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“Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo”   (1 Timóteo 1:8).

Vivemos em tempos marcados por uma grande ignorância acerca da lei de Deus. Entretanto, isso nem sempre foi assim. No passado, o Decálogo foi utilizado nos principais catecismos cristãos, e junto com a Oração do Senhor e o Credo Apostólico, serviram como uma das bases do discipulado para muitas gerações de cristãos.

Quando falamos acerca da lei divina, precisamos tomar muito cuidado com dois extremos. De um lado está o legalismo, esse é um extremo perigoso que pode ser facilmente observado nas Escrituras pelo comportamento dos fariseus e escribas dos dias de Jesus Cristo. Os legalistas procuram encontrar sua própria salvação por meio de suas obras e sua obediência pessoal a lei. Além disso, eles costumam acrescentar e anexar diversos mandamentos humanos à lei divina. No lado oposto, está o antinomismo, esse outro extremo despreza a observação da lei moral para a vida cristã, por entender que “não estamos debaixo da lei e sim da graça”, logo, não há um código de conduta objetivo para a vida cristã.

Sem nos desviarmos para um lado nem para o outro, procuraremos as diretrizes bíblicas para o uso legítimo da lei na vida cristã, como o apóstolo Paulo explicou em 1 Timóteo 1:8: “Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo”. John MacArthur, comentando esse versículo, afirma corretamente que “a lei é boa ou útil porque reflete a vontade santa de Deus e seu padrão justo (Salmos 19:7; Romanos 7:12), à qual cumpre seu propósito de mostrar aos pecadores os seus pecados (Romanos 3:19) e sua necessidade de um Salvador (Gálatas 3:24)”. [1] MacArthur pontua que a lei serve tanto para expor o pecado quanto como uma diretriz de vida ao refletir a vontade do Criador. Muitos, atualmente, possuem uma má impressão a respeito da lei, mas Paulo afirma claramente que ela é boa. Sendo assim, o que é ruim não é a lei em si mesma, mas o seu uso incorreto. Um exemplo de uso incorreto são os próprios falsos mestres a quem Paulo confrontava na carta, eles faziam mal uso da lei do Senhor. Para fazermos bom uso da lei, vale destacarmos alguns conceitos importantes.

As Escrituras demonstram que, desde Adão, todo ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, com condições de responder moralmente diante do Senhor. Percebemos que desde a criação, a lei moral de Deus sempre existiu e regeu sobre todos, e o ser humano foi dotado de uma consciência que lhe acusa enquanto a sua obediência ou desobediência à lei divina (Gênesis 1:26, Romanos 2:15).

Diante disso, alguém pode perguntar: “Uma pessoa que não é cristã está obrigada a obedecer aos mandamentos de Deus?”. A resposta é sim. Até mesmo aqueles que não são convertidos estão debaixo da lei de Deus pelo fato de serem criaturas de Deus, criadas à sua imagem e semelhança. Assim sendo, todos estão obrigados a obedecer a lei moral, natural de Deus.

Os seres humanos são dotados de alguma noção a respeito do que é certo e errado, e de acordo com as Sagradas Escrituras todos pecaram, ou seja, todos transgrediram a lei (Romanos 3:23).

Além disso, notamos que as leis que que expressam o caráter moral de Deus por meio de revelação geral permanecem válidas mesmo em face da transição dos pactos divinos e que elas vinculam tanto crentes como descrentes, em todos os tempos e lugares, também são chamadas de “leis naturais”. Ao passo que as “leis positivas”, são aquelas que são entregues por meio de revelação especial, que possuem um objetivo específico e que cessam após alcançá-lo (Hebreus 7:2; 8:10).

Na aliança sinaítica, [2] a lei natural foi resumida e codificada em tábuas de pedra, os Dez Mandamentos (Êxodo 20 24). Os aspectos morais dessa lei são perenes. Porém, aprouve a Deus também adicionar leis civis e cerimoniais para reger a nação de Israel sob uma teocracia que serviam para prefigurar a vinda do Messias e garantir o cumprimento da promessa preservando a linhagem do Messias. Esses dois aspectos da lei divina (civil e cerimonial) enquadram-se na categoria de “leis positivas” e cessaram quando atingiram seu objetivo (Colossenses 2:16).

Também é importante lembrarmos que a lei moral expõe o pecado, mas não resolve o problema dele, ou seja, não salva o pecador por si própria (Gálatas 3:21). No entanto, a lei conduz pecadores a Cristo, o Salvador. Jesus Cristo veio para salvar seu o povo de seus pecados (Mateus 1:21), para cumprir perfeitamente todas as exigências divinas, nascer sob a lei tomar sobre si a pena pelos pecados de sua igreja, morrer de maneira sacrificial, substitutiva e ressuscitar ao terceiro dia para a justificação de todo aquele que nele crê (Romanos 4:25). Por isso, a Escritura afirma: “porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo” (João 1:17).

Cristo nos livra da maldição e da condenação da lei, ao se fazer maldição em nosso lugar (Gálatas 3:13). Por um lado, tomando sobre si a pena imposta pelo escrito de dívida que nos era contrário e, por outro, imputando a nós sua justiça, nos justificando diante de Deus (Romanos 5:1). É nesse sentido que não estamos “debaixo da lei e sim da graça” (Romanos 6:14). Entretanto, a pergunta do apóstolo Paulo se torna pertinente nesse momento para evitarmos equívocos: “pecaremos porque não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça? De modo nenhum” (Romanos 6:15). Portanto, entendemos que “estar debaixo da graça” não deve nos levar a transgredir a lei, uma vez que “o pecado é a transgressão da lei” (1 João 3:4).

Sabemos que Jesus Cristo é o Mediador da Nova Aliança (Gálatas 3:24). Entretanto, Cristo não anula a lei moral, pelo contrário, ele a cumpre e confirma. Apresenta o seu significado mais profundo e real como o perfeito intérprete autorizado da lei (Mateus 5:17). Notamos que as antíteses que Jesus apresenta no Sermão do Monte não são direcionadas à lei divina, mas à compreensão deturpada da lei que fora ensinada pelos escribas e fariseus (Mateus 5:20). Na Nova Aliança, a lei de Deus é impressa na mente e no coração dos crentes (Hebreus 8:10), os cristãos são regenerados pelo Espírito Santo e habilitados a obedecer aos mandamentos para a glória de Deus e sua própria santificação. Sobre a relevância dos mandamentos divinos para o cristão, o teólogo John Murray acertou ao afirmar:

Admite-se sem dúvida que os Dez Mandamentos fornecem o cerne da ética bíblica. Quando aplicamos o método bíblico-teológico ao estudo da Escritura, vê-se que os Dez Mandamentos, promulgados no Sinai, foram apenas a forma concreta e prática de enunciar princípios que não se tornaram relevantes pela primeira vez; eles eram relevantes desde o princípio. E também se verá, como eles não começaram a ter relevância no Sinai, não deixaram de ser relevantes quando a economia sinaítica passou. [3]

Concluímos, então, que o cristão obedece à lei de Deus por amor (João 14:21), dado que Cristo a resumiu em dois grandes mandamentos relacionados a amar a Deus e amar ao próximo (Mateus 22:37-39) e o apóstolo João reforçou que “nisto consiste o amor a Deus: em obedecer aos seus mandamentos. E os seus mandamentos não são pesados” (1 João 5:3). Para o cristão, obedecer à lei de Deus não é um peso, mas uma prova de amor (João 14:15).

Por meio do estudo da lei podemos aprender traços importantes do caráter do Senhor Jesus, a quem devemos imitar:

  1. Jesus adorava e servia a um só Deus. Nenhuma coisa ou pessoa usurpou lugar de Deus em sua vida.
  2. Jesus não tinha imagens ou ídolos, mas adorava a Deus em espírito e verdade.
  3. Jesus tinha o mais alto respeito por Deus e seu nome, prestando reverência a ele e nunca tomando o seu nome em vão.
  4. Jesus separou tempo para descansar e honrar a Deus.
  5. Jesus obedecia a seus pais terrenos, dando-lhes respeito e honra.
  6. Jesus nunca matou ninguém ou guardou raiva de outra pessoa, em seu coração.
  7. Jesus nunca cometeu adultério ou olhou para uma pessoa do sexo oposto com cobiça.
  8. Jesus nunca roubou algo que pertencia a outra pessoa.
  9. Jesus nunca mentiu por nenhuma razão.
  10. Jesus nunca cobiçou o que pertencia a outra pessoa ou teve inveja. [4]

1. Princípios para a interpretação dos Dez Mandamentos.

Antes de entrarmos nos mandamentos em si, consideremos algumas noções importantes sobre o Decálogo. Em primeiro lugar, de maneira didática, podemos notar que os primeiros quatro mandamentos são verticais, ou seja, dizem respeito mais diretamente ao relacionamento dos homens com Deus, tratam de temas voltados à adoração. Sobre os mandamentos do que comumente é chamado de “a Primeira Tábua”, notamos que o Primeiro Mandamento lida objeto da adoração, ou seja, sobre a quem devemos adorar, o Segundo Mandamento refere-se a maneira correta da adoração, o Terceiro Mandamento, trata da linguagem e o Quarto, do tempo da adoração. [5]

Por outro lado, os seis mandamentos restantes, conhecidos como a “Segunda Tábua”, são horizontais, ou seja, tratam mais diretamente sobre o nosso relacionamento com o próximo. Muito embora ambos os aspectos estão relacionados, uma vez que, não se pode amar o próximo sem amar a Deus e vice-versa. Dessa maneira, o Senhor Jesus resumiu a lei em dois grandes mandamentos:

Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e Primeiro Mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas (Mateus 22:37-40).

Portanto, de forma geral, amar a Deus resume a Primeira Tábua enquanto amar ao próximo, a segunda. A tabela abaixo resume este ponto:

Amar a Deus de todo o coração, alma, entendimento e forças. Amar o próximo como a nós mesmos
1º Não terás outros deuses diante de mim 5º Honra teu pai e a tua mãe
2º Não farás para ti imagens de escultura 6º Não matarás
3º Não tomarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão. 7º Não adulterarás
4º Lembra-te do dia de sabbath 8º Não furtarás
9º Não dirás falso testemunho
10º Não cobiçarás
Primeira Tábua Segunda Tábua

 

1.1. Em cada preceito negativo está contido um preceito positivo.

Podemos encontrar em cada mandamento mais do que aquilo que está expresso literalmente. É importante notarmos que, quando encontramos preceitos negativos, em cada mandamento, precisamos observar que neles também estão contidos preceitos positivos. Por exemplo, quando o Mandamento diz: “Não matarás”, devemos entender que esse mandamento além de proibir expressamente o assassinato, ele também nos comanda a valorizar a vida. Devemos ser incentivados a valorizar, preservar e proteger a vida.

Cada mandamento protege algo maior do que ele mesmo, por exemplo, quando o Senhor ordena a não matar, ele pretende proteger a vida que concedeu àqueles foram criados à sua imagem e semelhança. O mandamento “não adulterarás” protege o matrimônio que fora instituído por Deus, e assim por diante.

1.2. A obediência aos mandamentos não deve ser somente externa, mas também interna.

Além disso, à luz do Novo Testamento, entendemos que a obediência aos mandamentos envolve não apenas aspectos externos, mas também aspectos internos. As motivações e intenções por trás da observância de cada mandamento são importantes, o apóstolo Paulo declarou que a lei é espiritual (Romanos 7:14). O Senhor Jesus Cristo exemplificou esse ponto no Sermão do Monte demonstrando que o ódio no coração e o insulto com os lábios já configuram a quebra interior do Sexto Mandamento (Mateus 5:21-26). Assim como cobiçar a mulher alheia no coração já consiste na quebra do Sétimo Mandamento: não adulterarás (Mateus 5:28-30).

1.3. Pela proibição de uma perversidade infere-se a proibição de perversões do mesmo gênero.

Outro fator a considerarmos é que pela proibição de uma perversidade, outras perversões do mesmo gênero também não proibidas, por exemplo, anexado ao mandamento de não adulterar podemos inferir a proibição de toda sorte de imoralidades sexuais como fornicação, zoofilia, pedofilia etc. Portanto, cada mandamento apresenta resumidamente o que é desenvolvido em outras porções da Escritura.

1.4. Em cada mandamento há um sentido amplo e um sentido estrito.

Por fim, também é útil considerarmos que, em cada mandamento, há um sentido amplo, ao passo que também há um sentido estrito. Por exemplo, o Quinto Mandamento, em seu sentido amplo, instrui a honrar todas as autoridades constituídas, já em seu sentido estrito, ele ordena a amar especificamente o pai e a mãe.

Portanto, vamos observar cada um dos Dez Mandamentos do Decálogo à luz do evangelho de Cristo e do momento em que estamos hoje, na história da redenção, para obedecermos por amor aquele que nos amou primeiro.

Fonte: Texto retirado do capítulo 01 do E-book: “O Cristão e os Dez Mandamentos” de Fernando Angelim.

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[1] BÍBLIA, Bíblia de Estudo MacArthur, Almeida Revista e Atualizada. Barueri: SBB, 2010. p. 1653.

[2] A aliança que foi feita pelo SENHOR, no Monte Sinai com a nação de Israel mediada por Moisés.

[3] MURRAY, John. Princípios de conduta: Aspectos da ética bíblica, tradução Guilherme Cordeiro — Brasília, DF: Editora Monergismo 2020. p. 11-12.

[4] DISCIPULADO HEART CRY. A Vida Cristã. Lição 14, s.d.

[5] FRAME, John. A doutrina da vida cristã; traduzido por Jonathan Hack — São Paulo: Cultura Cristã. 2013. p. 397.

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