razões (e outras, tenho certeza). eu diria que a poligamia foi permitida por causa da dureza dos nossos corações até a vinda de Jesus e que, com Jesus, os padrões foram elevados e o mistério do significado do casamento foi esclarecido. Também diria que devemos estar comprometidos a tornar claras as belezas de Cristo e de sua igreja por meio da nossa fidelidade à aliança entre um marido e uma esposa.
Publicado originalmente em DesiringGod.org: https://www.desiringgod.org/interviews/may-i-have-two-wives-six-vetoes
Traduzido por Rebeca Romero.