Quando eu tinha 64 anos, tirei uma licença de oito meses de meu ministério pastoral. Apresentei aos líderes e à congregação a principal razão para esta licença que era dar um passo atrás e fazer uma checagem de alma.
Eu me perguntava se as pressões do ministério poderiam estar me cegando para o estado da minha própria alma, no que tange à relação com a adoração, família, casamento e santidade pessoal. Não havia qualquer grande crise no meu casamento. Eu não estava praticando algum pecado passível de me desqualificar para o ministério, até onde eu soubesse. Mas as tensões de família, casamento e ministério eram suficientes para me fazer pensar que eu deveria remover temporariamente a pressão (e as recompensas) da pregação, de liderar a equipe, e de todos os escritos e mídias sociais.
Durante aqueles oito meses, parte do meu objetivo era ter tempo, energia emocional e envolvimento relacional com minha esposa, de modo a ser o mais penetrante e específico possível para identificar e abordar os meus pecados mais assediadores, especialmente no que dizia respeito à nossa relação. O que se segue é um resumo muito abreviado do que se sucedeu.
Colocando Pecados Assediadores Na Minha Mira
Ao tentar ser bastante específico na identificação de meus pecados característicos, tornou-se evidente o que eles eram — a saber, um agregado repugnante de egoísmo, raiva, autopiedade, rapidez para colocar culpa em alguém, e soturnidade.
Sob a luz da Bíblia, guiada pelo Espírito Santo — especialmente em Paulo — fui levado não só a identificar esses cinco pecados, mas também a ser implacavelmente específico ao descrevê-los. Aqui está uma descrição da minha compreensão e da minha experiência de egoísmo.
O egoísmo é virtualmente o mesmo que o orgulho, e está no coração daquilo que Paulo chama de “pecado que está nos meus membros” (Romanos 7.23) — o pecado que permanece em mim, como crente. É a corrupção do meu coração que está lá no fundo de todo o meu pecado. Eu vejo meu egoísmo funcionar como um reflexo, nessas cinco maneiras:
- Espero ser servido (Filipenses 2.2-3).
- Me sinto como se outros devessem algo a mim (Efésios 4:32).
- Desejo ser louvado (Romanos 2.29).
- Tenho a expectativa de que as coisas aconteçam do meu jeito (1 Coríntios 4.12-13).
- Me sinto com o direito de reagir negativamente ao ser confrontado (Romanos 12.19-21).
A razão pela qual eu uso a palavra “reflexo” para descrever essas características de egoísmo é que não há premeditação alguma antes que elas se apresentem. Quando essas reações acontecem, elas vêm da minha natureza decaída, e não a partir de reflexão e resolução. Não estou pecando por dever. Peco espontaneamente. São reflexos da minha pecaminosidade original, não-mortificada.
Descendentes do Egoísmo
Agora, o que ocorre dentro de mim quando meu egoísmo é posto à prova? Consigo nomear estes efeitos e descrevê-los de forma específica e explícita? Generalizações vagas são, geralmente, evasões. Paulo estava me ensinando que necessito ser específico. Aqui estão os quatro efeitos de quando meu egoísmo é posto à prova:
- A raiva: uma forte oposição emocional ao obstáculo no meu caminho. Me enrijeço e desejo contra-atacar verbalmente ou fisicamente.
- A auto-piedade: um desejo de que os outros sintam minha lesão, e me admirem por ter sido maltratado, e movidos a me mostrar solidariedade.
- Rapidez para colocar a culpa em alguém: um reflexo para atribuir a outros a causa de minha situação frustrante. Os outros podem perceber isso por meu tom de voz, por um olhar no rosto, por uma pergunta relacionada ou por uma acusação direta.
- Soturnidade: um desânimo submergente, um humor instável, a desesperança, a insensibilidade e uma grande apatia emocional.
E, claro, o efeito sobre o casamento é que minha esposa se sente acusada e reprovada, ao invés de querida e cuidada. As emoções mais tenras murcham. A esperança se esgota. A força para continuar nas dificuldades do ministério se esvai. E o pior de tudo: tais pecados, tal como Paulo deixa claro, “não procedem corretamente segundo a verdade do evangelho” (Gálatas 2.14) — não são “dignos do evangelho” (Filipenses 1.27).
Cancelados, Depois Mortificados
Durante aqueles meses de autoavaliação, Paulo deixou muitíssimo claro para mim a conexão entre o cancelamento dos meus pecados na cruz de Cristo e a minha vitória consciente e voluntária sobre os meus pecados, através do esforço potencializado pelo Espírito e comprado por sangue. Em outras palavras, destruiu o padrão de passividade que eu havia desenvolvido em relação a esses pecados. Forçou-me a encarar de frente a realidade bíblica de que pecados cancelados necessitam ser mortificados, não mimados.
Ele me mostrou, por exemplo, uma importante inconsistência na qual eu estava vivendo. Por um lado, eu cria, e agia de acordo, na necessidade do meu esforço consciente para mortificar a luxúria sexual. Mas eu ficava mais passivo quando se tratava destes efeitos repugnantes do egoísmo. Possuía a pressuposição tácita de que a luxúria deve ser atacada direta e conscientemente, já que Jesus disse para arrancar o olho caso fosse necessário fazê-lo (Mateus 5.29). Mas, por alguma razão, eu supunha que não poderia atacar estes pecados assediadores da mesma maneira. Eles teriam que secar e desaparecer de alguma forma, por meio uma obra interior e inconsciente do Espírito, sem nenhum esforço meu.
Durante aqueles oito meses ficou cada vez mais claro que a ligação entre o cancelamento do meu pecado na cruz e a vitória sobre o meu pecado era um esforço santificado. Com certeza, o único esforço com proveito é o esforço comprado por sangue e forjado pelo Espírito. Mas é, mesmo assim, um esforço consciente da minha vontade. A passividade na busca da santidade não é o que Paulo nos ensina. Paulo nos dá muitas ilustrações de como isso funciona. Eu olho para trás e me pergunto: como pude me tornar tão passivo?
Três Ilustrações de Paulo
Aqui estão três ilustrações de Paulo de como a morte de Cristo cancela o meu pecado e conduz ao esforço.
1. Na morte de Cristo, morremos para o pecado. Portanto, ponhamos, ativamente, o pecado à morte.
Fomos unidos com ele na semelhança da sua morte. (Romanos 6.5)
Portanto:
Devemos também nos considerar mortos para o pecado. (Romanos 6.11)
Não reine o pecado em nosso corpo mortal. (Romanos 6.12)
2. Na morte de Cristo, fomos comprados. Portanto, glorifiquemos ativamente a nosso novo dono.
“e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço.” (1 Coríntios 6.19-20)
Portanto:
“Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo.” (1 Coríntios 6.20)
3. Na morte de Cristo, fomos perdoados. Portanto, necessitamos perdoar.
“Deus em Cristo vos perdoou.” (Efésios 4.32)
Portanto:
“Sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros” (Efésios 4.32)
Minha Vontade Imbuída de Poder
Em cada um destes casos, o impulso decisivo para o meu esforço ativo na busca da santidade — minha mortificação ativa do pecado — é a morte de Cristo. Isto significa que o poder decisivo para vencer meus pecados é a realidade que Cristo já os cancelou. Os únicos pecados que posso derrotar são pecados que foram perdoados.
Mas aqui está o que me escapava: em cada um desses três casos, a ligação entre a cruz e meu pecado vencido é a minha vontade fortalecida. Digo isso porque, em cada um desses três casos, Paulo faz da declaração da minha morte, da minha compra e do meu perdão, a causa de um mandamento dirigido à minha vontade. “Não reine o pecado em vosso corpo mortal”. “Glorificai a Deus no vosso corpo.” “Sede uns para com os outros, benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros”. Essas ordens são endereçados a mim. Elas envolvem a minha vontade.
Em outras palavras, Deus tenciona que parte da minha experiência de santificação seja uma oposição consciente e voluntária a pecados específicos em minha vida. Eu havia aplicado isso à luxúria. Mas, por alguma razão, havia deixado de aplicar a mesma intencionalidade brutal de mortificar o pecado ao meu egoísmo, à minha raiva, à autopiedade, à rapidez para culpar e à soturnidade.
Batalha numa Noite de Inverno
O efeito geral dessas descobertas foi um ataque novo e concentrado a pecados específicos, com uma intencionalidade que nunca havia antes exercido, exceto no combate à luxúria sexual. Quando voltei à igreja daquela licença de oito meses, falei sobre tudo isso em uma mensagem na capela do Bethlehem College & Seminary e usei a ilustração a seguir para ajudá-los a entender o que eu estava aprendendo.
Numa recente noite de domingo, que estava aconchegante e nevada, minha esposa, minha filha e eu estávamos sozinhos em casa. Eu ansiava por algo que todos nós pudéssemos fazer juntos. Mas minha filha de quatorze anos veio da sala de jantar e disse: ” A mamãe e eu vamos assistir à Supernanny [Superbabá] no computador”. Elas conectaram o computador e começaram a assistir — sem mim.
Agora, por mais insignificante que esse incidente pareça, naquele momento a tentação de egoísmo, raiva, autopiedade, culpa e soturnidade era tão perigosa para a minha alma quanto qualquer tentação sexual. Então, com nova intencionalidade e inexorabilidade, eu imediatamente disse àqueles sentimentos pecaminosos crescentes: “Não!” — não em voz alta, mas para minha alma pecaminosa. Então, subi silenciosamente, conscientemente renunciando a qualquer linguagem corporal que sugerisse a existência de ferimentos (embora eu estivesse sentindo isso).
No meu escritório, batalhei. Esforço! Eu voltei minha mente e meu coração para as promessas de Deus, para a segurança da cruz, para o amor do Pai, para a riqueza de minha herança em Cristo, para as bênçãos daquele Dia do Senhor, e para a paciência de Jesus. E eu as mantive lá na minha mente, onde eu poderia vê-las.
Clamei ao Senhor por ajuda comprada por sangue, e eu, conscientemente e intencionalmente (não passivamente!) ataquei a ira, a autocomiseração, o querer culpar e a soturnidade, pois são completamente incompatíveis com o caráter de quem eu sou em Jesus Cristo (1 Coríntios 5.7). E eu continuei lutando até que eles estivessem efetivamente mortos.
Melhores Dias Adiante
Admito francamente que seria muito melhor — um sinal de maior maturidade e santificação — se não houvesse nenhuma guerra, se eu nunca sentisse tais sentimentos pecaminosos surgindo em meu coração. Isso virá.
Mas até lá, agradeço a Deus por cancelar o pecado na cruz, por romper o poder do pecado cancelado, e por fazê-lo algumas vezes através da minha vontade, que luta com todas as suas forças, fortalecida pelo Espírito.
Traduzido por João Pedro Cavani
Publicado originalmente em desiringGod.org.