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A vida dos pastores era irônica. O trabalho deles consistia em cuidar dos animais que seriam sacrificados para expiar os pecados do povo. No entanto, pelo fato deles manusearem essas criaturas impuras, eles mesmos não eram puros e assim, eram impedidos de cumprir a lei cerimonial. E, pelo fato de serem impuros, eles eram muitas vezes considerados pessoas que não eram dignas de confiança, irreligiosos, e com má reputação.

No entanto, também era esperado que aquele pastor que fez o seu trabalho bem, um bom pastor, estivesse disposto a dar a vida por suas ovelhas. Um bom pastor era alguém que se importava profundamente com os cordeiros sob seu cuidado, muitos dos quais escolhidos para morrer no altar do Senhor pelos pecados das mesmas pessoas que menosprezavam os pastores.

As vidas dos pastores eram, na verdade, sacrifícios.

O Anjo

Em uma noite especial, na pastagem que contorna o lado nordeste de Belém, alguns pastores estavam sentados como sentinelas nos seus postos, vigiando seus rebanhos, desconhecendo o anjo que os observava.

O que um anjo pensaria da estranha vocação deles? Foi ideia de Deus, que neste mundo ovelhas dependeriam de pastores para vigiá-las. O Criador as poderia ter feito de forma diferente, e mesmo assim lá estavam os homens fedorentos, com seus cajados e suas varas, cooperando com a ordem da criação, para que as feras sob seu cuidado não viessem a perecer. Embora o solitário trabalho deles os tenha proporcionado muitas noites silenciosas, com exceção das palavras que eles escolheram falar ou cantar para os seus rebanhos, esta noite seria diferente.

Uma luz repentina e gloriosa brilhou na escuridão enquanto o anjo do Senhor aparecia entre eles. Os pastores estavam aterrorizados. Claro que estavam. O vão entre Deus e o homem era tão grande, que qualquer informação que um anjo mensageiro fosse despachado para entregar, era mais provável que fosse uma má notícia, ao invés de uma boa notícia. Eles estavam com medo porque sabiam que tinham razão para isso.

Mas o anjo disse: “Não temais; eis aqui vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo.”

As palavras do anjo pintaram uma imagem da gloriosa presença do Redentor prometido. Ele usou nomes para descrever a vinda do Messias a estes pastores, nomes que falavam sobre o propósito do Messias. Ele o chamou de Salvador, o que significa que ele iria expiar os pecados do povo. Ele o chamou de Cristo, caracterizando-o como seu libertador. Ele o chamou de Senhor, identificando-o como divino.

Os pastores talvez tenham se perguntado por que o anjo escolheu revelar isso a eles. Este tipo de notícia parecia pertencer a pessoas de influência ou nobreza. Esse era o tipo de relato que eles jamais imaginaram que seria exclusivo para homens de sua vocação, sobretudo reputação. Mas então, o anjo utilizou mais uma expressão que trouxe uma clareza impressionante a este momento. Disse-lhes que Cristo, o Senhor “vos” nasceu. O divino Salvador e Messias havia nascido para eles!

Embora eles tenham vivido a maior parte de suas vidas à margem, somente olhando, eles não estariam alheios a este presente. Eram eles os destinatários.

A Multidão

Isto era uma grande notícia. Os pastores sentiram, mas os anjos no céu sabiam, e o comportamento deles ofereceu um vislumbre do peso cósmico deste anúncio. Inicialmente, era apenas um anjo glorioso, mas solitário, que havia aparecido a esses homens nos campos de Belém. Mas, assim que ele anunciou o nascimento de Jesus, “subitamente, apareceu com o anjo uma multidão da milícia celestial, louvando a Deus.”

Era como se houvesse milhões de anjos se escondendo atrás de alguma porta celestial, e uma vez que ouviram “vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor” eles foram incapazes de conter sua alegria e todos apareceram, louvando a Deus, cantando, “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem.”

Para os pobres, impotentes e terrenos pastores, isso foi muito para assimilar. O que tinham acabado de ouvir? O que isso significa? Como devem responder? O bom senso sugeria que, se as milícias angelicais do céu demonstraram uma alegria desenfreada em resposta a esta mensagem, a reação deles foi adequada. Embora nenhum desses pastores jamais tenha tido um anjo do Senhor lhe dizendo sobre a vinda do Salvador do mundo, a erupção espontânea de louvor dos anjos tornou-se a lente através da qual eles iriam ver este momento: Deus estava trabalhando. Isso estava claro. Mas por que a glória das glórias apareceu para o menor dos menores? Por que o anjo escolheu revelar esta mensagem a meros pastores, impuros como eram?

Os Pobres

Porque a pobreza é relativa. Poderia ser que, da perspectiva do céu, os pobres pastores na periferia de Belém não eram nem mais ou nem menos pobres do que o resto do mundo dormindo sob o seu cuidado? Poderia ser que os pobres da terra fossem, de fato, todos os povos da terra, pobres em espírito, mansos e em pranto, com fome e sede de justiça? Poderia ser que a vinda do Salvador era para eles tanto quanto era para qualquer um, e para qualquer um tanto quanto era para eles?

Os anjos deram aos pastores um sinal que os deixou sem palavras. O Messias e Salvador deles poderia ser encontrado onde os cordeiros eram mantidos. Ele seria aquele que estaria envolto por faixas, não por lã.

Onde os cordeiros são mantidos? Isso eles precisavam ver.

Quando encontraram Jesus na manjedoura como o anjo disse, a própria localização do seu nascimento estava repleta de significado. O Salvador havia nascido no mundo impuro deles, da mesma maneira como um cordeiro. O simbolismo não passou despercebido por eles.

O Cordeiro

Quando os pastores viram Jesus lá, não só viram que ele tinha vindo, mas também tiveram uma dica do porquê. Ele veio para ser o cordeiro perfeito, o último e definitivo sacrifício. A vinda deste bebê foi para alcançar e estabelecer a paz entre o Deus de toda a criação e os portadores da imagem divina, que habitualmente o rejeitaram.

E assim seria todos os seus dias.

Da manjedoura de Belém à cruz no Calvário, Jesus moveu-se entre o povo, entrou em suas casas, tocou nos olhos dos cegos, e permitiu que suas mãos infiéis o tocassem. Ele ensinou-lhes lições profundas a partir de acontecimentos comuns. Ele defendeu os indefesos e se opôs aos presunçosos. Ele comeu em suas mesas, riu com seus filhos, e chorou com o seu sofrimento.

Ele nunca abandonou o propósito de sua vinda, que era morrer por um mundo de pobres de espírito, como o Cordeiro de Deus que tira o pecado. Jesus nasceu pobre. Viveu pobre. E morreu pobre por causa de seu povo.

Os pastores não tinham como saber que este menino veio a este mundo da mesma forma como iria deixá-lo: a céu aberto, entre os banidos, pobre e desprezado, mas impulsionado por um único propósito: resgatar o Israel cativo que chora em um exílio solitário até o Filho de Deus aparecer.

Quando os pastores chegaram naquela noite, olhando para Maria e José como homens que tinham acabado de encontrar o anjo do Senhor, eles queriam fazer mais do que apenas ver o bebê. Eles queriam contemplar o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo.

E esse era Aquele a quem eles viram. Mas o que eles não sabiam na época era que, apesar de ser rico, por amor deles ele se fez pobre, para que pela sua pobreza pudessem se tornar ricos.

Note do Editor: Este trecho foi extraído do livro Behold the Lamb of God: An Advent Narrative por Russ Ramsey [Eis o Cordeiro de Deus: Uma Narrativa do Advento]. Usado com permissão da The Rabbit Room Press.

Traduzido por Kellvyn Mendes

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