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O Cerne da Reforma Familiar

Quando nossos filhos eram mais novos, começávamos o dia cantando o hino que estávamos memorizando no momento. Quando Laura tinha cinco anos, ela cantou para todos nós a segunda estrofe de “I Love Thy Kingdom, Lord” [Amo o Teu Reino, Senhor], de autoria do presidente de Yale do final do século XVIII, Timothy Dwight. Com um olhar determinado, ela cantou,

Eu amo a Tua igreja, ó Deus.
Seus muros se mantêm em pé por Ti.
Querida como a menina dos Teus olhos,
E molho [gravy] em Tuas mãos.

Meus meninos se esbaldaram de rir. A palavra é “esculpida” [graven] e não “molho” [gravy]!

Eu valorizo o culto doméstico, não só porque às vezes é engraçado, mas porque é a cola que mantém as famílias unidas, estímulo para algumas das melhores discussões da família, e fornece força real para a vida dos membros da família — na realidade, pode se tornar o cerne da reforma familiar.

Os puritanos, há muito incompreendidos, tinham uma visão excepcional da família. Podemos aprender com eles mesmo que não aceitemos tudo o que eles tinham a dizer. Muitas vezes se referiam ao lar como a “pequena igreja”, e ao pai como o pastor de seu pequeno rebanho. Lewis Bayly disse: “O que o pregador é no púlpito, o mesmo é o chefe de família cristão em sua casa.” O culto doméstico é o resultado natural de tal visão. Em lares sem um pai crente, a mãe pode cumprir esse papel de supervisão para os filhos.

Para a igreja de hoje, a prática do culto doméstico (com ou sem filhos em casa) está tão esquecida quanto a poeira no sótão, mas este método simples e eficaz de restaurar a espiritualidade familiar é a ferramenta mais potente que temos disponível—e é algo que cada um de nós pode fazer!

Por Que o Culto Doméstico é Fundamental?

Primeiro, a adoração em família é fundamental porque colocar a Palavra de Deus no coração dos membros de nossa família é indispensável para sua conversão.

Paulo lembrou a Timóteo, “que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus.” (2Tm 3.15).

Pedro disse “pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente.” (1Pe 1.23). Esta semente incorruptível para salvar a vida (correspondente à semente biológica natural) é inseminada na alma morta somente através da Palavra de Deus.

Os puritanos acreditavam apaixonadamente nisso. Essa era a razão dos longos sermões, da catequização de crianças, das mensagens matinais naqueles prédios frios da igreja antes do dia começar, da meditação diária individual na Palavra, e principalmente, da prática do culto doméstico. Para os puritanos, o culto doméstico acontecia duas vezes ao dia, tal como o “holocausto da manhã e o da noite”. Era através desta prática que seus filhos e esposa, e quaisquer outros convidados ou ajudantes em casa, poderiam receber a vida!

Richard Baxter, um dos mais famosos puritanos, viu sua vila de Kidderminster, Inglaterra transformada por esse método. Ele afirmou:

Creio piamente que se os pais cumprissem seu dever como deveriam, a pregação pública da Palavra não seria o meio comum de regeneração dentro da igreja, mas apenas fora dela, entre pagãos e infiéis práticos.

Segundo, é fundamental porque somente a Palavra permite que sua família resista às correntes predominantes de uma cultura maligna.

Em 2 Timóteo 3, podemos notar a torrente de cultura depravada fluindo em direção ao jovem Timóteo “. . . nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis, pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais . . . sem domínio de si . . . atrevidos . . . mais amigos dos prazeres que amigos de Deus . . .” (vs.1-4).

Como podemos resgatar nossas famílias dos efeitos dessa cultura? De acordo com Paulo, somente através da Palavra de Deus. A Palavra apresenta Timóteo como “homem de Deus”, “totalmente equipado para toda boa obra” necessária para fortalecer a igreja. Sua caixa de ferramentas está completa e é “útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça,” (v. 16) para que as pessoas sob seu comando possam resistir ao dilúvio de cultura descrito nos versículos anteriores.

Da mesma forma, o pai pastor da casa (ou a mãe em lares sem pai, que era a situação de Timóteo) é adequado para ajudar sua família. Portanto, Paulo exorta a Timóteo “prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não” (4.2).

Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade… (4:3-4).

Quando a cultura se precipita sobre nossas famílias e as igrejas estão tentando imitar o próprio mundo, como evitar que nossas famílias sejam arrastadas pela correnteza? Somente através da Palavra de Deus! O culto doméstico diário, é nossa esperança de que eles permaneçam firmes como pilares de aço contra a maré predominante.

Há alguns anos, quando estive na Basiléia. na Suíça, vi uma balsa que cruzava o rápido rio Ródano. Não tinha motor, mas operava por meio de sua resistência à corrente, guiada de um lado para o outro ao longo de uma linha de aço retesada. A menos que acorrentemos os ternos corações de nossos familiares ao cabo de aço da verdade, haverá pouca esperança de que eles resistam às forças que os pressionam.

Na Índia, havia o costume de jogar bebês no rio Ganges como um sacrifício aos deuses. Se não estivermos dispostos a fazer mais do que simplesmente levar nossos filhos à igreja, é o mesmo que jogá-los no rio da cultura. Esta é uma explicação por que muitos filhos de pais cristãos muitas vezes não são diferentes dos do mundo. Eles foram ofertados aos deuses por seus pais — jogados por sua negligência.

Quais São os Princípios Básicos?

Há três aspectos do culto doméstico que considero importantes: o canto, a leitura da Palavra e a oração, ou, como diz um amigo, Canção, Escrituras e Súplica.

Canção. Nem todos os lares tem talento musical, mas é necessário tentar ao máximo incorporar o canto à experiência diária de adoração. Minha esposa e eu nos preocupamos com o fato de que uma geração inteira de crianças está crescendo sem conhecer os hinos da fé cristã. Por isso, ensinamos aos nossos filhos os melhores hinos da fé. Na verdade, eu costumava dar aos meus filhos três dólares por cada hino que aprendessem!

Preferimos os hinos escritos por teólogos e pastores do passado (Watts, Wesley, Newton, Doddridge, etc.), uma vez que a teologia é melhor. Alguns novos autores estão escrevendo hinos e canções espirituais que também são valiosas. Uma mistura é melhor. No entanto, algumas canções escritas por músicos de cruzadas do século XIX muitas vezes sāo banais e menos exaltantes a Deus, embora alguns crentes ainda estejam romanticamente ligados a elas.

Tive a ideia de pagar dinheiro para aprender hinos com Charles Spurgeon, o pastor do Tabernáculo Metropolitano de Londres do século XIX.

Meu avô gostava muito dos hinos do Dr. Watt, e minha avó, desejando que eu os aprendesse, me prometeu um centavo para cada um que eu dissesse a ela perfeitamente. Achei um método fácil e agradável de ganhar dinheiro, e os aprendi tão rápido que minha avó disse que precisava reduzir o preço para meio centavo cada, e depois para menos disso, senão ela acabaria arruinada por sua extravagância. Não há como dizer o quão baixo a pagamento por hino poderia ter afundado, mas meu avô disse que tinha uma infestação de ratos, e me ofereceu doze centavos por dúzia por quantos eu pudesse matar. Descobri, na época, que a ocupação de captura de ratos me pagava melhor do que aprender hinos, mas hoje sei qual tarefa me foi mais lucrativa permanentemente. Até hoje, não importa em que tópico eu esteja pregando, no meio de qualquer sermão, posso citar algum verso de um hino em harmonia com o assunto. Os hinos permaneceram comigo, enquanto aqueles ratos velhos há muito faleceram, e os centavos que ganhei por matá-los foram gastos há muito tempo.

Ler a Palavra. Embora existam usos para livros devocionais de vários tipos, eles são, na melhor das hipóteses, suplementos e não substitutos para a Bíblia. Minha preferência é por ler a Bíblia como principal dieta durante o culto doméstico. Ocasionalmente, pode-se querer adicionar diariamente um capítulo de uma biografia cristã, mas mantendo a Bíblia no centro. Pode-se usar outros materiais auxiliares na hora de dormir, ou como suplemento se forem úteis, mas há que beber o “genuíno leite da Palavra” durante o culto doméstico. Descobrimos que ler um capítulo à cada dia era melhor, e sempre terminando o livro que começamos.

Descobriremos que a Bíblia é interessante por si só e, muitas vezes, serve de ponto de partida para conversas sobre muitas coisas. Por exemplo, que lugar melhor podemos encontrar para aprender sobre a sexualidade do que com as Escrituras? Não necessitamos ter medo dos personagens menos do que perfeitos que encontramos na Bíblia. Eles foram incluídos para nos instruir. Podemos usar os exemplos, bons e ruins, para falar sobre virtudes esquecidas, tal como a integridade, a honestidade, a fidelidade, etc. Podemos trazer à tona a natureza do pecado e as belezas do evangelho, falar do céu e do inferno.

Quando as crianças são pequenas, ou a família é nova na fé, leia as histórias da Bíblia. Comece com Marcos e depois leia os outros evangelhos, Gênesis, Êxodo, I e II Samuel, Reis e Crônicas, Rute, Ester, Atos, etc. Isto apresentará a história da Bíblia como um grande drama de redenção. Mais tarde, eles poderão lidar melhor com as partes de ensino.

Embora a manhã seja de longe a melhor hora para o culto doméstico, pode não ser viável. Pode ser melhor usar a hora de refeição com maior frequência da família. Ao por a mesa, coloque a Bíblia ao lado do prato do pai. Então, depois da refeição, mas antes que qualquer prato seja retirado da mesa, prestem culto juntos. Faça isso fielmente, mesmo quando alguém necessita estar ausente.

Orações familiares. Seus filhos não estão acostumados a ver as orações respondidas? Por quê? Muitas vezes é porque não oramos bem especificamente. Além disso, quando recebemos uma resposta, é importante salientá-la.

Prefiro conversar com a família sobre algumas de nossas necessidades e depois atribuir a cada um de nós algo para orar. Eu geralmente acompanhava isso com um incentivo de que Deus tem respondido nossas orações e que todos devemos orar silenciosamente enquanto o outro está formulando nosso pedido. Não há nada mais bonito do que os pedidos sinceros de crianças.

Manter esta atividade cativante é a tarefa mais difícil. Às vezes, pode-se colocar pedidos de oração em uma cesta e deixar que cada pessoa tire uma. Busque maneiras de tornar esse tempo interessante. No entanto, quando as crianças são pequenas, o culto doméstico não deve ser longo e tedioso para elas. Gradativamente, eles aprenderão melhor.

Algumas famílias mantém a tradição do culto doméstico enquanto toda a família vive junto. Outros encontram outras maneiras de incentivar o influxo de Bíblia e da oração, à medida que a família amadurece. Como fazemos isso é uma questão de escolha pessoal. Deus não ordenou o culto doméstico como eu o descrevi, mas Ele deseja que cada membro crente da casa cresça por meio da Bíblia e da oração. É função dos pais incentivar essa prática e ser o principal exemplo para seus filhos. Quando as crianças são mais novas e não entendem a Bíblia por conta própria, o culto doméstico parece quase indispensável como método.

Dia do Julgamento

O puritano Richard Mather (1596-1669), avô de Increase e bisavô de Cotton Mather, uma vez imaginou crianças no dia do julgamento, falando com seus pais. Suas palavras servem como um último aviso sóbrio de que devemos ser mais diligentes para cuidar da alma de nossos filhos:

Tudo o que sofremos aqui é por sua causa. Deveriam ter nos ensinado as coisas de Deus, e não o fizeram. Deveriam ter nos contido do pecado e nos corrigido, e não o fizeram. Vocês foram o meio de nossa corrupção e culpa originais, e ainda assim nunca demonstraram cuidado competente para que pudéssemos ser libertados disso. Ai de nós que tínhamos pais tão carnais e descuidados; e ai de vós que não tiveram mais compaixão e piedade para evitar a miséria eterna de seus próprios filhos.

Traduzido por Marq.

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